Janot e a onda do impeachment
Ordem, progresso – e impeachment. De uns meses para cá, o Brasil virou a pátria do impedimento. O processo, vão aprendendo os brasileiros com a leitura do noticiário, é a punição para um crime de responsabilidade, mas também é político, o que abre espaço para todo tipo de articulação. Eduardo Cunha, o presidente afastado da […]
Gian Kojikovski
Publicado em 20 de junho de 2016 às 19h41.
Última atualização em 27 de junho de 2017 às 18h05.
Ordem, progresso – e impeachment. De uns meses para cá, o Brasil virou a pátria do impedimento. O processo, vão aprendendo os brasileiros com a leitura do noticiário, é a punição para um crime de responsabilidade, mas também é político, o que abre espaço para todo tipo de articulação. Eduardo Cunha, o presidente afastado da Câmara, rejeitou, só em 2015, 31 pedidos contra Dilma Rousseff até que decidiu aceitar um deles horas depois de ter se sentido traído pelo PT.
Além de Dilma, o presidente interino Michel Temer e ministros do Supremo Tribunal Federal, como Marco Aurélio Melo e Gilmar Mendes, tiveram pedidos protocolados. Pois agora chegou a vez do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Já foram nove pedidos contra ele. Quatro foram rejeitados pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, e esperava-se que a lógica continuasse a mesma para os seguintes. Mas, agora, Renan deu sinais de que pode mudar a postura. Foi a deixa para o quiproquó.
Calheiros declarou que pretende dar uma resposta na próxima quarta-feira, 22, sobre o pedido feito pelas advogadas Beatriz Sordi e Cláudia Faria de Castro, que são militantes anti-PT. Elas alegam que Janot deu tratamento diferenciado a políticos do PT em relação aos do PMDB envolvidos em situações análogas na Lava-Jato.
Para elas, enquanto o procurador pediu a prisão de José Sarney, Eduardo Cunha, Romero Jucá e do próprio Calheiros por tentarem interferir no encaminhamento da Lava-Jato, mas não teve a mesma postura quando Dilma nomeou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro. O ex-ministro Aloísio Mercadante também teria sido beneficiado, segundo as advogadas.
Caso a resposta de Renan seja positiva ao prosseguimento do pedido, será montada uma comissão especial para analisar o caso, assim como está acontecendo com a presidente afastada da República. A comissão tem 10 dias para dar um parecer se o pedido deve ser analisado em plenário. Caso a resposta seja afirmativa, o plenário do Senado decide por maioria simples se aceita investigar o caso e, se isso acontecer, Janot é afastado do cargo pelo período da investigação, de maneira similar ao que está acontecendo com Dilma.
O pedido e o desconforto
Os pedidos de prisão de Calheiros, Jucá e Sarney foram rejeitados pelo ministro Teori Zavascki, o que causou desconforto entre os poderes. Nas gravações reveladas por Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, Calheiros chamou o procurador-geral de mau-caráter. Agora, as críticas ficaram mais abertas. Os ânimos de políticos se exaltaram contra Janot. Muitos dizem que as gravações que passaram a pipocar e complicar deputados e senadores estão sendo direcionadas pelo Ministério Público.
Calheiros disse que Janot havia perdido os limites do cargo. “Ele, com esses pedidos de prisão, extrapolou o limite do ridículo. Isso é muito ruim para a República, que precisa ter poderes independentes e harmônicos”, disse em entrevista coletiva. Com isso, o presidente do Senado, que vinha preferindo manter-se discreto em questões parecidas – foi rápido em recusar pedidos de processos contra ministros do Supremo Tribunal Federal e contra o próprio Janot em outras oportunidades – mudou de postura.
Ao aceitar o prosseguimento do processo, Calheiros estaria levando a batalha com Janot para o campo político. A opinião pública pode cair em peso sobre o senador, que estaria usando o cargo para se proteger e proteger seus colegas. Como balão de ensaio, o senador anunciou com antecedência a data para a decisão, assim pode medir as reações até lá. Por outro lado, cresce em Brasília a percepção de que Calheiros e aliados já enxergam como políticas as ações como o vazamento de áudios de Machado, que atribuem a Janot.
Na quinta-feira da semana passada, o procurador-geral pediu o arquivamento de um dos nove processos contra Renan que existem no Supremo Tribunal Federal. “Pode ser uma forma de demonstrar que não está fazendo uma ‘caça às bruxas’ contra o PMDB”, diz o professor de direito da Fundação Getúlio Vargas, Michael Mohallem.
Manter a imagem de independência é fundamental para um cargo fruto de escolha política. No caso de Janot, da presidente afastada Dilma Rousseff em 2013, depois de ser o primeiro indicado na lista tríplice feita pelo Ministério Público Federal. Na última eleição, em 2015, quando foi reconduzido ao cargo, teve mais de 300 votos de vantagem para o segundo colocado. Calheiros foi um dos críticos de sua recondução.
O processo de impeachment é controverso. O próprio Renan Calheiros já declarou repetidas vezes que não concorda com a ideia, que, segundo ele, cria um ambiente de instabilidade. Renan é, inclusive, favorável a uma mudança na lei atual. Nesse momento, no entanto, disse que está disposto a seguir com sua condução por estar dentro da lei vigente. Aliados do presidente, como o senador Eunício Oliveira, tentam demovê-lo da ideia. “[Nesse momento], quanto menos marola, melhor”, disse o líder do governo no Senado Aloysio Nunes em entrevista na última semana. Quarta-feira devemos saber se a onda do impeachment vai pegar mais um.
(Gian Kojikovski)