Dilma concede sua primeira entrevista depois do afastamento
Petista concedeu entrevista ao jornalista Glenn Greenwald, que revelou com Edward Snowden documentos da NSA sobre esquema de espionagem online
Raphael Martins
Publicado em 19 de maio de 2016 às 18h00.
Última atualização em 1 de agosto de 2017 às 14h37.
São Paulo – O site The Intercept publicou nesta quinta-feira (19) a primeira entrevista da presidente Dilma Rousseff (PT) desde seu afastamento no processo de impeachment . A petista conversou com o jornalista americano Glenn Greenwald, responsável pela divulgação dos documentos secretos da inteligência americana colhidos por Edward Snowden que revelaram o esquema de espionagem massiva da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos.
O diálogo começa com questionamentos de Greenwald sobre a atuação do STF, ora no processo de impeachment, ora na Operação Lava Jato. Deixando claro que acredita que o tribunal advoga corretamente a respeito do seu impedimento, Dilma ataca a atitude do ministro Gilmar Mendes em pedir arquivamento de investigações contra Aécio Neves, fazendo ressalva quanto a conduta dos demais.
“Nem todos [os ministros] têm a mesma posição um tanto quanto efetivamente militante, visivelmente militante, eu diria”, afirma a presidente afastada. “Acho que, no Brasil, nós não podemos ter dois pesos e duas medidas. Quando se investigar, que se investiguem todos. Ninguém pode ser poupado da investigação.”
O segundo assunto são as pedaladas fiscais: Greenwald pergunta se a presidente não considera o ato proibido pela lei de responsabilidade fiscal. A presidente afastada argumenta que, não só o ato não é crime de responsabilidade, como é atividade prevista pelo regimento.
“Chama-se de pedalada um processo chamado Crédito Suplementar. Esse Crédito Suplementar está previsto na Lei Orçamentária, ele é autorizado pela Lei Orçamentária”, diz Dilma. “Se você tiver um excesso de arrecadação específico numa ação de governo, você tem direito de utilizar esse excesso para ampliação deste governo.”
Para Dilma, portanto, os decretos pedidos pelo Tribunal Superior Eleitoral foram autorizados, pois partiam de excesso dentro da rubrica. “É algo extremamente técnico. Não foi nada feito às escondidas”, afirma.
Sobre o novo governo, a qual se refere como “interino e ilegítimo”, Dilma acredita que a gestão será marcada por condução conservadora — um governo de "homens brancos e sem negros", como define. “Não ter uma mulher e não ter negros no governo, eu acho que mostra um certo descuidado com que país que você está governando”, diz.
Assunto muito comentado, Greenwald aproveita o ensejo para questionar a força da democracia no país. Dilma diz não acreditar em seu fim, por conta de um fortalecimento das instituições no Brasil, mas que um governo ilegítimo tenta disfarçar repressão através de uma “pseudo-ordem”.
Dali partiriam ações como “impedimento da manifestação, do direito de expressão” e “um grande apetite por cortar programas sociais”. "Eu acho que o que tem que se fazer aqui no Brasil é lutar contra, protestar e, inclusive, exercer uma pressão sobre os congressistas", diz.
Greenwald cita a restrição do Bolsa Família para os 5% mais pobres, de acordo com ação estudada por Temer para corte de gastos. Dilma define a possibilidade como característica de "retrocesso" e "conservadorismo".
"Toda a condicionalidade desse programa é: levar criança para a escola, vacinar e acompanhar a saúde infantil. Com isso, nós reduzimos mortalidade infantil, com isso nós colocamos na escola crianças que não iam para a escola, porque não tem como fazer política para as crianças, se não fizer para os adultos, para as famílias, para as mães."
Dilma não responde sobre preferência entre Temer ou novas eleições. Por "estar lutando até o fim" no processo, prefere se isentar na questão. Ao ser confrontada com o fato de que o atual presidente em exercício e Eduardo Cunha (PMDB) serem seus antigos aliados, Dilma afirma que "desse partido [PMDB] convivem as mais diferentes características", o que gerou intensos atritos desde o primeiro dia de seu segundo mandato.
Por fim, Dilma comenta o sentimento de passar pelo processo de impeachment. Assim como em seu discurso final no Planalto, ela cita a injustiça como ponto crucial de sacrifício. "Talvez a coisa mais difícil pra uma pessoa suportar além da dor, da doença e da tortura, seja a injustiça. Por quê? Porque você fica como se estivesse preso numa armadilha", diz.
"Por que eles queriam que eu renunciasse? Porque a minha presença é incômoda. Como eu não tenho conta no exterior, já me viraram dos lados avessos, eu nunca recebi propina, eu não aceito conviver com a corrupção. Uma das coisas que dizem que eu sou dura é porque é muito difícil chegar a mim pra propor qualquer coisa incorreta. (...) Eu sou vítima da injustiça."
Veja a íntegra da entrevista no Intercept.
* Atualizado às 17h25.