Brasil

Lula volta à Presidência da República após 20 anos; veja trajetória

Relembre a trajetória política de Lula, que assume o terceiro mandato de presidente da República em janeiro de 2023, após derrotar Bolsonaro

 (Alexandre Schneider/Getty Images)

(Alexandre Schneider/Getty Images)

AA

Alessandra Azevedo

Publicado em 30 de outubro de 2022 às 19h58.

Última atualização em 30 de outubro de 2022 às 20h27.

Em 1º de janeiro de 2023, aos 77 anos de idade, o ex-líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltará a subir a rampa do Palácio do Planalto, após 12 anos afastado de Brasília. Ele não exerceu nenhum cargo público nesse período, embora nunca tenha estado longe dos holofotes e das negociações políticas. 

Eleito pela terceira vez presidente da República com 59 milhões de votos, em 30 de outubro de 2022, o petista retoma o poder, dessa vez, ao lado do ex-adversário Geraldo Alckmin (PSB), agora seu vice. Lula agora conta com o apoio de diversos outros nomes que, quatro anos atrás, estavam do outro lado do tabuleiro político. 

A vitória significa uma nova oportunidade para a esquerda brasileira. Lula passou os últimos anos tentando provar ser inocente de acusações de corrupção e buscando reerguer o Partido dos Trabalhadores, abalado pela onda antipetista que, em 2018, levou o ex-deputado federal de direita Jair Bolsonaro à Presidência e resultou na eleição do Congresso mais conservador desde a redemocratização do país.

Parte dessas tarefas, Lula precisou fazer da cadeia. O ex-presidente ficou 580 dias preso em Curitiba, após ter sido condenado por corrupção e lavagem de dinheiro pelo então juiz federal Sergio Moro, que conduzia a Operação Lava Jato. As decisões de Moro foram anuladas depois pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por incongruências no processo. 

Do céu ao inferno

Em janeiro de 2011, época em que ostentava um recorde de 83% de aprovação pessoal depois de oito anos de governo, Lula passou a faixa presidencial para sua sucessora, Dilma Rousseff (PT). A partir daquele momento, a vida política do principal líder do PT —  na avaliação de alguns, da esquerda brasileira sofreu uma série de reviravoltas. 

O Partido dos Trabalhadores, que Lula ajudou a fundar em 1980 e que chegou ao auge da popularidade entre os anos 2000 e 2010, começou a ser associado a escândalos de corrupção ainda durante o primeiro governo petista. Mas foi na era Dilma que a imagem da legenda sofreu as maiores perdas. 

Embora o escândalo do mensalão, esquema de compra de votos no Congresso, tenha vindo à tona em 2005, envolvendo políticos do PT e de partidos como o PP e o PL, o julgamento do caso só começou em 2012. Por isso, em 2006, mesmo após as primeiras denúncias, que não traziam provas contra ele, Lula foi reeleito, com 60,8% dos votos válidos no segundo turno contra Alckmin.

Os prejuízos para o PT ficaram mais visíveis a partir de 2013, quando José Genoíno, ex-presidente da sigla, e José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, foram presos. Mas, sem envolvimento no caso, Dilma foi eleita em 2010 e em 2014, com o apoio de Lula. Àquela época, o nome do ex-presidente estava em alta. Depois de deixar a Presidência, ele passou a fazer palestras em outros países e chegou a assinar uma coluna mensal no jornal The New York Times.

Em 2014, explodiu o escândalo do petrolão, durante a Operação Lava Jato. As acusações de pagamento de propina em troca de contratos com o governo federal arranharam ainda mais a imagem do PT e, consequentemente, do ex-presidente e fundador do partido. Ao mesmo tempo, a economia brasileira começava a desacelerar.

O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil caiu 3,8% em 2015. No ano seguinte, a queda foi de 3,6%. O desemprego voltou a subir, após a melhora observada nos governos Lula. Acusada de ter cometido crime de responsabilidade pela prática de "pedaladas fiscais", Dilma foi afastada da Presidência em 31 de agosto de 2016, em um processo de impeachment que o PT classifica como golpe. 

Na época do impeachment, a popularidade do PT entrou em uma rota de declínio ainda maior, 13 anos depois de atingir o auge. Enquanto partidos antes aliados, como o MDB, desembarcavam do governo Dilma, as denúncias contra Lula se acumulavam, até que, em 2018, ele foi condenado por Moro nos processos do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia.

Lula acompanhou da prisão a derrota do candidato que o substituiu nas eleições de 2018, Fernando Haddad (PT), e a chegada de Bolsonaro ao poder, apoiado por Moro, que pouco depois foi nomeado Ministro da Justiça do novo governo. O PT, que em 2002 chegou a eleger 91 deputados federais, viu a bancada cair para 54 nas eleições de 2018.

De volta à vida política

Durante os 580 dias de prisão, petistas fizeram vigílias diárias em Curitiba, usando o novo grito de guerra, “Lula livre”, até o momento em que ele foi realmente solto. Em novembro de 2019, o STF vetou a prisão após condenação em segunda instância e passou a entender que réus só poderiam ser presos após o trânsito em julgado do processo. A decisão beneficiou Lula, que havia sido condenado pela Justiça Federal do Paraná e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Assim como quando o ex-presidente foi preso, em 7 de abril de 2018, milhões de brasileiros assistiram pela TV a saída dele da prisão, em 8 de novembro de 2019. O primeiro discurso em liberdade foi feito no mesmo dia, a militantes, ainda em Curitiba. O tom político acendeu o alerta dos opositores: estava claro que, quando pudesse, Lula voltaria a ser candidato. 

Desde que saiu da prisão, ele passou a ser considerado o mais provável nome à Presidência da República pelo PT em 2022, depois de ter sido barrado pela Lei da Ficha Limpa em 2018. Esse cenário passou a ser realmente possível a partir de março de 2021, quando o ministro do STF Edson Fachin anulou todas as condenações impostas contra ele.

Fachin argumentou que os casos não deveriam ter tramitado na Justiça Federal do Paraná. Moro, portanto, não tinha competência para julgar o ex-presidente. O entendimento foi confirmado pelo plenário da Corte em abril de 2021. Os processos foram para a Justiça do Distrito Federal, mas prescreveram. Lula recuperou os direitos políticos, e nada mais o impedia de se candidatar. 

Ainda em 2021, Lula começou a aparecer em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, com Bolsonaro em segundo. No auge da pandemia de covid-19, os eleitores estavam preocupados com a saúde, com a situação econômica, com a alta da inflação e com o desemprego. A rejeição a Bolsonaro ultrapassou 50% em setembro daquele ano, segundo o Datafolha.

A construção da frente ampla

O cenário econômico, a queda de popularidade de Bolsonaro e a instabilidade política ajudaram o PT a emplacar uma nova candidatura à Presidência. Lula conseguiu vencer o pleito com apoios antes impensáveis. O movimento de aproximação com o centro e até com a direita se consolidou em 21 de julho de 2022, quando ele anunciou a chapa Lula-Alckmin. 

O ex-governador de São Paulo, com longa história no PSDB, passou de um dos maiores adversários do PT para aliado de primeira ordem. Após 33 anos em ninho tucano e até uma disputa direta contra Lula pela Presidência, Alckmin mudou de partido para consolidar a aliança. Em março de 2022, ele se filiou ao PSB. 

A formação da chapa Lula-Alckmin foi considerada um sinal de moderação talvez ainda mais forte do que a escolha do empresário mineiro José de Alencar (então do Partido Liberal) como vice, na eleição de 2002. Uma ala petista critica até hoje a decisão de Lula, outra encara como um movimento necessário para unir forças contra a candidatura de Bolsonaro. 

Para a surpresa de muitos, em 2022, declararam voto a favor do petista, já em primeiro turno, o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa, relator do processo do mensalão, e o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, um dos autores do pedido de impeachment de Dilma.

Até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso publicou nota defendendo o “voto pró-democracia”, embora não tenha citado o nome de Lula. Já no segundo turno, FHC fez um vídeo dizendo que votaria em Lula. 

O petista conseguiu trazer de volta Henrique Meirelles, que, para alívio do mercado, presidiu o Banco Central nos governos Lula. Entre 2016 e 2018, porém, o economista foi ministro da Fazenda de Michel Temer (MDB), que assumiu o poder após o impeachment de Dilma. Candidato à Presidência pelo MDB em 2018, Meirelles ficou isento no segundo turno daquele ano. 

Já em setembro de 2022, a duas semanas do primeiro turno, Meirelles sentou na mesma mesa que a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva -- que, em 2014, apoiou Aécio Neves (PSDB) na disputa contra Dilma no segundo turno -- e que Guilherme Boulos (PSol) para anunciar o apoio a Lula contra Bolsonaro. Outros cinco ex-candidatos à Presidência fizeram o mesmo.

Também em setembro, Lula participou de um dos maiores encontros com empresários de todas as campanhas petistas pela Presidência. A reunião de todas essas frentes foi considerada a “Carta ao Povo Brasileiro” de 2022. Vinte anos antes, ele escreveu um manifesto para acalmar o mercado financeiro caso fosse eleito.

A três dias do segundo turno, em 27 de outubro de 2022, foi necessária uma carta, de fato. Com as pesquisas indicando pouca diferença na intenção de voto entre Lula e Bolsonaro, a campanha petista divulgou a "Carta para o Brasil do Amanhã". No documento, Lula promete combinar responsabilidade fiscal e social, caso eleito.

O petista também precisou se aproximar dos evangélicos, grupo predominantemente bolsonarista. Durante a campanha, fez encontros com lideranças religiosas e tentou reverter a rejeição. No dia 19 de outubro, Lula escreveu uma carta reafirmando o compromisso com a liberdade de culto e de religião no país.

Lula encontra um Brasil diferente

A coligação de Lula à Presidência em 2022 uniu dez partidos: PT, PSol, Rede, PSB, PCdoB, PV, Agir, Avante, Pros e Solidariedade. O caminho não foi muito diferente de 2002, quando ele fez um pacto com o mercado e costurou alianças para ser eleito e conseguir governar. Mas, em 2023, os desafios serão outros.

O Brasil não é o mesmo do de 2003, quando Lula assumiu a Presidência pela primeira vez, após oito anos de governo FHC e três tentativas frustradas de chegar ao Palácio do Planalto. Durante os dois mandatos anteriores, o petista conseguiu espaço político para colocar em prática promessas feitas durante a campanha. 

Ajudado pelo boom das commodities e pela aprovação popular, Lula reduziu a pobreza no Brasil. O país tinha 26 milhões de pessoas na miséria em 2003, quando ele assumiu. Em 2012, o número havia caído para 10 milhões, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Programas como o Bolsa Família, criado em 2004, eram citados como exemplo no mundo inteiro. 

Em 2023, Lula encontrará um cenário diferente na economia e na política. O petista pegará o país no meio de uma “ressaca” pós-pandemia de covid-19 e ainda impactado pela guerra na Ucrânia, para citar dois fatores que interferem nos resultados econômicos. Na política, a polarização atingiu níveis alarmantes desde 2018.

O peso político da eleição de Lula também é outro. Como resultado da “frente ampla” contra Bolsonaro, o petista precisará prestar contas a políticos, empresários, economistas, militantes e intelectuais da esquerda à direita a partir de 2023. Terá que equilibrar expectativas completamente opostas dentro do extenso grupo de apoiadores. 

Muitos eleitores de esquerda querem que ele reverta medidas como a emenda do teto de gastos e a reforma trabalhista, ambas aprovadas por Temer e defendidas pela maioria do centro e pela direita, inclusive pela nova leva de eleitores de Lula. O mercado espera uma reforma tributária, mas não reagiria bem à taxação de lucros, pauta de grande parte da militância petista. 

Além disso, muitas propostas dependem de aprovação do Congresso, que continua com o perfil conservador eleito em 2018. A oposição ao governo Lula, dentro e fora de Brasília, será incisiva, a julgar pelos números das eleições de 2022. Bolsonaro conseguiu 51 milhões de votos no primeiro turno e o partido dele elegeu 99 deputados. O PT, junto com a federação com o PV e o PCdoB, terá uma bancada de 79.

Histórico

A trajetória política de Lula começou em São Paulo, embora ele tenha nascido em Garanhuns, Pernambuco. O sétimo de oito filhos, Lula migrou quando criança com a família para terras paulistas. Foi criado sobretudo pela mãe, conhecida como dona Lindu. Lula teve profissões que foram de engraxate a auxiliar de escritório, e foi por mais de uma década torneiro mecânico em fábricas, quando se aproximou do movimento sindical. 

Filiou-se ao Sindicato de Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema em 1968. No sindicato, Lula ganhou notoriedade ao liderar grandes greves no fim dos anos 1970 e início dos anos 1980, durante a Ditadura Militar. Chegou a ser detido por 31 dias pela Ditadura por “incitação à desordem coletiva”, sendo absolvido no ano seguinte. 

À frente do Sindicato, o então metalúrgico chegou à política, se filiando ao PT, que seria fundado por sindicalistas e intelectuais em 1980. Em 1984, Lula participou da campanha das Diretas Já ao lado de nomes como Fernando Henrique Cardoso (FHC), Tancredo Neves e Ulisses Guimarães. 

Lula se elegeu deputado federal e, depois, disputou a Presidência pela primeira vez em 1989, contra Fernando Collor de Mello. A partir daí, perderia outras duas eleições para FHC, até ser eleito pela primeira vez à Presidência em 2002, derrotando José Serra (PSDB) com 61,3% dos votos. (Colaborou Carolina Riveira)

LEIA MAIS
    Acompanhe tudo sobre:EleiçõesEleições 2022Luiz Inácio Lula da SilvaPolíticaPT – Partido dos Trabalhadores

    Mais de Brasil

    Governo de SP recebe R$ 27,8 milhões para ampliar uso de câmeras corporais na PM

    Câmara aprova pacote de medidas pelo direito das mulheres e combate ao feminicídio

    Indicada por Lula assume STM e se torna a primeira mulher a presidir tribunal militar

    PM que atirou em homem pelas costas tem prisão decretada