Metade dos governadores brasileiros está na mira da Justiça
Levantamento no STJ localizou 13 ações penais e um inquérito que tramitam publicamente; um governador já é réu
Da Redação
Publicado em 21 de abril de 2018 às 06h30.
Última atualização em 21 de abril de 2018 às 11h59.
Levantamento realizado no Superior Tribunal de Justiça ( STJ ) indica que pelo menos 14 dos 27 governadores no exercício da função estão na mira da corte. Esses políticos são alvo de no mínimo 13 ações penais e um inquérito, e um deles, Fernando Pimentel (PT-MG), já atingiu a condição de réu. Outros cinco governadores perderam o foro do STJ para concorrer a outros cargos nas próximas eleições e seus processos estão sendo enviados para outros juízos.
O número de processos certamente é maior, mas é impossível precisar quantos são porque alguns correm sob sigilo – o que impede que se saiba a que tipo de investigações se referem. O número de ações penais, inquéritos e sindicâncias no STJ em que estão ou estiveram implicados os governadores eleitos em 2014 – incluindo os que deixaram recentemente o cargo – chega a 64. Destes, no momento, 44 estão sob sigilo.
A Constituição, no artigo 105, determina que, em caso de crimes comuns, os governadores dos estados devem ser julgados pelo STJ. Ao abandonarem o cargo, os políticos perdem o foro por prerrogativa de função e os processos em que estão envolvidos podem ser encaminhados a outros juízos, já que muda a competência para julgamento.
Na última semana, o vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, enviou petições aos ministros do STJ solicitando a remessa das ações e inquéritos de que são parte os ex-governadores recém-saídos da função.
Essa situação se aplica a Geraldo Alckmin (PSDB-SP), Beto Richa (PSDB-PR) e Marconi Perillo (PSDB-GO), que renunciaram aos mandatos para concorrer à presidência da República e ao Senado pelo Paraná e por Goiás, respectivamente – a Constituição (artigo 14, parágrafo 6º) determina que chefes do Executivo abandonem suas funções até seis meses antes da eleição se quiserem disputar uma nova posição.
O inquérito sobre o ex-governador paulista, que está sob sigilo, foi remetido à Justiça Eleitoral de São Paulo pela ministra Nancy Andrighi, conforme pedido por Maia – críticos da medida dizem que ela afasta o tucano da rota da força-tarefa da Lava Jato no estado. Já a ação penal da qual Richa é alvo e o inquérito sobre Perillo foram deslocados à Justiça Federal de seus estados. O mesmo cenário pode acontecer com Raimundo Colombo (PSD-SC) e Confúcio Moura (MDB-RO), que serão candidatos a senador e também perderam o foro privilegiado.
O que pesa contra os governadores que continuam no cargo
Nove dos 14 governadores em exercício são parte de processos não protegidos por segredo de justiça no tribunal. A Pública analisou a movimentação dessas ações penais e inquéritos e constatou que, dos nove, apenas Paulo Hartung (MDB), do Espírito Santo, e Rodrigo Rollemberg (PSB), do Distrito Federal, não são alvo do Ministério Público Federal – o primeiro é processado por supostas ofensas a um juiz federal, e o segundo, por injúria e difamação.
Fernando Pimentel (PT-MG) foi o único a virar réu. Isso ocorreu em dezembro de 2017, na ação penal 843, quando a Corte Especial do STJ recebeu a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) que o acusa de corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro. De acordo com a PGR, Pimentel teria favorecido a Odebrecht em obras na Argentina e Moçambique em troca do recebimento de propina enquanto esteve no comando do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, entre 2011 e 2014.
O suposto esquema foi apontado pela Operação Acrônimo, que rendeu ao governador outras duas denúncias: uma em que é acusado de gerar benefício tributário à montadora de veículos Caoa após a obtenção de vantagens indevidas (ação penal 836) e outra em que é suspeito de ter facilitado a liberação de recursos do BNDES à empreiteira JHFS – em contrapartida, teria recebido doações eleitorais da empresa por meio de caixa 2 (ação penal 865).
Marcelo Miranda (MDB-TO) também aparece em três processos que tramitam publicamente no STJ. Na ação penal 898 foi denunciado pela PGR por suspeita de integrar esquema de lavagem de dinheiro, recebimento de propina e fraudes em licitações, entre outros crimes, durante seus mandatos à frente do governo de Tocantins – ele foi eleito três vezes para o cargo e cassado duas, a última em março; o que o mantém na função é uma liminar concedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes. Em outra ação, a 803, Miranda é acusado pelos crimes de dispensa ilegal de licitação e peculato em seu primeiro mandato como governador. Há, ainda, um inquérito (nº 1.197) que o investiga com base em delações de ex-executivos da Odebrecht, segundo os quais o emedebista é acusado de receber pagamentos da empreiteira durante sua campanha em 2014.
Já Wellington Dias (PT-PI) é denunciado em duas ações penais. Na ação penal 805, é acusado de homicídio culposo e prevaricação pelo rompimento da Barragem de Algodões, que matou nove pessoas em 2009 no município de Cocal – Dias autorizou o retorno dos moradores ao local, desobedecendo a ordem judicial que havia determinado a retirada das famílias da região. Na ação penal 874, o petista é investigado por crimes de dano em unidades de conservação e poluição, “com resultado de tornar área imprópria para a ocupação humana e de interromper o abastecimento público de água de uma comunidade”.
Em agosto de 2017, o STJ decidiu retomar análise de denúncia por corrupção contra o governador do Pará, Simão Jatene (PSDB). Na ação penal 827, o MPF alega que, em 2003, já no cargo de chefe do Executivo estadual, ele teria emitido decretos para perdoar dívidas Cervejaria Cerpa S/A em troca de vantagens indevidas. O próximo passo é que o STJ julgue o recebimento da denúncia.
Waldez Góes (PDT-AP), por sua vez, foi denunciado por peculato na ação penal 814. Ele é suspeito de ter descontado dos salários dos funcionários públicos estaduais parcelas para pagamentos de empréstimos consignados e não repassado aos bancos – o esquema teria ocorrido a partir de 2009, quando Góes cumpria seu segundo mandato consecutivo como governador do Amapá. Ele já teve pelo menos outras três ações penais arquivadas pelo tribunal.
O governador do Rio Grande do Norte, Robinson Faria (PSD), é alvo em uma ação penal (nº 880) que tramita publicamente no STJ. Na denúncia, ainda não recebida pela corte, Faria é suspeito de obstrução de justiça durante as investigações de um esquema de desvio de recursos na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte (Alern). O MPF elaborou a acusação com base nos resultados da Operação Anteros, da Polícia Federal, que apura o suposto desvio de recursos na Alern por meio da inclusão de funcionários fantasmas na folha de pagamento.
Ricardo Coutinho (PSB-PB) é outro governador acusado por obstrução de justiça, segundo a PGR. A denúncia contra ele, representada na ação penal 866, aguarda apreciação da Corte Especial do STJ.
O que pesa contra os ex-governadores que miram eleição 2018
Dos seis governadores que renunciaram aos cargos até 7 de abril, prazo máximo estabelecido pela lei para a disputar outros cargos nas eleições em outubro, cinco tinham processos sob análise do STJ até a última semana – o único que não se inclui nesse grupo é Jackson Barreto (MDB-SE). É possível dizer que existem ao menos sete ações e inquéritos nos quais estão envolvidos.
A investigação sobre Geraldo Alckmin (PSDB-SP), inquérito 1.215, que agora será levada a cabo pela Justiça Eleitoral de São Paulo, diz respeito ao suposto recebimento de R$ 10,7 milhões em doações eleitorais via caixa 2 pela Odebrecht para suas campanhas de 2010 e 2014 ao governo do estado. Adhemar César Ribeiro, cunhado de Alckmin – a quem era feita parte dos repasses em nome do tucano – e o secretário estadual do Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Monteiro, também são investigados. As suspeitas surgiram na delação de executivos da empreiteira.
Beto Richa (PSDB-PR) é alvo da ação penal 687, que apura o emprego irregular de recursos públicos recebidos via Fundo Nacional de Saúde mediante convênio a partir de 2009, quando era prefeito de Curitiba. À diferença do inquérito de Alckmin, a ação penal foi remetida à Justiça Federal do Paraná de primeiro grau.
O inquérito 1.180, que mira Marconi Perillo (PSDB-GO), é outro que já saiu da alçada do STJ e foi encaminhado à Justiça Federal de Goiás. O ex-governador, agora candidato a senador, também investigado com base nas delações da Odebrecht, é suspeito de favorecer a empresa na área de saneamento básico após receber dela doações para suas campanhas ao governo do estado em 2010 e 2014. A ação penal 855 pode ter o mesmo fim nos próximos dias. Nos autos, Perillo é acusado de receber vantagens indevidas em troca da viabilização de contratos do poder público com a construtora Delta entre 2011 e 2012, quando exercia o terceiro mandato como governador.
Além de Alckmin e Perillo, outro ex-governador e postulante ao Senado foi atingido pelas delações da Odebrecht. Segundo o ex-presidente de um dos braços da empreiteira, Raimundo Colombo (PSD-SC) teria recebido R$ 2 milhões da empresa em doações de campanha em 2010 para, caso eleito, beneficiá-la em contratos da área de saneamento. O caso é investigado na ação penal 894.
Confúcio Moura (MDB-RO), mais um que disputará uma vaga no Senado, é parte de duas ações que devem tramitar em outra instância. Na ação 867, o MPF o denunciou por sonegação fiscal entre 2009 e 2010, período em que foi prefeito do município de Ariquemes. Já na ação 845, Moura é acusado por concussão e dispensa ilegal de licitação no esquema que envolvia a empresa Multimargem, contratada para gerenciar serviços de consignação dos servidores públicos.