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Por que a lei das estatais não fará cócegas na corrupção

Governança de empresa privada e reforma na fiscalização nos recursos seriam mais eficazes que as mudanças propostas no projeto de lei que espera aprovação

Sede da Petrobras: qual a eficácia das novas leis para combater a corrupção endêmica nas empresas? (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Sede da Petrobras: qual a eficácia das novas leis para combater a corrupção endêmica nas empresas? (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 30 de junho de 2016 às 11h01.

Última atualização em 1 de agosto de 2017 às 13h01.

São Paulo – Desde o dia 21 de junho está aprovado o texto final da Lei das Estatais, que promete mitigar a corrupção nas empresas públicas por meio de ferramentas de controle e fiscalização mais rígidas. O ponto de maior destaque do projeto de lei, que aguarda sanção presidencial, é a restrição técnica para indicação de diretores e executivos de alto escalão das estatais.

É notório lembrar que foram dessas posições que partiram os comandos para condicionar contratos bilionários ao pagamento de propinas para executivos e seus “padrinhos” políticos – esquema cujos detalhes e principais personagens estão sendo desvendados pela Operação Lava Jato.

A Lei das Estatais é uma espécie de resposta do Congresso ao clamor popular após o escândalo de corrupção na Petrobras. A nova lei cria diretrizes de controle e de fiscalização com o objetivo de colocar uma lupa nas atividades das estatais por meio de políticas de compliance e transparência.

Mas qual a eficácia da nova lei para combater a corrupção endêmica nas empresas?

Apesar de criar uma impressão de fortalecimento da governança corporativa à primeira vista, as regras, no entanto, não impediriam o esquema descoberto pelos procuradores do Paraná.

As normas para indicação de diretores e executivos são um exemplo. Ficou estabelecido que só podem ser indicados para tais funções profissionais que tenham experiência mínima de 10 anos em “posições semelhantes” ou quatro anos em cargo de direção ou de chefia em empresas de grande porte. Podem ser recomendados também funcionários públicos da categoria DAS-4 ou docentes de área semelhante à da atuação da empresa.

Além disso, o postulante a executivo de estatal não pode pertencer a sindicatos, ser ministro ou secretário de Estado, membro de órgão regulador ou ter tido ligação com partidos políticos nos últimos 36 meses.

Como lembrou a reportagem do jornal Folha de S. Paulo, os principais funcionários da Petrobras denunciados pela Lava Jato tinham justamente esse perfil técnico: estavam na empresa havia décadas e não tinham filiação partidária. Os ex-diretores Renato Duque, Paulo Roberto Costa e Nestor Cerveró, por exemplo, passariam por esse crivo.

Para Flávio Eduardo Britto, professor da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em Corrupção e Direito Eleitoral, esse é um exemplo que demonstra como o PL mantém brechas com as quais é possível manter encrustada a corrupção em empresas como a Petrobras.

“Mesmo que a restrição fosse ainda mais específica, o brasileiro é muito criativo para burlar legislação, com técnicas bem interessantes. Fazemos isso há 500 anos”, diz.

COMO MELHORAR?

Britto afirma que o foco de um projeto para melhorar a governança das estatais deveria mirar na fiscalização dos projetos, não necessariamente nos comandantes. Segundo o acadêmico, o modelo de fiscalização de obras públicas em curso nos Estados Unidos poderia inspirar o Brasil.

Neste sistema, as obras são divididas em fases. O repasse para financiamento da próxima etapa só é liberado quando uma efetiva comprovação de eficiência é enviada aos órgãos de fiscalização. No Brasil, a função caberia ao Tribunal de Contas da União (TCU), que hoje só se debruça nas contas de um projeto quando acionado por denúncia.

“Seriam criados mecanismos mais ágeis e eficazes para vigilância e, caso se fizesse a detecção de desvios no meio das obras, haveria também a agilidade para impedir que a corrupção se prolongue”, afirma.

POR QUE NÃO FOI FEITO?

Algo do tipo, porém, depende de dois fatores: vontade política e maior diálogo com setores da sociedade para idealização de projetos de lei — algo que atrasa o processo mas o deixa mais completo. Por conta de interesses partidários, projetos como esse têm que ser flexibilizados para atender ao presidencialismo de coalizão.

Um grande dilema que o presidente em exercício Michel Temer enfrenta é atender a interesses antes de promulgar a lei. Durante a tramitação na Câmara, o texto chegou a ser descaracterizado devido às diversas alterações propostas por deputados que não queriam ver mudanças nos cargos de importância ocupados por seus partidos.

No fim, o Senado conseguiu reverter as mudanças e dar a cara original ao PL. Mas, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, Temer deve fazer alguns vetos para não complicar seu relacionamento com a base.

Entre os pontos de discórdia está a já mencionada "quarentena", em que indicados não poderão ter histórico de filiação partidária nos últimos 36 meses. O Senado reintroduziu o texto retirado durante a votação na Câmara. Outro ponto polêmico é a proibição da indicação de dirigentes sindicais para cargos na direção ou conselho de administração de estatais.

Diante do impasse, o Palácio do Planalto já postergou duas vezes o anúncio dos vetos que o presidente em exercício deverá fazer no texto. Ainda não há uma data redefinida.

Nenhum desses pontos, no entanto, é fundamental para o objetivo central do PL: melhorar a governança corporativa das estatais. Para Emilio Carazzai, presidente do conselho do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, a atitude mais correta seria o presidente da República passar um decreto exigindo que as estatais cumpram os manuais de boas práticas já existentes em órgãos como o Ministério do Planejamento, TCU ou da antiga Controladoria-Geral da União.

“O que precisamos é de profissionais que sejam comprovadamente excelentes para o exercício daquelas funções, pessoas certas nos lugares certos. No que adiantou a lei para esse efeito?”, afirma. “Admitir que partidos possam indicar executivos para empresas de alta complexidade e consistência, esperando desempenho e geração de valor, mostra que não há responsabilidade social e proteção do interesse público.”

Para o especialista, faz sentido que o presidencialismo de coalizão reparta indicações para funções de Estado entre os partidos da base, caso de ministros e cargos comissionados de alto nível. Mas pensar que essa nova lei filtrará a influência política nas empresas é utopia.

DÁ PARA MUDAR?

Apesar das medidas serem relativamente mais simples do que criar todo uma nova lei, há como fazer essa alteração? O professor da UnB vê uma só maneira.

Para Flávio Eduardo Britto, as devidas alterações só seriam feitas depois de uma Assembleia Constituinte, que reformasse o processo eleitoral e garantisse mais representatividade do povo no Congresso.

Com um sistema mais representativo, a voz da população e sua indignação com o poder público poderiam ser cobradas mais de perto, gerando resultados. Enquanto os interesses de políticos estiverem à frente, a saída fica estreita demais para o bonde da corrupção.

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