Política de drogas deve ser menos punitiva, diz especialista
O tráfico de drogas é hoje a principal causa de encarceramento no Brasil - das mais de 622 mil pessoas presas, 28% estão encarceradas por este crime
Agência Brasil
Publicado em 14 de agosto de 2017 às 18h08.
Especialistas reunidos hoje (14), em comemoração ao Dia Mundial da Juventude (12 de agosto), defenderam que as políticas públicas de enfrentamento às drogas devem ser menos punitivas e mais humanitárias, tratando a questão como um problema de saúde pública.
As discussões ocorreram na Casa da Organização das Nações Unidas (ONU), em Brasília, em parceria com o programa Câmara Ligada, da Câmara dos Deputados.
Segundo a ONU, o tráfico de drogas é hoje a principal causa de encarceramento no Brasil. Das mais de 622 mil pessoas no sistema prisional brasileiro, 28% estão presas por tráfico de drogas. Desses detentos, 55% têm entre 18 e 29 anos e 61% são pessoas negras.
Segundo o representante do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) no Brasil, Rafael Franzini, os países têm compromissos mínimos baseados principalmente nas novas diretrizes na luta contra as drogas, adotadas em abril de 2016.
Elas colocam as pessoas no centro das políticas globais para o controle de entorpecentes, dando ênfase na saúde e no bem-estar da humanidade.
"É uma abordagem mais humanitária. A droga não é um inimigo, é uma substância. O usuário é uma pessoa com uma doença. É uma doença crônica e tratável, mas é uma doença. E se ele está doente não tem que ir para a cadeia, não é sujeito de direito penal, mas de direito de saúde", disse, explicando que o usuário também precisa de serviços de reintegração social para não ser estigmatizado.
Para Franzini, a lei de drogas tem falhas em sua aplicação. Entre elas, o especialista cita a falta de um limite objetivo sobre a quantidade de droga que caracteriza tráfico ou consumo.
Além disso, apesar de a norma despenalizar o consumo, o país ainda conta com abordagens punitivas por parte do Judiciário.
Caminho de exclusão
Para o representante do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) no Brasil e coordenador do Grupo Interagencial sobre Juventude, Jaime Nadal, a opinião pública precisa de informações corretas e as políticas precisam ser construídas com base em referências que deram certo.
"Não podemos fazer a mesma coisa dia após dia e esperar resultados diferentes. E as políticas sobre drogas têm triplicado o encarceramento", disse.
Nadal explica que é importante ter um olhar para os determinantes sociais que fazem com que, particularmente, jovens negros e pobres da periferia sejam punidos pela situação do tráfico e drogas.
"É importante o Estado se fazer presente. O tráfico é um caminho que você chega por exclusão e não por opção. Por exclusão porque não teve acesso à educação, à saúde e a benefícios sociais que talvez pudessem ter permitido a existência de um projeto de vida, com expectativas que não passassem pelo tráfico de drogas", disse.
O embaixador da Juventude do UNODC, Jeconias Vieira Lopes Neto, disse que falta humanidade nas políticas de drogas do Brasil para oferecer condições mais viáveis na luta contra a criminalidade e o tráfico.
"É um problema de saúde pública, independente se você defende o uso ou não. É um problema que destrói a vida das pessoas, principalmente o crack", disse ele, que já foi usuário de drogas.
Para o representante da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça, Cloves Benevides, ninguém quer criminalizar quem faz uso de drogas, mas a legislação permite que isso seja feito.
Segundo ele, o Brasil tem pouca tradição de prevenção. "É preciso pensar em uma política mais abrangente e inclusiva. Encarcera-se por desassistência porque o indivíduo não é alcançado pela prevenção e alternativas de cuidado. Às vezes, só se tem a via judicial", argumentou.
Mortes
No Brasil, há mais de 50 milhões de jovens. Todos os anos, cerca de 30 mil jovens são assassinados no país, um assassinato a cada 24 minutos.
A maioria das vítimas é de homens negros. Para o secretário especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Juvenal Araújo Junior, essa seletividade mostra a abordagem repressiva das polícias e, infelizmente, não conseguiu sensibilizar o Judiciário.
"Essa ideia que bandido bom é bandido morto atinge o jovem negro. A ausência do Estado, com políticas públicas, na periferia, faz com que os heróis das crianças e jovens estejam no crime", disse.
A representante da Rede latinoamericana e caribenha de pessoas que usam drogas, Luana Malheiro, disse que o ambiente instaurado é de guerra contra as pessoas que usam drogas, "pessoas negras e pobres da periferia".
"Nem o crack consegue matar mais do que o instrumento que o Estado brasileiro tem usado na guerra às drogas. O que tem destruído a vida da juventude é a força armada da polícia. Precisamos falar com nitidez, o Estado tem matado mais que o crack", disse.
Segundo ela, em toda a América Latina, as políticas de drogas têm produzido mais violência e acirrado o feminicídio, o racismo e a desumanização.
Segundo a juíza auxiliar da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, Sandra Aparecida Silvestre de Frias Torres, mais de 80% das pessoas que ingressam ou estão no sistema prisional tem menos de 35 anos de idade.
"Temos um grande volume de pessoas que estão presas, quando poderiam estar produzindo, tendo uma vida útil em favor do país e da sociedade", disse.
"São sistemas de governo, familiar e de escolas que não funcionam e levam a um caminho que muitas vezes chega a uma bifurcação. Por isso, a questão da desigualdade precisa ser revista", argumentou.
Juventude
Neste ano, o tema do Dia Mundial da Juventude é "Juventude construindo a paz". Desde 2015, uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas incluiu a juventude como elemento essencial para processos de construção da paz e de resolução de conflitos.
Hoje, existem no mundo cerca de 2 bilhões de pessoas com idade entre 10 e 24 anos. De cada dez jovens, nove vivem em países em desenvolvimento. Segundo a ONU, nunca antes a população mundial foi formada por tantas pessoas jovens.