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Plantio de grãos: Conab estima alta de 0,5%, totalizando 78,9 milhões de hectares (CNA/Senar/Divulgação)
Repórter freela de Agro
Publicado em 7 de outubro de 2023 às 06h00.
Apesar das projeções de uma nova produção recorde de grãos no Brasil, puxada pelo aumento da área plantada, a cautela tem dominado o início do plantio da safra 2023/2024 entre os produtores rurais. O motivo é a combinação entre a perspectiva de uma margem de lucro apertada, devido à queda no preço das commodities, e incertezas que vão desde as condições climáticas até o momento adequado para comprar os insumos.
A preocupação é fruto da matemática dos negócios neste começo de temporada. Os custos de produção estão cerca de 30% menores do que no ano passado, o que é um fator positivo, em que pese a recente recuperação no valor dos fertilizantes no último mês. Por outro lado, as cotações de grãos como soja e milho, que respondem por cerca de 89% da produção de grãos brasileira, caíram substancialmente em 2023.
“Esse cenário traz uma perspectiva de manutenção de margens de lucro. O produtor vai gastar menos, mas também vai receber menos pelo que vender. A tendência é de um ano de faturamento menor, mesmo com margem muito semelhante à de 2023”, diz Antônio da Luz, economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul).
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A avaliação é compartilhada por Ana Luiza Lodi, especialista de grãos da StoneX. Ela explica que a expansão menor na área plantada de grãos para a temporada 2023/2024 – estimada em 0,5% pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), totalizando 78,9 milhões de hectares – está diretamente atrelada à desvalorização das commodities.
“A relação de troca entre soja e fertilizante melhorou, mas a margem de lucro está mais apertada porque o preço caiu de forma expressiva. Então, o produtor rural faz a conta e acaba tomando uma atitude mais conservadora”, afirma.
Para o consultor e analista Carlos Cogo, será importante que o agricultor fique muito atento, nas próximas semanas, a três fatores: oscilações de câmbio, preço dos fertilizantes e condições climáticas. Mas ele acredita que, apesar de haver incertezas, qualquer eventual redução de área em certas culturas será incapaz de mudar o alto volume da produção.
“Há uma questão de fluxo de caixa e crescimento dos negócios no campo. Então, talvez se reduza um pouco, como no milho segunda safra, mas não de forma generalizada. Não temos histórico deste movimento para o mercado de commodities, mesmo quando há altos e baixos no preço. A tendência de crescimento na produção de grãos continua”, diz.
A cautela em relação à margem de lucro já tem resultado em mais ponderação na compra de insumos. Junior Crosara, sócio-diretor da Crosara Consultoria, conta que as vendas de defensivos agrícolas estão no patamar mais baixo dos últimos cinco anos.
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“O mercado praticamente rodou cerca de 65% das vendas e reservas de produtos. Na mesma época do ano passado, esse índice estava em 85%. Há um ajuste de precificação no setor de suprimentos e, recentemente, já se percebe uma leve retomada nos valores, tanto de fertilizantes quanto defensivos, principalmente glifosato. Neste cenário, vai ser fundamental que o produtor faça uma boa gestão de caixa”, afirma.
Para evitar percalços na gestão, Luz, da Farsul, recomenda ao produtor aproveitar períodos de preços mais elevados ao longo da temporada para aumentar os negócios no mercado futuro, ou seja, travando o valor de parte da sua produção em uma cotação que lhe garanta uma margem igual ou próxima à dos bons anos recentes. “É uma medida que ajuda, pois diminui o risco ao reduzir a volatilidade”, diz.
Os impactos do excesso de chuva – ou da falta dela a depender da região – também têm sido levados em consideração na largada da safra. Apesar de não haver registros de problemas graves neste começo de plantio em todo país, é consenso entre os analistas ouvidos pela EXAME Agro que as condições climáticas nas próximas semanas serão decisivas para a provável consolidação de uma nova colheita recorde.
“Ainda é muito cedo, está só começando o plantio. Mas, geralmente, os anos de El Niño tendem a ser benéficos para o Brasil, pois o Sul tende a receber mais chuvas. Por outro lado, pode haver clima mais seco no Norte e Nordeste. É por isso que, nos próximos meses, o clima vai ser uma peça central, principalmente para o mercado mundial de soja, em que o Brasil é o maior exportador e pode embarcar mais de 100 milhões de toneladas no próximo ano se der tudo certo com a produção”, diz Ana Luiza, da StoneX.
Cogo pondera que os meteorologistas especializados em agronegócio têm comparado o momento atual com a temporada 2015/2016, quando houve um atraso no plantio de milho segunda safra por causa do clima e, consequentemente, quebra na produção. “Isso traz um alerta e, ao mesmo tempo, pode resultar até mesmo em um prêmio para o milho por conta do risco climático. Afinal, o Brasil é o maior exportador e um formador de preço”, afirma.
Já Antônio da Luz, economista-chefe da Farsul, reconhece que o clima tem um efeito direto no resultado da produção, mas ressalta que, se fosse uma preocupação muito grande, os agricultores brasileiros não teriam aumentado a projeção de área cultivada.
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“O produtor não deixa de plantar por causa de El Niño. Ele usa as informações para tomar decisões como plantar mais cedo ou mais tarde, mas não deixa de cultivar. Até porque, se fosse esperar as condições ideais, não plantava nunca”, ele diz.
A infraestrutura e a logística são outros dois fatores que têm deixado os produtores rurais em alerta neste começo de safra, de acordo com os analistas consultados. O desafio é como escoar com eficiência produções que, ano a ano, têm quebrado recordes. Os maiores desafios são transporte e armazenagem.
Ana Luiza, da StoneX, observa que a alta dependência brasileira pelo modal rodoviário e a crescente demanda nos portos são problemas-chave. Segundo ela, mesmo com o desempenho recorde da safra 2022/2023, vários gargalos logísticos ficaram mais aparentes. “Até agora, o Brasil tem conseguido contornar esses problemas, mesmo que não na forma ideal. Mas vai ser preciso ampliar a capacidade portuária nos próximos anos, bem como a estrutura de armazenagem, que hoje tem um déficit muito grande.”
Luz, da Farsul, destaca a falta de investimento público para atender as necessidades do agro e a ausência de um ambiente atrativo para fomentar os aportes da iniciativa privada. Para ele, é essencial que o crescimento da safra de grãos esteja associado a obras e melhorias na infraestrutura, pois a inação resulta em prejuízos para o setor.
“O país deveria estar preocupado com isso, pois não adianta produzir sem conseguir escoar. Tudo isso impacta diretamente nos negócios. Acredito que o funil de infraestrutura é o maior desafio para a próxima safra. O Brasil poderia crescer de 5% a 6% ao ano somente investindo em infraestrutura para atender as necessidades do agro”, afirma.
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A falta de segurança jurídica para parcerias público-privadas também é citada por Junior Crosara como um desafio, apesar dos investimentos feitos por cooperativas, tradings e produtores mais capitalizados na tentativa de reduzir os gargalos.
“Hoje, a produção e os insumos chegam até os portos, mas o line-up é intenso e há atrasos para embarcar e desembarcar. Nas estradas, o frete tem um impacto muito grande nos preços. No caso dos insumos, por mais que não falte produto, é preciso levar em conta o tempo entre a compra e a entrega para evitar percalços em um cenário de janelas cada vez mais curtas de cultivo”, diz o sócio-diretor da Crosara Consultoria.