O peso jurídico e político da segunda denúncia contra Temer
Procurador-geral da República acusa o presidente pelos crimes de obstrução de Justiça e organização criminosa
Gian Kojikovski
Publicado em 14 de setembro de 2017 às 18h32.
Última atualização em 14 de setembro de 2017 às 18h37.
São Paulo - O procurador-geral da República, Rodrigo Janot , apresentou nesta quinta-feira a esperada nova denúncia contra o presidente Michel Temer , dessa vez por obstrução de Justiça e organização criminosa. Além do presidente da República, Janot acusa os ex-deputados Eduardo Cunha (RJ), Henrique Alves (RN), Geddel Vieira Lima (BA) e Rodrigo Rocha Loures (PR) e os ministros Eliseu Padilha (RS) e Moreira Franco (RJ) de fazerem parte do que ficou conhecido como “quadrilhão do PMDB” na Câmara. De acordo com o procurador, Temer era o chefe do esquema.
O documento tem como base as delações dos executivos do grupo J&F e do doleiro Lúcio Funaro, operador do PMDB. As acusações devem ser enviadas à Câmara dos Deputados na próxima semana. Lá, o processo será o mesmo da denúncia anterior. Será formada comissão que monta um relatório que recomenda o arquivamento ou prosseguimento da denúncia. Em Plenário, deputados decidem se o documento será enviado de volta ao Supremo para julgamento. Se for chegar ao tribunal, Temer é afastado do cargo enquanto espera a sentença — ou por 180 dias, o que vier primeiro.
A primeira denúncia, por corrupção passiva, foi apresentada em 27 de junho. No dia 2 de agosto, a Câmara barrou o prosseguimento, com 263 votos, quando eram necessários 172. A base da acusação foi o recebimento de uma mala de 500.000 reais pelo ex-assessor e indicado do presidente, Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR).
Agora, Janot acusa Temer de ter dado aval para Joesley comprar o silêncio de Funaro e Eduardo Cunha com a célebre frase “tem que manter isso, viu?”, configurando a obstrução de Justiça. A organização criminosa está na atuação do chamado “quadrilhão do PMDB”, grupo, segundo Janot, liderado por Temer desde maio de 2016, que teria recebido propinas por influência em diversos órgãos públicos, como Petrobras, Furnas, Caixa Econômica, Ministério da Integração Nacional e Câmara dos Deputados.
Segundo a PGR, o esquema desenvolvido permitiu que os denunciados recebessem pelo menos 587 milhões de reais de propina. A denúncia explica que o núcleo político da organização era composto também por integrantes do PP e do PT, que compunham subnúcleos políticos específicos, além de outros integrantes do chamado “PMDB do Senado”. Para Janot, em maio de 2016, com a reformulação do núcleo político da organização criminosa, os integrantes do “PMDB da Câmara”, especialmente Michel Temer, passaram a ocupar papel de destaque que antes havia sido dos integrantes do PT em razão da concentração de poderes na Presidência da República.
A acusação foi corroborada por um relatório da Polícia Federal levado à PGR na segunda-feira (11), que indicou que Temer era quem comandava esse grupo e utilizava terceiros para executar suas tarefas.
Novas frentes de apuração continuam surgindo contra Temer, que reforçam o pedido de Janot para prosseguir com as investigações contra o presidente. Foi aberto nesta semana, por exemplo, um inquérito contra o presidente para a apuração de que influenciou diretamente a aprovação da MP dos Portos para favorecer a empresa Rodrimar, com a qual tem “negócios”. A delação de Funaro pode trazer novas evidências sobre o caso.
A denúncia também chega envolta em polêmica. As conversas entre Joesley Batista e Ricardo Saud, base da denúncia, divulgadas na semana passada e que anularam os benefícios dos delatores na Justiça, ainda serão analisadas pelo Supremo. A corte marcou para a semana que vem a sessão que decide se as provas coletadas da empresa dos Batista poderão ser utilizadas. A depender do resultado, a denúncia desta quinta pode ficar enfraquecida.
Quem lidará com a tensão e possíveis acertos, portanto, será a nova procuradora-geral, Raquel Dodge — Janot, que encerra seu mandato no próximo domingo 17, deixa o documento como um dos últimos atos de seu período como chefe da Procuradoria-Geral da República.
Ainda é difícil constatar o peso jurídico da nova denúncia, antes da leitura minuciosa da delação de Funaro, que segue sob sigilo. De acordo com o jurista Carlos Ari Sundfeld, professor de Direito Público da Fundação Getúlio Vargas, provas como o rastreamento de ligações entre pessoas que envolvam Funaro e assessores próximos do presidente, conversas por mensagens de texto entre os personagens e comprovantes de depósito podem dar laços suficientes para envolver Temer. Os investigadores apostam nisso.
“A obstrução, com base apenas naquela conversa, é muito mais fraca. É difícil vincular o presidente como mandatário do pagamento”, diz Sundfeld a EXAME. “A narrativa anterior, embora Temer tenha falado pouco, tem uma clara indicação de Rodrigo Rocha Loures como nome de confiança, o que parecia algo mais palpável de envolvimento”.
Na urgência de flechar o presidente, Janot pode ter se precipitado, segundo juristas ouvidos por EXAME. Uma junção do conjunto probatório das duas denúncias poderia corroer mais a defesa do presidente se fosse apresentado de uma só vez.
Enquanto isso, na Câmara
As chances de segunda denúncia de Janot ser aprovada na Câmara são menores do que a primeira, que foi derrotada por 263 deputados, contra 227 que queriam que ela prosseguisse. Para cientistas políticos consultados pela reportagem, a mobilização pró-Temer no Congresso só mudaria de direção em caso de novidades fortes serem reveladas por Funaro, com potencial explosivo de escancarar um escândalo. Difícil pensar em algo com poder mais destrutivo que o áudio da conversa entre Joesley e Temer, divulgada em maio.
Pesam ainda a favor do presidente as confusões em relação à delação premiada dos executivos do grupo J&F, que acabaram por fortalecer politicamente o presidente Temer. Entre políticos e analistas do cenário de Brasília, é difícil quem acredite dessa vez o resultado será diferente. “O risco do efeito manada que existia na primeira votação diminui para essa. Ninguém acha que o presidente vá perder e o incentivo para abandonar o barco está menor do que era”, disse em entrevista à EXAME o cientista político Christopher Garman, diretor de análise de países da consultoria de risco Eurasia.
O principal motivo é justamente os questionamentos que surgiram sobre a validade da delação que levou Temer para o centro do furacão no dia 17 de maio. A pressão sobre a Procuradoria-Geral da República só aumentou nos últimos dias, depois das novas gravações que colocaram em dúvida a atuação do Ministério Público na delação. Em discurso nesta quinta enquanto inaugurava o início de uma obra no Tocantins, Temer criticou o que chamou de abuso de autoridade, embora não tenha se referido diretamente a Janot.
Sua tropa de choque não deixou por menos. O líder do governo no Senado, Romero Jucá, disse que Janot “perdeu o bom senso”. “O procurador está tão desacreditado…. Ele agora se juntou com o Funaro, a próxima companhia inseparável dele. Talvez vá convidar o Funaro para tomar cerveja lá naquela distribuidora”, afirmou, se referindo a foto tirada de Janot bebendo com o advogado de Joesley e Wesley Batista, Pierpaolo Cruz Bottini.
A viagem de Temer ao Tocantins, feita nesta quinta-feira, também não aconteceu ao acaso. Ele levou consigo o presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da JBS, o senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO). Na terça-feira, Ataídes escolheu Carlos Marun (PMDB-MS), um dos deputados mais próximos do Planalto, para ser o relator da comissão, indicando que, como se esperava desde a criação da CMPI, ela estará mais inclinada a investigar os delatores e os procuradores do que a entender quais crimes foram cometidos pelos delatados.
Entre os primeiros convocados a depor devem estar desafetos de Janot, como o ex-procurador e ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão. Outro desafeto de Janot que deve ser ouvido é Ângelo Goulart Villela, o procurador que foi preso em maio com base na delação de Joesley Batista e Ricardo Saud. A intenção da CPMI será entender o quanto a procuradoria sabia do envolvimento de Marcelo Miller com os delatores.
Isso tudo, claro, serve para colocar em xeque os argumentos dos procuradores contra Temer. Mas outros fatores devem influenciar no posicionamento dos deputados. “Os escândalos se espalharam, então fica difícil acusar o presidente quando todos estão envolvidos em problemas similares. A falta de perspectiva em relação a um substituto influenciou a decisão sobre a primeira denúncia e influenciará esta. Por último, a melhoria na economia desincentiva mudanças neste momento”, diz Juliano Griebeler, diretor de relações governamentais da consultoria Barral M Jorge.
A melhoria, aliás, tornou-se o argumento principal do discurso político do presidente. O PIB cresceu 0,2% no segundo trimestre do ano e o IBC-Br, que serve como uma prévia do índice, indicou nesta quinta um novo crescimento, de 0,41% em julho, em relação a junho. A inflação acumulada dos últimos 12 meses foi de 2,46%, a mais baixa desde 1999 para o período. A taxa Selic está em 8,25% e vem em uma trajetória de queda desde outubro de 2016, quando estava em 14,25%. O consumo das famílias, um indicativo importante da recuperação econômica, também vem evoluindo.
Mas o fato de a denúncia ter sido apresentada pode atrapalhar as relações políticas da base do presidente para o futuro, mesmo com a quase certeza de sua rejeição. “O problema, para o governo, é que ela afeta novamente a agenda econômica e a pauta de votações. Quanto mais tempo passa, maior a chance de novos atritos, como os que vem acontecendo com o PSDB e o DEM em relação ao governo. Dificilmente a reforma da Previdência será aprovada no ano que vem e, se for neste ano, deve ser algo muito mais restrito do que a proposta do governo”, diz Griebeler.
Ainda assim, tudo indica que os deputados, a um ano da eleição de 2018, não devem querer mais instabilidade econômica e política em suas agendas, e a reforma da Previdência é algo para ser pensado mais tarde. Neste cenário, a chance de Temer ser ferido de morte pela derradeira flechada de Janot é pequena. Mas a tranquilidade vai continuar passando longe do Planalto.