Oposição: mudar excludente de ilicitude é impossível após caso Ágatha
Deputados de oposição, que aceitaram analisar um texto alternativo à proposta do governo, recuaram e vão defender a permanência das leis atuais
Estadão Conteúdo
Publicado em 23 de setembro de 2019 às 17h09.
Última atualização em 23 de setembro de 2019 às 17h20.
A morte da menina Ágatha Vitória Sales Félix, de oito anos, baleada no interior de um veículo no Complexo do Alemão na sexta-feira, 20, pode enterrar de vez a discussão sobre a excludente de ilicitude no grupo de trabalho que analisa o pacote anticrime na Câmara. Os deputados de oposição ao governo - leia-se PSOL, PT e PCdoB -, que aceitaram analisar um texto alternativo à proposta do governo, recuaram e vão defender a manutenção da atual legislação.
Os deputados da oposição avisaram a alguns membros que qualquer discussão sobre a modificação da atual legislação após o fato ocorrido na semana passada no Rio é "impossível". "A atual legislação já dá garantias aos policiais . Não há necessidade de mexer nessa lei", afirmou o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ), que apresentou uma emenda para suprimir qualquer modificação proposta pelo pacote do ministro da Justiça, Sergio Moro.
O grupo vinha discutindo uma alternativa ao texto proposto pelo ministro Sergio Moro para ampliar as garantias legais aos policiais em casos de confronto, mas sem correr o risco de "dar um cheque em branco" para matar.
"Há uma tendência de votar pela manutenção do atual texto do Código Penal, que já abarca situações de excludente de ilicitude como a legítima defesa e o estreito cumprimento do dever local, que já prevê eventual diminuição de pena relacionada a excesso de defesa. Mas há a possibilidade de construir um texto alternativo com a comissão para ser votado, que dê mais segurança jurídica", afirmou o deputado Fabio Trad (PSD-MS), que tentava construir uma alternativa.
No domingo, pelas redes sociais, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pediu cuidado ao grupo de trabalho da Câmara na análise do texto. "Qualquer pai e mãe consegue se imaginar no lugar da família da Ágatha e sabe o tamanho dessa dor. Expresso minha solidariedade aos familiares sabendo que não há palavra que diminua tamanho sofrimento. É por isso que defendo uma avaliação muito cuidadosa e criteriosa sobre o excludente de ilicitude que está em discussão no Parlamento", disse Maia na postagem.
Termômetro
Desde maio, há uma maioria entre os 16 parlamentares do colegiado contra o texto proposto por Moro, conforme mostrou o jornal O Estado de S. Paulo. Na proposta do ministro, as penas de policiais - e cidadãos comuns - podem cair à metade ou deixar de aplicar qualquer sanção em casos de "medo, surpresa ou violenta emoção". Desde então, um grupo liderado pela coordenadora do grupo, Margareth Coelho (PP-PI), e por Trad discute alternativas à proposta do governo.
"Esse caso recente no Rio deixou bem claro que é algo a ser analisado com cuidado, como próprio Rodrigo Maia disse", afirma Margareth.
De acordo com a coordenadora do grupo, há três propostas em discussão. A alternativa seria um texto intermediário que suprime a possibilidade de aplicar o excludente em casos de "medo, surpresa ou violenta emoção", passando a definir situação como confronto ou reação à ataque. O texto deixaria claro, por exemplo, que o excludente de ilicitude não valeria para casos de violência doméstica, por exemplo.
"Como esse dispositivo não se dirige só aos policiais, as mulheres têm muito medo sobre os casos do feminicídio. Há uma subjetividade muito grande", diz a parlamentar sobre a impressão que colheu nos debates.
As outras duas opções sobre a mesa são de manter o texto sugerido por Moro, defendido pelo relator, Capitão Augusto (PL-SP), mas já descartada pela maioria do colegiado. Ou a rejeição total à proposta com a manutenção da atual legislação. Segundo afirmam, o Código Penal já prevê a regra para quem estiver em "estrito cumprimento de dever legal" e pode ser aplicada a policiais. O deputado Marcelo Freixo é o autor da proposta que tem o apoio dos outros partidos de oposição.
"A proposta do Governo abre para todos os cidadãos a possibilidade de 'excludente de ilicitude' por 'medo, surpresa ou violenta emoção'. É muito grave. Pode legalizar homicídios, inclusive feminicídio. Vamos defender a supressão desse texto", afirmou o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).
Margareth Coelho diz que ainda não tomou sua decisão, mas lembra ainda do caso do sequestro do ônibus na ponte Rio-Niterói, em agosto. "A legislação atual já deu conta", diz a deputado.
Crítica
Em nota técnica divulgada em maio, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE) afirmou que, da maneira que o texto está redigido por Moro, a alteração da lei poderia ser usada até para "exculpar" policiais que cometerem feminicídio.
"Depois de flexibilizar a legislação sobre o desarmamento e, consequentemente, em certa medida, armar a população, propor a exculpação do excesso de legítima defesa praticado por medo, é algo preocupante."
De acordo com os magistrados federais, "cabe notar que a expressão violenta emoção abrange ódio, ira, paixão, tristeza e mágoa, emoções que não devem ser aceitas como excludentes de excesso de legítima defesa". "Essas emoções podem, isso sim, ser levadas em conta nas circunstâncias judiciais, para fins de dosimetria da pena".
Votação
O grupo de trabalho entrou na reta final de discussão. O artigo envolvendo excludente de ilicitude deve ser o último a ser analisado pelos parlamentares já que foi a única proposta que ainda estava sendo negociada.
A possibilidade de redução ou mesmo isenção de pena a policiais que causarem morte durante sua atividade - o excludente de ilicitude - foi prometido pelo presidente Jair Bolsonaro ainda na campanha eleitoral. A medida foi incluída pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, em seu pacote anticrime, uma série de alterações na legislação que visa a endurecer o combate à criminalidade. O projeto foi apresentado em fevereiro à Câmara.
Com uma série de derrotas no grupo de trabalho, na semana passada, o PSL anunciou que abandonaria os trabalhos. Em coletiva na última sexta-feira, 20, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), deputado Felipe Francischini (PSL-PR), disse que pretende resgatar pontos do pacote anticrime do ministro Sergio Moro rejeitados por questões formais pelo grupo de trabalho formado pelos deputados.
Entre as propostas estão a prisão após condenação em segunda instância e, até, o excludente de ilicitude. De acordo com Francischini, a proposta de isentar policiais de punição poderia ser recuperada através de outro projeto de lei, anterior a proposta de Moro, que já estava em tramitação no colegiado.