Após ano de recordes, queda no preço do milho traz indefinição sobre safra 2023/2024
Perspectiva de lucro menor desanima produtor, atrasa compra de insumos e põe em dúvida projeções para a segunda safra do grão, correspondente a quase 80% da produção nacional
Repórter freela de Agro
Publicado em 9 de outubro de 2023 às 09h33.
Após um ano de recordes generalizados, o cultivo de milho no Brasil deve sofrer desaceleração na safra 2023/2024, por causa da perspectiva de lucro menor no campo. Com isso, há incerteza sobre quanto será de fato plantado, elevando os riscos sobre a segunda safra do grão, que corresponde a quase 80% da produção nacional. A hesitação é tamanha que o produtor tem atrasado a compra de insumos enquanto avalia alternativas.
A diminuição no preço do milho é o principal fator para o projetado recuo de 4,8% na área plantada e de 9,1% na produção no próximo ano, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A saca de 60 quilos, que era comercializada à vista por R$ 86,09 no dia 2 de janeiro deste ano, segundo o indicador Esalq/BM&FBovespa, foi negociada a R$ 58,08 em 2 de outubro – uma redução de 32,5%.
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“Isso tudo está causando indefinição sobre o tamanho de área da segunda safra de milho, que é a maior e mais importante. Vai ficar na dependência de uma possível recuperação nos preços nos próximos meses e do custo dos insumos, que ainda está em aberto e teve uma alta recente, por exemplo, no valor da ureia”, afirma o analista e consultor Carlos Cogo.
Especialista de grãos da StoneX, Ana Luiza Lodi observa que a segunda safra já é naturalmente mais arriscada por ser plantada depois da soja, mas tem um peso cada vez maior. Só no último ciclo, conforme a Conab, respondeu por 77,2% da área e 77,5% da produção – na temporada 2013/2014, representava 58,2% e 60,5%, respectivamente.
“Nos últimos 10 anos, a primeira safra de milho vem perdendo espaço para o cultivo de soja. Nesse sentido, garantir uma boa produtividade na segunda safra é decisivo para os resultados como um todo da produção brasileira”, diz.
Recuperação gradual
Antônio da Luz, economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), acredita que, por mais que o momento seja de incerteza, o produtor vai acabar apostando alto no milho tendo em vista a grande volatilidade de preço dos grãos, além da necessidade de diluir os custos de operação da propriedade.
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“Os grãos são norteados por oferta e demanda, então, se os preços estão mais baixos, há uma tendência de reduzir a oferta. Mas dizer que o produtor não vai plantar na segunda safra parece algo extremo. Às vezes, o preço está ruim agora e, depois, fica ótimo”, afirma.
Cogo concorda e projeta um viés de recuperação gradual de preço do milho nas próximas semanas. “Não sei se vai chegar a tempo de alterar o ânimo do produtor, mas vai sair do patamar que está. E, em breve, também haverá sinais sobre a nova safra dos Estados Unidos, onde a tendência é migrar mais para a soja”, diz.
Compra de insumos
A espera por um cenário mais concreto para a segunda safra de milho já causa efeitos colaterais. Um deles é o atraso na compra de insumos. Junior Crosara, sócio-diretor da Crosara Consultoria, pontua que a marcha de vendas é a mais lenta dos últimos três anos, considerando defensivos, fertilizantes e sementes.
“O agricultor está fazendo todas as contas possíveis e retardando as compras o máximo possível. Para ajudar nisso, a recomendação é que não se atenha ao preço de venda da commodity, mas à margem que garanta um mínimo de retorno. Quem tomar a decisão em cima de margem estará mais seguro”, diz Crosara, que também alerta para o cuidado com a questão da logística para que não haja percalços na entrega dos produtos.
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Para Cogo, a definição sobre a estratégia de plantio, considerando a janela ideal, deve ser tomada pelo produtor até, no máximo, o início de março de 2024. Para os insumos, porém, o limite é meados de dezembro de 2023, sob risco de o atraso comprometer a produção.
“O produtor ainda tem 60 dias para avaliar bem e, inclusive, mudar de ideia. E ele vai usar esse prazo, olhar para a relação de troca, o preço futuro, a variação do dólar e outros fatores. Tudo isso vai influenciar na tomada de decisão”, afirma.
Sorgo e algodão no radar
Enquanto avalia os prós e contras, o produtor rural cogita alternativas para substituir o milho em busca de mais lucro. As principais opções são o algodão e o sorgo, segundo analistas ouvidos pela EXAME Agro. Ana Luiza, da StoneX, avalia que o algodão é uma opção interessante, mas não para substituir toda a área de milho.
“É uma cultura diferente do milho. Não é só chegar lá e plantar porque o preço está melhor. Ela tem um custo maior e demanda um know-how específico. Outra possibilidade é cultivar o sorgo, cuja decisão é mais simples e pode ser tomada até mesmo mais à frente”, afirma.
Crosara pontua que o sorgo tem ganhado espaço por ter uma resiliência grande, custo benefício e uma janela de plantio interessante. Cogo vê o sorgo como um substituto direto do milho, apesar de o algodão proporcionar um resultado financeiro melhor.
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“O sorgo é uma cultura mais flexível em termos de tempo para o plantio, mais rústica e que aguenta eventuais atrasos nas chuvas. Pode ser uma opção, apesar de que não deve cobrir toda a área de milho que pode deixar de ser plantada”, diz.
Preocupação com o clima
As condições climáticas, especialmente com o El Niño, também entram na equação para definir o que será feito. Luz, da Farsul, observa que, se o clima muito seco seguir no Centro-Oeste por mais tempo a ponto de atrasar o plantio da soja, há risco de comprometer a produção de algumas áreas de milho por ultrapassar a janela ideal de semeadura.
“Um eventual atraso no plantio da soja pode ser um natural redutor da área de milho lá na frente, independentemente das questões de mercado, mas por falta de tempo. Pode não inviabilizar, mas talvez alguns produtores só consigam plantar 70% ou 80% da área que haviam projetado”, salienta.
Cogo ressalta que as projeções meteorológicas sinalizam que o El Niño durante este ciclo será similar ao que ocorreu na safra 2015/16, quando houve atraso no plantio da segunda safra de milho e uma quebra expressiva de produção.
“Se isso acontecer, mudará o rumo do cenário de produtividade e preços. E, como o mercado futuro não contabiliza a quebra, mas sim a perspectiva de quebra, quando enxergar algum risco relacionado ao Brasil, maior exportador de milho do mundo, ele deve colocar um prêmio de risco climático”, analisa.
Isso também teria um reflexo direto nas exportações, que tiveram um salto muito expressivo em 2023 puxado pelo bom resultado da segunda safra de milho. O desempenho foi tão bom que, recentemente, o Brasil superou os Estados Unidos e assumiu a liderança mundial das vendas externas. Neste ano, a estimativa é embarcar 50 milhões de toneladas.
“O resultado disso é que teremos um estoquepequeno, e o abastecimento interno ficará dependente do resultado da primeira safra. Considerando esse cenário, só será possível romper a barreira das 50 milhões de toneladas em 2024 se tivermos uma produção normal na primeira safra e de igual para normal na segunda”, explica Cogo.