Pesquisa mostra que cidades brasileiras não têm estruturas anticorrupção
Apenas 24% das cidades acima de 20 mil habitantes têm órgãos como ouvidoria e corregedoria, segundo levantamento do Instituto Não Aceito Corrupção
João Pedro Caleiro
Publicado em 27 de outubro de 2019 às 08h00.
Última atualização em 27 de outubro de 2019 às 15h54.
São Paulo – Mensalão, petrolão, laranjal: muitos casos de corrupção com repercussão nacional mobilizaram a opinião pública nos últimos anos, mas o que acontece com a corrupção mais prosaica e local? Nada, muito provavelmente.
Municípios brasileiros carecem de estruturas para identificar e punir malfeitos, segundo uma pesquisa do Instituto Não Aceito Corrupção antecipada com exclusividade para EXAME.
Com ajuda de um grupo de pesquisa da FEA/USP de Ribeirão Preto, foram enviados questionários, usando a Lei de Acesso à Informação, para todas as 1.037 cidades brasileiras com mais de 20 mil habitantes que tem canais de comunicação.
Elas foram questionadas sobre a existência de estruturas como ouvidoria e corregedoria, assim como sobre órgãos e leis com essas funções, além de programas de integridade e código de ética para servidores.
"Há uma percepção internacional de que o aprimoramento do controle interno é um fator que evita a corrupção", diz Roberto Livianu, promotor em São Paulo e doutor em direito pela USP. Ele trabalha com o tema há 23 anos e preside o instituto.
Apenas cerca de um terço das cidades responderam, o suficiente para uma amostra estatisticamente significativa, mas um sinal preocupante de falta de transparência. Em dois estados, Roraima e Piauí, nenhuma cidade deu retorno.
Além disso, os resultados foram decepcionantes: apenas 24% dos municípios respondentes afirmam ter as quatro funções de controle (ouvidoria, auditoria, corregedoria e secretaria), o modelo ideal.
O número sobe para 41% entre as capitais. De maneira geral, municípios maiores tender a responder mais e a ter mais estruturas de controle.
Apesar da importância econômica, o estado de São Paulo não se destaca entre os demais: tem exatamente a mesma média nacional (24%) de municípios com todas as funções de controle.
Não há controladoria, por exemplo, em cidades ricas e grandes que tiveram casos notórios de corrupção como Santo André, onde ocorreu o assassinato do prefeito Celso Daniel, e Ribeirão Preto, que teve até a prefeita presa em 2016.
Como a ouvidoria é um canal de denúncias, ela é mais fácil de implanta e costuma ser o primeiro passo, diz Livianu. E não basta apenas ter as estruturas; são necessárias independência e autonomia para os órgãos de controle, através de mandato, para que não possam simplesmente serem substituídos a qualquer momento.
Livianu cita como exemplo positivo a experiência da cidade de São Paulo, que na gestão Fernando Haddad criou a Corregedoria-Geral do Município e mecanismos para acompanhar evolução patrimonial de servidores, por exemplo.
“Foi um trabalho pioneiro, é um modelo a ser seguido, e acabou sendo uma referência nacional", diz Livianu. O ex-controlador-geral da cidade, Mário Spinelli, é ouvidor da Petrobras desde janeiro de 2016.
Livianu conta que o instituto tem um projeto, chamado Controla Brasil, para dar apoio técnico para os municípios que querem implantar seus órgãos de controle, além de dar ensino à distancia para formar quadros. Ele nega que isso seja um gasto extra para as gestões.
“A ideia de que gera mais custos é uma falácia. O que se gasta em termos de estrutura e recursos humanos é muito menos do que se economiza em dinheiro público", diz.
O projeto conta com a colaboração dos professores Andre Aquino, Rita Biason, Rodrigo Prando, além de Bárbara Krystall, Rafael Besnosoff, Juliana Radulov e Juliana Silveira.