Modesto Carvalhosa abandona candidatura, mas lança projeto para o país
Um dos maiores defensores das candidaturas independentes no país desistiu de se eleger presidente, mas ainda quer propagar suas ideias
Luiza Calegari
Publicado em 5 de junho de 2018 às 06h29.
Última atualização em 5 de junho de 2018 às 06h29.
São Paulo - O jurista Modesto Carvalhosa não pensa mais em tentar se candidatar à presidência na eleição deste ano como candidato independente (o que não é regulado pela lei brasileira hoje, de qualquer forma), mas não desistiu de apresentar seu projeto de país à sociedade.
Carvalhosa é um dos maiores defensores do fim da obrigatoriedade da filiação a partidos para que uma pessoa possa se candidatar a cargo eletivo. O tema começou a ser debatido no Supremo Tribunal Federal ( STF ) no fim do ano passado, mas não teria efeitos para este ano caso fosse aprovado. A sessão foi encerrada sem julgamento do mérito.
Em meados do ano passado, quando ainda parecia certo que a divulgação dos áudios gravados pelo empresário Joesley Batista poderiam derrubar o presidente da República, Michel Temer, o nome de Carvalhosa foi apontado como um dos possíveis indicados para assumir a Presidência em uma eventual eleição indireta.
O plano do jurista para o Brasil se sustenta em alguns eixos: fim da reeleição; edição de uma nova Constituição; enxugamento da máquina pública; privatizações; fim das “mordomias” para funcionários públicos; autorização de candidaturas independentes e fim dos salários pagos a vereadores.
Para Carvalhosa, algumas mudanças radicais se justificam mesmo que representem uma ruptura: a Constituição de 1988, segundo ele, é um “revanchismo contra a ditadura, o que é completamente justificável”, mas que pode e deve ser atualizada.
Em relação aos salários pagos para vereadores, Carvalhosa acredita que essa função, na política, deveria representar uma prestação de serviços à comunidade, e não um “emprego” para políticos profissionais.
As ideias e o plano de governo constam de seu novo livro, “Da cleptocracia para a democracia em 2019: um projeto de Governo e de Estado” (Thomson Reuters | Revista dos Tribunais, 144 páginas, R$ 75,00), que será lançado em 11 de junho, na livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo.
Leia os principais momentos de entrevista concedida a EXAME:
EXAME: O sr. ainda tem a intenção de ser candidato? Foi esse o motivo do lançamento do livro com suas propostas?
Modesto Carvalhosa: De jeito nenhum. Não quero ser, não vou ser candidato, estou muito velho para ser candidato. É uma proposta de cidadania. Uma época aí todo mundo queria que eu fosse candidato, eu falei “não vou e não posso ser candidato”. Mas é uma ideia para que se possa promover uma volta à democracia no Brasil, acabando com a cleptocracia que nós temos hoje.
Dos candidatos que já temos hoje na corrida eleitoral, qual o sr. acha que mais se aproxima das ideias que o sr. defende?
É muito interessante: tem candidatos que são estatizantes; tem alguns que fingem que não são, mas no fundo são; e candidatos ultraliberais, que é um absurdo. O neoliberalismo não resolve o problema humano brasileiro. Nós temos 60 milhões de pessoas morando como ratos de esgoto no Brasil. É de uma indignidade humana inacreditável. Você tem essa proposta neoliberal de deixar o Estado Mínimo, que é uma visão sueca, norueguesa, não de um país miserável, como o Brasil.
Então, aqui, você tem candidatos que são muito liberais para o meu gosto, mas que pelo menos são decentes, o que já é alguma coisa, ou estatizantes. E falta essa visão social nos candidatos que não querem estatizar tudo. Porque eu também sou a favor de privatizar tudo.
O sr. falou que nenhum deles é perfeito, mas algum teria seu apoio?
Eu ainda não decidi em quem vou votar. Mas acho que a maioria dos candidatos a presidente hoje não é corrupta. Agora, para governador está cheio, para senador e deputado é quase 100% de corrupto, é uma loucura. Eles querem ser reeleitos.
O sr. fala no livro sobre acabar com os “privilégios e mordomias”. Como acabar com esse tipo de privilégio?
O Exército é um caso muito interessante, porque a mordomia que eles têm é mínima. Eles têm as filhas que são casadas há 200 anos mas não casam oficialmente para receber pensão do pai, mas é só. Eu não estou defendendo o Exército, porque não conheço nenhum sujeito fardado na minha vida.
Agora, o Judiciário e o Legislativo, e os próprios alto-funcionários do Executivo, isso é uma vergonha. Ganham 80 mil reais de salário por mês. Isso sem falar nas aposentadorias. Você tem menos de um milhão de aposentados que consomem um terço da Previdência. O que é preciso é fazer com que o sujeito ganhe apenas o ordenado dele. Se quiser aposentadoria complementar, tem que fazer que nem no setor privado, qual que é o problema? Sem isso, nós vamos ser a grande Grécia, não pela cultura, mas pela falência do Estado.
Mas a dúvida é como fazer isso, porque os juízes fizeram greve até contra o fim do auxílio-moradia.
É por isso que temos que mobilizar a sociedade civil para criar uma nova Constituição dizendo o seguinte: o juiz só ganha o seu sa-lá-ri-o. E essa Constituição não tem que vir desse Congresso, tem que ser uma proposta, que pode ser feita até pelo novo presidente. O Congresso, por maioria simples, aprova um plebiscito, e o plebiscito aprova ou desaprova a nova Constituição, como em qualquer país civilizado e democrático do mundo.
E o Congresso não tem poderes constitucionais, só de emenda da Constituição existente. Então, o nosso povo diretamente tem que votar uma nova Constituição. Porque com essa aí não dá, não tem nenhum jeito de acabar com os privilégios porque eles estão todos previstos em lei.
O sr. acha que instituir eleição, pelo menos em alguma instância, do poder Judiciário faria alguma diferença?
O poder Judiciário é uma experiência histórica, aqui ele é feito por concurso público, que funciona muito bem nesse aspecto. Ele deveria ser feito até para os tribunais superiores, como o Supremo. A razão para o presidente da República nomear os ministros é que ele foi eleito pelo povo, e tem a delegação para nomear alguém, tem a confiança do povo. Esse é o princípio democrático, é legítimo.
Mas a experiência histórica mostrou que hoje no Supremo nós temos dois partidos: o partido contra a impunidade e o partido a favor da impunidade, dos que foram nomeados por todos os caras que cometeram corrupção.
Então, você tem que ter um concurso público para ministro do Supremo. Com um mandato de dez anos. Ele fica dez anos e depois vai embora. Aí faz um rodízio, porque não pode sair todo mundo na mesma hora.
O sr. citou um mandato de dez anos para o STF, mas uma de suas principais propostas é acabar com a reeleição. Nesse caso, o tempo de mandato do Executivo e do Legislativo não deveria aumentar também?
Eu esqueci o principal, que é a reeleição. Não pode haver reeleição para nenhum cargo. Nenhuma pessoa eleita pode pleitear, no próximo período, nenhum cargo eletivo. Isso criaria no Brasil uma nova cultura, porque a cultura atual no Brasil é a seguinte: eu entro para ser reeleito, e não para atender o interesse público. Então, não-reeleição para vereador, para prefeito, nem poder pular de um cargo para outro.
O ideal seriam cinco anos de mandato, porque quatro é muito pouco nesse esquema. Esses são os fundamentos para criar uma nova conduta para acabar com os políticos profissionais. A minha finalidade é acabar com o político profissional. No mundo ocidental democrático hoje, ninguém mais aguenta político profissional.
Elege-se qualquer um que não seja político profissional. Nos Estados Unidos elegeram até o Trump, aquele horror, só porque não era político profissional. Aqui em São Paulo, o Doria, na França o Macron.
Em cinco anos daria tempo de implantar uma política pública efetiva?
Mas aí é que daria. Como você não tem o interesse de ser reeleito, aí você pode criar políticas públicas permanentes, já que não é do seu interesse ser reeleito. Teria uma visão mais do interesse público do que da reeleição. Esse é o fundamento de todo esse livrinho aí que eu escrevi.
Mas a implantação dessa medida em um sistema partidário, como é o nosso, pode levar ao partido ter o interesse de eleger o próximo representante. Você elimina a reeleição da pessoa, mas os interesses partidários podem continuar lá. Essa não seria uma armadilha?
Isso é outra coisa, você tem que ter candidatos independentes também. Todo cidadão tem que ter o direito de ser candidato independente, como é o caso do Macron por exemplo. Para a prefeitura, por exemplo, todos os candidatos têm que ser independentes, não pode ser de partido.
É toda uma questão de exercer cidadania. Vereador não pode receber. No Brasil, até os anos 1950, vereador não ganhava nada, trabalhava de graça. O prefeito volta à condição antiga de administrador, e não de “chefe do poder municipal”, com todo mundo brincando de Brasília e de corrupção. Então o projeto é todo vinculado ao término da profissão de político.
Uma crítica à ideia de os políticos não receberem salário é a de que isso faria com que só os ricos pudessem participar da política, porque ninguém mais poderia parar de trabalhar para se dedicar à tomada de decisões sobre a cidade. É desejável que só os ricos possam ser vereadores, como no seu exemplo?
Mas isso é um absurdo. O vereador deveria ir duas vezes por semana à Câmara Municipal para votar, criticar ou negar propostas e leis, vereador não é feito para ficar com gabinete. Em Osasco, cada vereador tem 20 assessores, 20 assessores! O vereador não tem que ter assessor nenhum! Ele vai lá, fala na tribuna, vota duas vezes por semana, ele não tem que fazer política nenhuma.
E o cara, sendo rico ou não, vai lá porque ele é do sindicato disso, representa uma força da sociedade, ou federação do comércio, ele vai representar a sociedade, e não ficar fazendo política profissional. Ter assessor? Assessor deve ser da própria Câmara. A Câmara deve ter lá um conjunto de uns 30 assessores para ajudar o vereador a entender a lei, para explicar. Mas não levar 20 agentes de corrupção, para trabalhar para ele, tudo uma deformação monumental do poder municipal.
Tem um outro ponto do livro no qual o sr. sugere que tenhamos voto distrital puro no Brasil. Mas, em última instância, esse modelo acaba levando ao bipartidarismo, como é o caso dos Estados Unidos, porque partidos menores vão ficando sem representatividade.
Se você não tiver uma reforma eleitoral que permita à pessoa representar aqueles eleitores que a conhecem naquela região ou distrito, a sociedade não tem o controle sobre esse representante. Então, os eleitores do distrito sabem que tem um representante de lá. E ele não pode começar a roubar lá dentro porque vai ter o "recall" [revogação do mandato]. Não vamos cassar mandato nunca mais, quem vai cassar são os eleitores.
A questão é essa, o voto distrital elege alguém que pode ser independente ou do partido. Mas ele não pode ser cassado por delito de opinião. Se ele é um católico e vota a favor do aborto, não pode ser cassado porque os eleitores são contra o aborto. Mas se ele fizer roubalheira, quebra de decoro, ele pode ser cassado.
Quanto ao bipartidarismo, eu acho muito bom, se for essa a tendência, porque eu não acho que seja uma coisa essencial. Eu acho que hoje em dia mudou muito, não é mais assim. As pessoas votam em candidatos independentes, não querem saber de partido profissional.
Eleição é uma coisa muito mais direta entre o eleito e o eleitor. O eleitor passa o dia inteiro falando com o eleito pelas redes sociais. Como é eleito pelo distrito, todo mundo no distrito sabe quem é, fica lá bombardeando o sujeito.
E como o sr. avalia que tem sido o governo Temer em relação aos valores e ideais que o sr. propõe no livro?
Primeiro, o governo Temer não tem valor nenhum. Qual é o valor que ele tem? Nenhum. Ele tem só fisiologismo, com PH. É o poder pelo poder através de circunstâncias. Ele tentou fazer uma ou outra reforma e conseguiu, e acabou. Então, o governo dele é inexistente sob o aspecto de qualquer contribuição histórica, institucional. É uma coisa muito triste.
Mesmo com a tentativa da reforma da Previdência, que o sr. também sugeriu?
Mas ele foi cedendo. Primeiro a proposta da reforma da Previdência era trazer igualdade entre setor público e setor privado. Ele foi cedendo, cedendo, cedendo, cedendo e morreu na praia. Ele não tem nenhuma grandeza. Ele quer aparecer como glorioso, ele é um cretino. Ele quer aparecer como um homem grandioso, é um medíocre, uma coisa horrorosa. Não tem grandeza, não tem coragem, não tem nada, inexistiu. É uma página virada. Além do governo arqui-corrupto, ele é um corrupto, os ministros são corruptos, ele continuou o governo do PT. Quinze anos de cleptocracia no Brasil.
O sr. propõe fazer uma nova Constituição, mas a nossa está fazendo 30 anos agora. Historicamente, quase não conseguimos passar mais tempo que isso com uma única Constituição. Não é ruim essa instabilidade institucional?
É que o Brasil, como todo país da América Latina, vive de crises. A França não está muito longe disso aí também, vive de crise, está na quinta República. São países culturalmente que têm muitas crises e muitas constituições. O caso americano é uma raridade.
E aí tem que mudar mesmo, porque as crises levam à necessidade de uma ruptura com aquilo que destroçou o país, e hoje o Brasil é um país degradado, as cidades estão degradadas, tudo um horror. É isso aí, precisa de uma Constituição nova mesmo.