Integração das polícias e modernização: os desafios de Lewandowski na segurança pública
Com a segurança pública entre as principais preocupações da população, o novo ministro terá o desafio de combater a insegurança e o avanço do crime organizado no Brasil
Repórter de Brasil e Economia
Publicado em 1 de fevereiro de 2024 às 10h28.
Última atualização em 1 de fevereiro de 2024 às 10h29.
Novo ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski terá como principal prioridade — e desafio — diminuir a insegurança no país. Embora os números mostrem uma queda no número de mortes violentas, roubos e furtos no Brasil, a sensação da população é a de que a violência aumentou nos últimos anos.
Segundo dados da pasta, fornecidas pelas secretarias de Segurança Pública dos estados e do Distrito Federal, a variação de homicídio doloso caiu 3,57% entre 2022 e 2023, os latrocínios (roubo seguido de morte) tiveram queda de 23,64% e os roubos de veículos reduziram 9,78%, apenas para citar três dos 28 indicadores criminais acompanhados pelo ministério.
Uma pesquisa do instituto Datafolha, divulgada em dezembro de 2023, revelou que 17% dos entrevistados citaram a segurança pública como a principal preocupação entre as áreas que são consideradas sob responsabilidade do governo federal. Em dezembro de 2022, apenas 6% apontaram o tema como preocupante.
A expansão do crime organizado em regiões como da Amazônia Legal também é uma das principais preocupações de especialistas de segurança pública. O estudo“Cartografia das Violências na Amazônia”, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em parceria com o Instituto Mãe Crioula (IMC), verificou, por meio de pesquisas de campo, a presença de22 facções criminais em 178 municípios, que hoje abrigam 57,9% dos habitantes da Amazônia Legal.
O levantamento aponta ainda quea região apresentou taxas de mortes violentas intencionais 45% superiores à média nacional, num total de 9.011 homicídios em 2022. Desde 2012, a região possuí número mais levados que a média nacional.
Todos os estados da região apresentaram taxas de violência letal acima da média nacional em 2022, com destaque para o Amapá, com taxa de 50,6 mortes por 100 mil habitantes, seguido por Amazonas (38,8), Pará (36,9), Rondônia (34,3), Roraima e Tocantins, ambos com taxa de 30,5 mortes por 100 mil, Mato Grosso (29,3), Acre (28,6) e o Maranhão, com taxa de 28,5 por grupo de 100 mil habitantes.
A região é vista como estratégica para os negócios do crime, tanto para escoamento de drogas como também para outros ilícitos como o garimpo e a extração de madeira.O levantamento mostra que as mulheres da região estão mais expostas à violência, com taxas de feminicídio, homicídios e estupros acima da média nacional.
Segundo especialistas em Segurança Pública ouvidos pela EXAME, para combater a insegurança e o avanço do crime organizado no Brasil, Lewandowski terá que se equilibrar entre respostas de curto prazo, como operações da Polícia Federal (PF) e grandes ações contra o grupos criminosos, com medidas de médio e longo prazo, como integração entre as polícias e modernização da inteligência.
Mudança de perfil do ministro
A nomeação de Lewandowski difere de outras trocas ministeriais que ocorreram até o momento, cujo principal objetivo foi aglutinar apoio no Congresso. Ele chega ao cargo prestigiado após passar 17 anos no Supremo Tribunal Federal (STF) para substituir Flávio Dino, que assumirá uma vaga no mesmo tribunal.
O ex-magistrado apresenta um perfil conciliador, até pela natureza da sua função de ministro do STF, o que segundo o criminalista e professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP) Pierpaolo Cruz Bottini permite as bases para um pacto pelo enfrentamento do crime organizado.
"Ele tem experiência jurídica e política, além de uma boa relação com o Judiciário e o parlamento. Ele tem trânsito e articulação para fazer os projetos de lei avançarem mais rápido ou qualquer acordo de cooperação e discutir com o Judiciário prioridades. Esse respeito que Lewandowski tem dos outros dois Poderes facilitam a implementação das medidas. Esse perfil mostra que é possível conseguir um pacto para o enfrentamento do crime organizado", avalia o criminalista.
Dino, por sua vez, foi considerado, por aliados e opositores, como um ministro combativo e uma das lideranças do governo a articular as respostas aos atos antidemocráticos de 8 de janeiro. Por isso, era constantemente alvo da oposição no Congresso, sendo convocado diversas vezes para prestar esclarecimento na Câmara e protagonizando embates com parlamentares.
Renato Sergio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, avalia que a mudança de perfil é perceptível, por considerar que Lewandowski tem uma postura mais discreta, mas acredita que no momento não haverá uma mudança do discurso sobre segurança pública.
"É uma mudança de estilo, até pelo perfil discreto de Lewandowski em comparação com Dino. Mas não vejo nesse primeiro momento grandes mudanças no discurso, mas será necessário pensar a médio e longo prazo para melhorar a segurança pública", diz.
Integração entre as polícias
Bottini aponta que uma das agendas de Lewandowski para trazer avanços na segurança pública, com um combate "racional e eficiente", poder ser a integração entre as forças polícias brasileiras. "É algo que vem se tentando fazer há muito tempo. Houve avanços com a lei do sistema único de segurança, mas é algo que depende muito da vontade política dos estados. O Dino deu alguns passos sobre isso, com operações em conjunto. Mas acho que o prestígio do Lewandowski vai permitir a expansão dessa cooperação", explica.
Hoje, o modelo de forças de segurança pública é considerado por especialistas como peculiar, por não encontrar muitos paralelos no mundo. Elas são separadas e cada uma tem sua atribuição. A Polícia Militar, por exemplo, fica subordina ao governo estadual, enquanto a Federal e Rodoviária, estão sob o guarda-chuva do ministério da Justiça.
O diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública vê que o principal desafio do novo ministro será buscar uma melhor coordenação entre todas as forças policiais.
"O Brasil tem sete tipos diferentes de polícias, mais guardas municipais e corpos de bombeiros. O desafio será coordenar as atividades a partir de uma meta comum. Porque o nosso modelo jurídico sempre estimulou que cada um trabalhasse em seu território, em uma caixinha. É preciso criar parâmetros de integração e coordenação", explica Lima.
Mais modernização e inteligência
Em um balanço apresentado ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Dino destacou como principais vitórias de seus 13 meses de gestão, a redução no número de crimes violentos, roubos, registros e concessões de porte de armas e o aumento de apreensão de armas ilegais.
O futuro ministro do STF defendeu também as operações da Polícia Federal e negou qualquer interferência política.
Na avaliação de Lima, do Fórum de Segurança Pública, os resultados de Dino apontam uma gestão focada em muitas operações, mas sem um legado de medidas estruturantes.
"Foram apresentados tantas ações e projetos, mas sem mostrar qual seria o caminho daquilo. Não é que faltou trabalho, mas a pauta foi muito congestionada com essa enxurrada de assuntos. Para efeito político, é ótimo, mas quando se pensa em uma política pública estruturante em segurança pública faltou uma consolidação", afirma. "E é só pensarmos qual será o legado que Dino deixou. Pelo que ele será lembrado daqui a seis meses, para além da sua postura e perfil combativo? Qual foi a marca que deixou?"
O especialista afirma que para fazer diferente, e deixar um legado, Lewandowski terá que equilibrar a necessidade das respostas rápidas com a modernização na forma de se pensar segurança pública. "Ele não pode se deixar capturar apenas pela pauta cotidiana. Crises vão existir e precisamos lidar com elas, mas o problema é administrar a crise e não pensar em um processo de médio e longo prazo", diz.
Lima avalia ainda que a melhor forma para ter novos resultados na segurança é pensar para além da atividade policial.
"É necessário investir na regulação de um sistema que é frouxamente articulado. Porque, para combater o crime organizado, não adianta subir a favela, comunidade ou o morro se não tiver informação de inteligência", diz.
O diretor do Fórum lista que a edição de normas infralegais e discussão de projeto de leis podem ser um caminho para Lewandowski realizar a modernização.
Mas alerta que, apesar de também ter sido um ator político por 17 anos, ele terá que trabalhar mais o seu lado político para negociar com o Congresso e dentro do próprio governo.
"A chegada de Lewandowski deve baixar a fervura do debate político. Com esse perfil de ouvir e costurar consensos, ele deve ter facilidade de entrega. Mas, no STF, ele era acostumado a ter a palavra final, o que pode ser diferente como um ministro de governo, onde terá que negociar com aliados e a oposição", conclui.
Heranças de Dino para Lewandowski
O novo ministro vai "herdar" pelo menos seis temas que foram tratados ou estavam em discussão dentro do ministério de Dino.
O decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) nos portos e aeroportos do Rio de Janeiro e São Paulo com duração até maio será um deles. Caberá a Lewandowski avaliar os efeitos da medida e qual foi o seu impacto.
O combate ao garimpo ilegal também será um dos temas, assim como a segurança nos estados, em especial na Bahia que apresentou altos índices de violência e letalidade policial.
Os outros três pontos ainda estão em fase de discussão no ministério, como a criação de um protocolo no uso de câmeras corporais, de um Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) Nacional e de um Conselho Nacional das Polícias.