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"O machismo está ficando cada vez mais babaca", diz Duvivier

Em entrevista ao Huffington Brasil, Gregório Duviver fala que "o que cabe aos homens é entender que ele não sabe o que é ser uma mulher"

Machismo em pauta: em entrevista ao Huffington Post Brasil, Gregório Duviver fala que "o que cabe aos homens é entender que ele não sabe o que é ser uma mulher" (Divulgação/ Porta dos Fundos)
DR

Da Redação

Publicado em 20 de novembro de 2015 às 12h21.

São Paulo - Não foi outra pessoa senão o próprio Gregório Duvivier quem escreveu, meses atrás, sobre como alguém que faz algo - faz algo para ajudar o outro ou a si mesmo -"destrói os valores" de quem nunca fez nada.

"Não quer ajudar, não atrapalha", arrematou com a frase, como assinalou, de avó. Talvez seja exatamente por isso que o ator , humorista, escritor e roteirista tenha se tornado nome fácil na boca de quem está bem mais preocupado em manter tudo do jeito que está: bom para poucos e ruim para quase todo mundo.

Como homem, o carioca de 29 anos acha que é hora de perder espaço e ouvir atentamente as outras vozes que ficaram tanto tempo caladas.

"A principal luta do feminismo é dar voz, é que elas tomem voz, né? É um contrassenso eu falar sobre isso… normalmente não falo... Estou mais autorizado a falar sobre a questão do machismo". E como o homem que imagina ajudar faz alguma coisa? "A palavra-chave é empatia. Se alguém diz que ficou ofendido com uma piada, ou até quando um mar de pessoas está dizendo que ficaram ofendidas, o homem tem de reconhecer a veracidade e sentir dor do outro, sabe?", explicou ao HuffPost Brasil , por telefone.

Gregório fala da importância de ter visto na mãe, a cantora Olivia Byington, nas irmãs Bárbara e Theodora e em Clarice Falcão o empoderamento necessário para não ser mais um artista com espaço na mídia e uma carreira baseada na reprodução de um mundo de homens e feito para homens.

Cita o absurdo que foi ver a pensadora Simone de Beauvoir diminuída em pleno 2015, mas, ainda assim, vê avanços: "A campanha Primeiro Assédio, do Think Olga, foi muito pedagógica para os homens. Me chocou muito e me fez perceber algo que já suspeitava: nunca vou saber o que é ser mulher. Nunca vou poder falar dessa dor".

O machismo violento que faz vítimas todos os dias merece ser ridicularizado, segundo ele. "O machismo está ficando cada vez mais babaca. Até pouco tempo era engraçado entre homens ficar reproduzindo machismo".

É que Gregório acredita na força da piada. Fazer graça de quem está preso ao atraso pode ser forte o bastante para tentar mudar valores numa sociedade como a nossa. Acima de tudo, é aquilo: se ele não for capaz de ajudar, atrapalhar ele não vai. Definitivamente.

Com isso tudo, a masculinidade no século 21 começa a ficar mais embaralhada. E nada melhor do que começar a discutir isso a fundo justamente no Dia Internacional do Homem, certo? Como tentar novas saídas? Para onde vai o homem? A entrevista com Gregório que você acompanha nas próximas linhas faz parte do especial Building Modern Men, do HuffPost UK. Então, vamos ao papo.

HuffPost Brasil: Ainda que os problemas estejam aí, tanto a homofobia quanto a misoginia, eles começam a ser debatidos. Recentemente até mesmo revistas que historicamente não têm nenhuma proximidade com o tema, deram espaço para as mulheres. Elas foram para a capa. Em que medida esse novo contexto empurra o homem para um crescimento pessoal quase obrigatório? Como você vê esse princípio de abertura de espaços para outras vozes?

Gregório Duvivier: É surpreendente que a gente ainda esteja batalhando por isso. Estamos em 2015 e muito, muito atrasados no Brasil em relação ao mundo. O mundo, claro, ainda é machista, mas estamos num momento em que percebemos como o nosso machismo consegue ser maior que no restante do mundo.

Quando você vê que Simone de Beauvoir choca numa prova do Enem… Ela que é uma pensadora canônica… E temos pessoas relativizando, dizendo por aí que ela uma comunista, uma feminazi. Não! A Simone de Beauvoir tem uma importância histórica inegável. E aqui ela tem essa relevância negada. Ou seja: o nosso machismo está muito entranhado e claro que isso tem a ver com religião.

Somos um país muito religioso, muito conservador. E nossa religião é, sim, muito machista… 90% (dos brasileiros) são de religiões cristãs que não permitem o sacerdócio das mulheres. A mulher também não pode ser pastora. Quer dizer que a maioria absoluta vive sob uma religião intrinsecamente machista. Católicos e evangélicos condenam o aborto. A gente começa a ver que somos muito machistas...

É isso… Estamos começando a entender que existe um problema. Começando a ouvir…

Acho que a principal luta do feminismo é dar voz, é que elas tomem voz, né? É um contrassenso eu falar sobre isso… normalmente não falo. Estou mais autorizado a falar sobre a questão do machismo.

Mas mulher na rua é uma batalha de empoderamento, da mulher tomando voz em primeira pessoa. Nas histórias contadas e na ficção na nossa sociedade - salvo algumas exceções -, a mulher está condenada a ser coadjuvante. É um reflexo da sociedade. A batalha agora é que elas assumam o protagonismo das ficções e, sobretudo, da vida real.

Tem esse lado que é o homem se afastar, ficar calado e tem o outro lado que onde, talvez, o homem pode ajudar. Dá para debater com o cara que é escroto com uma mulher, mantendo a mesma piadinha de que “a mulher não me deixa ver o jogo”? Você já deu algum toque em amigo nesse sentido? O papel do homem pode ser esse?

Os homens, entre nós mesmos, perpetuamos o machismo. E, obviamente, o machismo está ficando cada vez mais babaca. Até pouco tempo era engraçado entre homens ficar reproduzindo machismo. O humor era praticamente sinônimo de machismo. Se for ver a quantidade de piadas machistas que existem e comparar para ver como são poucas as piadas feministas.

E é tarefa dos homens e dos humoristas não perpetuar o machismo, não repeti-las, mas também apontar o machismo não só nos outros, mas em nós mesmos.

O papel do opressor, que é homem, é ouvir, reconhecer e entender a dor do outro. A palavra-chave é empatia. Se alguém diz que ficou ofendido com uma piada ou até quando um mar de pessoas está dizendo que ficaram ofendidas, o homem tem de reconhecer a veracidade e sentir dor do outro, sabe? É isso que caracteriza o que tem de mais bonito no ser humano.

O que cabe aos homens é entender que ele não sabe o que é ser uma mulher. Saber que não temos ideia do que é ser mulher. Parar de dizer “ah, mas vocês também não precisam fazer a barba” ou qualquer estupidez do gênero. Falar “ah, vocês não precisam prestar serviço obrigatório” ou dizer que estamos quites. Não, não estamos quites. Então, ouça. Daí surge uma campanha maravilhosa como essa do Primeiro Assédio, do Think Olga. Essa campanha foi muito pedagógica para os homens.

Me chocou muito, me fez perceber algo que já suspeitava: nunca vou saber o que é ser mulher. Nunca vou poder falar dessa dor. A única coisa que posso fazer é ouvir e prometer não perpetuar essa cultura do machismo.

O machismo não é inerente ao ser humano, é produto de uma cultura. Não é algo que veio conosco. É filho de piadas machistas. A prática do assédio é filha da prática do humor com assédio, sabe? Acredito no poder das piadas. Acho que elas podem mudar o mundo ou podem manter ele do que jeito que está. O papel do homem é fazer o máximo esforço para mudar isso. E isso tudo (o humor ofensivo) é a cultura do estupro, do assédio, da naturalização da violência contra a mulher.

Você lembra de ter dado um toque em amigo? Aquele amigo que fala bobagem para a garçonete ou algo assim? Lembra de uma vez que precisou levantar a voz contra essas coisas?

Eu sou chato nisso mesmo, de comentar constantemente em todos os sentidos.

Mesmo quando me mandam um texto para aprovar: “O que você acha do texto de humor que escrevi?”. Eu digo: “cara, isso é machista”. Ou, então, numa reunião de texto, eu digo que é machista. Eu sou esse cara chato. Sabe… tem as expressões muito entranhadas… Outro dia um cara me falou: “Você é uma moça por não ter coragem de andar na rua numa hora dessas. Parece uma moça”.

E perguntei o motivo. Por acaso uma mulher é sinônimo de fraca, de covarde? Esse o seu conceito de moça? É importante os homens apontarem o dedo e ridicularizarem.

Existe também o antimachismo. E ele pode ser engraçado. O homem não pode dizer que é feminista porque essa é uma luta das mulheres. Mas ele pode se assumir como antimachista e pró-feminismo. Não só ele pode ser, como ele deve ser. Essa batalha tem de existir contra o machismo que está dentro da gente. Porque ele está lá e, de repente, se revela.

Assediar pessoas na rua é cultural no Brasil. O homem se acha no direito de falar bobagem. O que fez você sair disso? Foi mãe, pai, avô? Ou alguém te deu um toque muito moleque?

Minha mãe [a cantora Olivia Byington] sempre foi uma mulher muito poderosa, muito empoderada, como dizem agora. Ela sempre foi muito independente de tudo. Aos 16 anos ela já estava morando sozinha e se sustentando. E ela teve quatro filhos. Teve filho aos 21... e não consigo visualizar ela sem ser trabalhando e tomando frente da casa. Ela sempre foi a chefe da família. E venho de uma casa de mulheres também. A Bárbara e a Theodora, minhas irmãs, também são mulheres muito empoderadas.

Minha casa sempre teve mulheres muito poderosas. E aí, quando vinham me contar piadas machistas, dizia que não entendia, que não reconhecia aquilo. É aquela coisa: “Ah, um ladrão roubou o cartão de crédito, mas é melhor deixar com ele porque gasta menos que a minha mulher”.

Eu não entendo isso. Eu não vivi isso na minha vida nem na minha casa. Nem quando era pequeno nem quando me casei. Nunca vivi isso de uma mulher ser dependente do homem. É uma piada que não tem graça e não faz sentido com o mundo.

E que coisa horrível é essa de uma pessoa depender de outra…

Pois é… O machismo é muito ruim também para os homens. A Clarice (Falcão) é uma mulher muito comprometida com o feminismo há muito tempo. É uma pessoa que sempre me fez ver coisas que não enxergava como machismo.

A Clarice me fez ver como são poucos os filmes com protagonistas mulheres. Só 5% dos filmes têm cenas de mulheres conversando e o tema não é o homem. Foi a Clarice que me fez ver isso, que as mulheres são mal representadas na arte.

E ela sempre foi muito comprometida com justiça. Sempre foi uma batalha muito grande na vida dela. Justiça social e de gênero. Tive sorte de ter encontrado mulheres, dentro da minha casa, e a Clarice, que me abriram os olhos.

E a influência paterna? Algum homem ajudou a não entrar no machismo, nem a ser um “babaca”, como você mesmo disse?

O meu pai (Edgar Duvivier) é o anticlichê do machista. Ele é um cara muito sensível, carinhoso, afetivamente e corporalmente, inclusive. Afeto é sempre uma coisa que desconstrói tudo. Aprendi muito com ele como não ser babaca de uma maneira geral.

Sempre vi nele o clichê do que se diz das mulheres, de ser emotivo. Outra coisa que não entendo é essa coisa de "livro de mulher", "música de mulher", "coisa de mulherzinha". Lá em casa também nunca vi esse abismo entre o gosto de mulher e de homem. Como se a mulher gostasse de coisas mais emotivas, e o cara de questões exatas e científicas. Meu pai sempre foi um cara muito emotivo e a minha mãe sempre foi uma pessoa mais dura, mais veemente.

Tem um outro machismo idiota bastante comum: os homens acham outros homens bonitos e não falam sobre isso. Quem você acha bonito?

Tem um monte. O meu amigo João Vicente de Castro é um cara muito bonito. Deixa eu ver… O Haddad. O Haddad é um cara muito bonito, não é não? Gosto muito do Haddad, nosso prefeito gato. Tem tanta gente… Consigo ver tantos homens bonitos... Não tenho esse tipo de trava, não.

E o clipe da Clarice? Está aí gerando milhares de cliques e compartilhamentos. Ela chegou a conversar sobre ele antes? Estava sabendo que viria a pancada?

Claro! E eu acho lindo, lindo, lindo. É feminista sem ser panfletária. Ela é forte… Me emocionei muito, chorei e tudo. Não foi por nenhuma palavra, mas pelas imagens. Por conta da força daquela ideia e da maneira bonita como foi filmado. Luz, as performances de cada uma das mulheres, cada tem uma história.

São poucos segundos, mas é sempre uma história de superação ali. E, basicamente, toda mulher tem uma história de superação. A mulher é uma superação, é uma vitória. Ver o clipe é ver uma legião de mulheres vitoriosas, começando pela Clarice, que é uma mulher muito poderosa e cheia de genialidade. Tudo que ela toca eu acho genial.

Para encerar… surgiu uma pergunta que é o contrário do que você falou até aqui. A gente falou do homem se aprimorar, de ouvir as mulheres e parar de querer ser o centro das atenções. Dá para dizer quem é o cara ques está mais longe de chegar lá? Quem é o homem mais babaca do Brasil?

Ah, prefiro não citar… Eles estão todos por aí. O problema todo é que eles vivem disso, de serem citados pela oposição. Tenho tentado evitar dar nomes aos bois. Mas esses homens estão no Congresso, estão no jornal.

A imensa maioria é muito machista e tem muito espaço na mídia para o machismo. Não é considerado um crime ainda. O machismo é ultrajante no Congresso, com Bolsonaro e Feliciano. Mas o machismo é reproduzido em todos os lugares.

São muito articulistas que escrevem uma porção de barbaridades nos jornais. São coisas machistas e chocantes e isso é considerado normal. Pessoas naturalizando o estupro em rede nacional. É habitual.

Depois de tudo que falou, ainda vê possibilidade de avanço num médio prazo?

Claro, claro. A coisa vai melhorar. Já melhorou muito nos últimos dez anos. Quando você lembra a TV dos anos 1990 com as mulheres no gel… Não tem mais aquilo. Agora nos choca quando assistimos. E tenho a impressão de que a televisão de hoje vai nos chocar em 20 anos.

Estamos num momento de transformações muito rápidas. Se bobear, nos últimos 20 anos nós caminhamos mais do que nos últimos 100. Estamos numa era muito poderosa de mudanças. E é ótimo.

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São Paulo - Não foi outra pessoa senão o próprio Gregório Duvivier quem escreveu, meses atrás, sobre como alguém que faz algo - faz algo para ajudar o outro ou a si mesmo -"destrói os valores" de quem nunca fez nada.

"Não quer ajudar, não atrapalha", arrematou com a frase, como assinalou, de avó. Talvez seja exatamente por isso que o ator , humorista, escritor e roteirista tenha se tornado nome fácil na boca de quem está bem mais preocupado em manter tudo do jeito que está: bom para poucos e ruim para quase todo mundo.

Como homem, o carioca de 29 anos acha que é hora de perder espaço e ouvir atentamente as outras vozes que ficaram tanto tempo caladas.

"A principal luta do feminismo é dar voz, é que elas tomem voz, né? É um contrassenso eu falar sobre isso… normalmente não falo... Estou mais autorizado a falar sobre a questão do machismo". E como o homem que imagina ajudar faz alguma coisa? "A palavra-chave é empatia. Se alguém diz que ficou ofendido com uma piada, ou até quando um mar de pessoas está dizendo que ficaram ofendidas, o homem tem de reconhecer a veracidade e sentir dor do outro, sabe?", explicou ao HuffPost Brasil , por telefone.

Gregório fala da importância de ter visto na mãe, a cantora Olivia Byington, nas irmãs Bárbara e Theodora e em Clarice Falcão o empoderamento necessário para não ser mais um artista com espaço na mídia e uma carreira baseada na reprodução de um mundo de homens e feito para homens.

Cita o absurdo que foi ver a pensadora Simone de Beauvoir diminuída em pleno 2015, mas, ainda assim, vê avanços: "A campanha Primeiro Assédio, do Think Olga, foi muito pedagógica para os homens. Me chocou muito e me fez perceber algo que já suspeitava: nunca vou saber o que é ser mulher. Nunca vou poder falar dessa dor".

O machismo violento que faz vítimas todos os dias merece ser ridicularizado, segundo ele. "O machismo está ficando cada vez mais babaca. Até pouco tempo era engraçado entre homens ficar reproduzindo machismo".

É que Gregório acredita na força da piada. Fazer graça de quem está preso ao atraso pode ser forte o bastante para tentar mudar valores numa sociedade como a nossa. Acima de tudo, é aquilo: se ele não for capaz de ajudar, atrapalhar ele não vai. Definitivamente.

Com isso tudo, a masculinidade no século 21 começa a ficar mais embaralhada. E nada melhor do que começar a discutir isso a fundo justamente no Dia Internacional do Homem, certo? Como tentar novas saídas? Para onde vai o homem? A entrevista com Gregório que você acompanha nas próximas linhas faz parte do especial Building Modern Men, do HuffPost UK. Então, vamos ao papo.

HuffPost Brasil: Ainda que os problemas estejam aí, tanto a homofobia quanto a misoginia, eles começam a ser debatidos. Recentemente até mesmo revistas que historicamente não têm nenhuma proximidade com o tema, deram espaço para as mulheres. Elas foram para a capa. Em que medida esse novo contexto empurra o homem para um crescimento pessoal quase obrigatório? Como você vê esse princípio de abertura de espaços para outras vozes?

Gregório Duvivier: É surpreendente que a gente ainda esteja batalhando por isso. Estamos em 2015 e muito, muito atrasados no Brasil em relação ao mundo. O mundo, claro, ainda é machista, mas estamos num momento em que percebemos como o nosso machismo consegue ser maior que no restante do mundo.

Quando você vê que Simone de Beauvoir choca numa prova do Enem… Ela que é uma pensadora canônica… E temos pessoas relativizando, dizendo por aí que ela uma comunista, uma feminazi. Não! A Simone de Beauvoir tem uma importância histórica inegável. E aqui ela tem essa relevância negada. Ou seja: o nosso machismo está muito entranhado e claro que isso tem a ver com religião.

Somos um país muito religioso, muito conservador. E nossa religião é, sim, muito machista… 90% (dos brasileiros) são de religiões cristãs que não permitem o sacerdócio das mulheres. A mulher também não pode ser pastora. Quer dizer que a maioria absoluta vive sob uma religião intrinsecamente machista. Católicos e evangélicos condenam o aborto. A gente começa a ver que somos muito machistas...

É isso… Estamos começando a entender que existe um problema. Começando a ouvir…

Acho que a principal luta do feminismo é dar voz, é que elas tomem voz, né? É um contrassenso eu falar sobre isso… normalmente não falo. Estou mais autorizado a falar sobre a questão do machismo.

Mas mulher na rua é uma batalha de empoderamento, da mulher tomando voz em primeira pessoa. Nas histórias contadas e na ficção na nossa sociedade - salvo algumas exceções -, a mulher está condenada a ser coadjuvante. É um reflexo da sociedade. A batalha agora é que elas assumam o protagonismo das ficções e, sobretudo, da vida real.

Tem esse lado que é o homem se afastar, ficar calado e tem o outro lado que onde, talvez, o homem pode ajudar. Dá para debater com o cara que é escroto com uma mulher, mantendo a mesma piadinha de que “a mulher não me deixa ver o jogo”? Você já deu algum toque em amigo nesse sentido? O papel do homem pode ser esse?

Os homens, entre nós mesmos, perpetuamos o machismo. E, obviamente, o machismo está ficando cada vez mais babaca. Até pouco tempo era engraçado entre homens ficar reproduzindo machismo. O humor era praticamente sinônimo de machismo. Se for ver a quantidade de piadas machistas que existem e comparar para ver como são poucas as piadas feministas.

E é tarefa dos homens e dos humoristas não perpetuar o machismo, não repeti-las, mas também apontar o machismo não só nos outros, mas em nós mesmos.

O papel do opressor, que é homem, é ouvir, reconhecer e entender a dor do outro. A palavra-chave é empatia. Se alguém diz que ficou ofendido com uma piada ou até quando um mar de pessoas está dizendo que ficaram ofendidas, o homem tem de reconhecer a veracidade e sentir dor do outro, sabe? É isso que caracteriza o que tem de mais bonito no ser humano.

O que cabe aos homens é entender que ele não sabe o que é ser uma mulher. Saber que não temos ideia do que é ser mulher. Parar de dizer “ah, mas vocês também não precisam fazer a barba” ou qualquer estupidez do gênero. Falar “ah, vocês não precisam prestar serviço obrigatório” ou dizer que estamos quites. Não, não estamos quites. Então, ouça. Daí surge uma campanha maravilhosa como essa do Primeiro Assédio, do Think Olga. Essa campanha foi muito pedagógica para os homens.

Me chocou muito, me fez perceber algo que já suspeitava: nunca vou saber o que é ser mulher. Nunca vou poder falar dessa dor. A única coisa que posso fazer é ouvir e prometer não perpetuar essa cultura do machismo.

O machismo não é inerente ao ser humano, é produto de uma cultura. Não é algo que veio conosco. É filho de piadas machistas. A prática do assédio é filha da prática do humor com assédio, sabe? Acredito no poder das piadas. Acho que elas podem mudar o mundo ou podem manter ele do que jeito que está. O papel do homem é fazer o máximo esforço para mudar isso. E isso tudo (o humor ofensivo) é a cultura do estupro, do assédio, da naturalização da violência contra a mulher.

Você lembra de ter dado um toque em amigo? Aquele amigo que fala bobagem para a garçonete ou algo assim? Lembra de uma vez que precisou levantar a voz contra essas coisas?

Eu sou chato nisso mesmo, de comentar constantemente em todos os sentidos.

Mesmo quando me mandam um texto para aprovar: “O que você acha do texto de humor que escrevi?”. Eu digo: “cara, isso é machista”. Ou, então, numa reunião de texto, eu digo que é machista. Eu sou esse cara chato. Sabe… tem as expressões muito entranhadas… Outro dia um cara me falou: “Você é uma moça por não ter coragem de andar na rua numa hora dessas. Parece uma moça”.

E perguntei o motivo. Por acaso uma mulher é sinônimo de fraca, de covarde? Esse o seu conceito de moça? É importante os homens apontarem o dedo e ridicularizarem.

Existe também o antimachismo. E ele pode ser engraçado. O homem não pode dizer que é feminista porque essa é uma luta das mulheres. Mas ele pode se assumir como antimachista e pró-feminismo. Não só ele pode ser, como ele deve ser. Essa batalha tem de existir contra o machismo que está dentro da gente. Porque ele está lá e, de repente, se revela.

Assediar pessoas na rua é cultural no Brasil. O homem se acha no direito de falar bobagem. O que fez você sair disso? Foi mãe, pai, avô? Ou alguém te deu um toque muito moleque?

Minha mãe [a cantora Olivia Byington] sempre foi uma mulher muito poderosa, muito empoderada, como dizem agora. Ela sempre foi muito independente de tudo. Aos 16 anos ela já estava morando sozinha e se sustentando. E ela teve quatro filhos. Teve filho aos 21... e não consigo visualizar ela sem ser trabalhando e tomando frente da casa. Ela sempre foi a chefe da família. E venho de uma casa de mulheres também. A Bárbara e a Theodora, minhas irmãs, também são mulheres muito empoderadas.

Minha casa sempre teve mulheres muito poderosas. E aí, quando vinham me contar piadas machistas, dizia que não entendia, que não reconhecia aquilo. É aquela coisa: “Ah, um ladrão roubou o cartão de crédito, mas é melhor deixar com ele porque gasta menos que a minha mulher”.

Eu não entendo isso. Eu não vivi isso na minha vida nem na minha casa. Nem quando era pequeno nem quando me casei. Nunca vivi isso de uma mulher ser dependente do homem. É uma piada que não tem graça e não faz sentido com o mundo.

E que coisa horrível é essa de uma pessoa depender de outra…

Pois é… O machismo é muito ruim também para os homens. A Clarice (Falcão) é uma mulher muito comprometida com o feminismo há muito tempo. É uma pessoa que sempre me fez ver coisas que não enxergava como machismo.

A Clarice me fez ver como são poucos os filmes com protagonistas mulheres. Só 5% dos filmes têm cenas de mulheres conversando e o tema não é o homem. Foi a Clarice que me fez ver isso, que as mulheres são mal representadas na arte.

E ela sempre foi muito comprometida com justiça. Sempre foi uma batalha muito grande na vida dela. Justiça social e de gênero. Tive sorte de ter encontrado mulheres, dentro da minha casa, e a Clarice, que me abriram os olhos.

E a influência paterna? Algum homem ajudou a não entrar no machismo, nem a ser um “babaca”, como você mesmo disse?

O meu pai (Edgar Duvivier) é o anticlichê do machista. Ele é um cara muito sensível, carinhoso, afetivamente e corporalmente, inclusive. Afeto é sempre uma coisa que desconstrói tudo. Aprendi muito com ele como não ser babaca de uma maneira geral.

Sempre vi nele o clichê do que se diz das mulheres, de ser emotivo. Outra coisa que não entendo é essa coisa de "livro de mulher", "música de mulher", "coisa de mulherzinha". Lá em casa também nunca vi esse abismo entre o gosto de mulher e de homem. Como se a mulher gostasse de coisas mais emotivas, e o cara de questões exatas e científicas. Meu pai sempre foi um cara muito emotivo e a minha mãe sempre foi uma pessoa mais dura, mais veemente.

Tem um outro machismo idiota bastante comum: os homens acham outros homens bonitos e não falam sobre isso. Quem você acha bonito?

Tem um monte. O meu amigo João Vicente de Castro é um cara muito bonito. Deixa eu ver… O Haddad. O Haddad é um cara muito bonito, não é não? Gosto muito do Haddad, nosso prefeito gato. Tem tanta gente… Consigo ver tantos homens bonitos... Não tenho esse tipo de trava, não.

E o clipe da Clarice? Está aí gerando milhares de cliques e compartilhamentos. Ela chegou a conversar sobre ele antes? Estava sabendo que viria a pancada?

Claro! E eu acho lindo, lindo, lindo. É feminista sem ser panfletária. Ela é forte… Me emocionei muito, chorei e tudo. Não foi por nenhuma palavra, mas pelas imagens. Por conta da força daquela ideia e da maneira bonita como foi filmado. Luz, as performances de cada uma das mulheres, cada tem uma história.

São poucos segundos, mas é sempre uma história de superação ali. E, basicamente, toda mulher tem uma história de superação. A mulher é uma superação, é uma vitória. Ver o clipe é ver uma legião de mulheres vitoriosas, começando pela Clarice, que é uma mulher muito poderosa e cheia de genialidade. Tudo que ela toca eu acho genial.

Para encerar… surgiu uma pergunta que é o contrário do que você falou até aqui. A gente falou do homem se aprimorar, de ouvir as mulheres e parar de querer ser o centro das atenções. Dá para dizer quem é o cara ques está mais longe de chegar lá? Quem é o homem mais babaca do Brasil?

Ah, prefiro não citar… Eles estão todos por aí. O problema todo é que eles vivem disso, de serem citados pela oposição. Tenho tentado evitar dar nomes aos bois. Mas esses homens estão no Congresso, estão no jornal.

A imensa maioria é muito machista e tem muito espaço na mídia para o machismo. Não é considerado um crime ainda. O machismo é ultrajante no Congresso, com Bolsonaro e Feliciano. Mas o machismo é reproduzido em todos os lugares.

São muito articulistas que escrevem uma porção de barbaridades nos jornais. São coisas machistas e chocantes e isso é considerado normal. Pessoas naturalizando o estupro em rede nacional. É habitual.

Depois de tudo que falou, ainda vê possibilidade de avanço num médio prazo?

Claro, claro. A coisa vai melhorar. Já melhorou muito nos últimos dez anos. Quando você lembra a TV dos anos 1990 com as mulheres no gel… Não tem mais aquilo. Agora nos choca quando assistimos. E tenho a impressão de que a televisão de hoje vai nos chocar em 20 anos.

Estamos num momento de transformações muito rápidas. Se bobear, nos últimos 20 anos nós caminhamos mais do que nos últimos 100. Estamos numa era muito poderosa de mudanças. E é ótimo.

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