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Distritão: o modelo que favorece o populismo

A pressa para discutir o assunto é tanta que é capaz de os eleitores chegarem às urnas em 2018 sem nem saber o que mudou

Câmara: a ideia do distritão é estabelecer um sistema eleitoral majoritário, em que os 513 deputados seriam, obrigatoriamente, os mais votados em cada Estado (foto/Reuters)
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Carolina Riveira

Publicado em 1 de setembro de 2017 às 20h33.

Última atualização em 1 de setembro de 2017 às 20h33.

Quem recebe mais votos, ganha uma cadeira na Câmara dos Deputados. Simples assim. É o que propõe o chamado “distritão”, um dos principais pontos da reforma política (PEC 77/03) que está em discussão no Congresso. A ideia do distritão é estabelecer um sistema eleitoral majoritário, em que os 513 deputados seriam, obrigatoriamente, os mais votados de seus estados.

Atualmente, está em vigor o sistema proporcional de lista aberta, que leva em conta uma combinação entre os votos do candidato e os votos do partido como um todo, fazendo com que não necessariamente os mais votados sejam eleitos.

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Caso a reforma política seja aprovada, o distritão seria adotado em 2018 e 2020. Com o novo modelo, seria o fim dos “puxadores de voto”, como o deputado federal Tiririca (PR-SP), que com seu popular slogan “pior que tá, não fica”, foi reeleito para seu segundo mandato em 2014. Seus mais de 1 milhão de votos foram responsáveis por eleger indiretamente outros seis candidatos do PR em São Paulo.

Como no atual modelo proporcional as coligações também entram na somatória dos votos necessários para eleger um deputado, um candidato eleito indiretamente pode ser até mesmo de outro partido, com programa complemente diferente.

“Na teoria, mesmo esse ‘defeito’ do proporcional não está lá por acaso. O puxador de voto traz gente do mesmo partido, que tenha o mesmo ideal que ele”, explica o professor Diogo Rais, especialista em direito eleitoral no Mackenzie. “Mas com as coligações sem proximidade entre os programas, o eleitor pode votar no partido ecológico e eleger um deputado do partido ruralista”.

Embora o sistema atual seja complicado e questionado pela população, o distritão é igualmente polêmico. Parlamentares de partidos como o PT, o PCdoB, o PSOL e a Rede criaram uma “frente contra o distritão”. O PMDB e o governo do presidente Michel Temer são os principais defensores da proposta, que já era apoiada pelo ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Mas a falta de consenso tem feito com que a votação da PEC esteja sendo frequentemente adiada.

A princípio, um voto cada vez mais personalizado na figura do candidato enfraqueceria a importância dos programas dos partidos. Para o professor Diogo Rais, especialista em direito eleitoral no Mackenzie, isso tornaria o Congresso ainda mais ingovernável.

“O candidato é o protagonista, é como se você passasse a ignorar a bandeira do partido. Se hoje as pessoas já ignoram as ideias partidárias, no distritão, seria ainda pior. Ao invés de 27 partidos, teríamos 513”, afirma Rais.

Em artigo publicado no jornal O Globo, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) afirma que o distritão acaba com a ideia de “coletividade política”. O paradoxo é que, embora fortaleça os candidatos, os figurões dos partidos e diretórios centrais também saem fortalecidos. Isso porque caberá a eles o poder de apontar quem vai poder se apresentar como candidato e para onde vão os recursos nas campanhas.

“Os partidos vão passar a escolher em quem investir mais, e isso é natural”, diz Daniel Falcão, especialista em direito eleitoral da Escola de Direito de Brasília (EDB/IDP). Nada muito diferente do que já ocorre. “Mesmo no atual modelo já faz sentido escolher três ou quatro candidatos para investir, porque eles elegem outros indiretamente”.

Um dos principais argumentos sobre o distritão é que o modelo favoreceria a eleição de candidatos já conhecidos, como celebridades de TV e congressistas medalhões que já estão na Casa há muitos mandatos. Para Jairo Nicolau, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autor do livro Representantes de quem?: Os (des)caminhos do seu voto da urna à Câmara dos Deputados, não é possível saber como os eleitores se comportariam. “Tem simulações que mostram que, caso o distritão tivesse sido usado em 2014, a distribuição dos eleitos não seria tão diferente em relação ao que é hoje. Mas muitos do que estão lá entraram por pouco. Não estou convencido de que o distritão ajudaria mais os atuais candidatos do que o modelo atual”, diz.

Na teoria, se levada em conta a atual composição da Câmara, pouca coisa mudaria: dos 513 deputados em mandato hoje, somente 45 – cerca de 10% da Casa – não seriam eleitos se o distritão já vigorasse em 2014, segundo um levantamento da BBC. A lista inclui o presidente interino da Câmara, o deputado André Fufuca (PP-MA), que foi o 19º mais votado para um total de 18 vagas no Maranhão, mas acabou eleito porque seu partido conseguiu uma boa quantidade de votos no geral.

Para onde vão as coligações

Com o distritão, as coligações — que reúnem uma série de partidos com pouca afinidade ideológica — deixam de fazer sentido. Por isso, voltou a ganhar força no Senado a PEC 286/2016, que propõe o fim das coligações. O projeto, cuja relatora é a deputada Shéridan Anchieta (PSDB-RR), é mais popular entre os congressistas do que a PEC da reforma política; por isso, Rodrigo Maia estuda a possibilidade de votá-la também nesta semana.

Com o fim das coligações, partidos que se considerem ideologicamente semelhantes teriam de se unir nas chamadas “federações” e votar juntos no Congresso. Também está inclusa no projeto a cláusula de barreira, que restringiria o acesso ao fundo partidário e ao tempo de rádio e TV para propaganda eleitoral, de acordo com a quantidade de votos conquistada nas eleições anteriores e com a representatividade que se consegue no território nacional.

Pelo texto, em 2018, teriam acesso ao fundo e ao tempo de TV apenas partidos que obtivessem 1,5% do total de votos válidos, com esses votos distribuídos obrigatoriamente em nove estados (e pelo menos 1% dos votos dentro de cada um desses estados). Essa fatia vai crescendo progressivamente até 2030, quando, de acordo com o texto, chegaria a 3% do total de votos válidos.

A principal crítica hoje é o fato de todos os partidos, mesmo os nanicos, terem acesso ao dinheiro público disponível no fundo partidário. Independentemente do número de votos que tenha obtido, cada partido, mesmo nanico, recebe pelo menos 5% do fundo partidário e alguns segundos de TV e rádio na campanha eleitoral.

O modelo é criticado porque faz com que o dinheiro público seja usado por partidos que não tiveram seu programa chancelado nas urnas e por favorecer a criação de partidos fisiológicos e sem programa definido, que funcionam apenas vendendo seu tempo de TV aos partidos grandes e travando a pauta no Congresso.

“A questão não é dificultar a criação de partidos, como vinha se propondo, mas criar um patamar mínimo. Quem não conseguir relevância nacional não vai ser extinto, mas ter menor acesso ao fundo público”, diz Daniel Falcão, da EDB. Nesse cenário, pequenos partidos que vêm exercendo papel combativo na oposição, como o PSOL, que tem seis deputados eleitos, ou a Rede, com quatro, poderiam sair prejudicados. O PSOL apresentou um destaque que pedia que a cláusula de barreira fosse retirada do texto, mas teve a proposta rejeitada.

“Não acredito que a cláusula de barreira seja um problema. Sabendo quais são as regras, os partidos podem se adaptar, podem se unir, fazer uma frente de esquerda, por exemplo”, completa Nicolau, da UFRJ. “Chegamos a um grau em que é preciso dar mais ênfase à governança”, diz. É inegável que reformar o atual sistema é necessário — e há a possibilidade de boas mudanças surgirem no sistema eleitoral. Mas a pressa para discutir o assunto é tanta que é capaz de os eleitores chegarem às urnas em 2018 sem nem saber o que mudou.

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