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Soja, milho e carnes: 2023 será o ano dos recordes da exportação do agro

Maior safra de grãos da história impulsiona volume embarcado e eleva faturamento. Só em soja e milho, o Brasil já vendeu mais de 106 milhões de toneladas até agosto

Milho produzido na Bahia: Apesar de sofrer as consequências da crise alimentar, o Brasil é considerado um dos países que fazem parte da solução (Dado Galdieri/Bloomberg/Getty Images)

Milho produzido na Bahia: Apesar de sofrer as consequências da crise alimentar, o Brasil é considerado um dos países que fazem parte da solução (Dado Galdieri/Bloomberg/Getty Images)

Leandro Becker
Leandro Becker

Repórter freela de Agro

Publicado em 14 de setembro de 2023 às 14h08.

Última atualização em 14 de setembro de 2023 às 14h58.

O volume recorde promete fazer de 2023 o melhor ano da história nas exportações do agronegócio brasileiro. Os embarques cresceram de forma tão expressiva que têm compensado a queda generalizada nos preços internacionais. Entre os destaques, estão o aumento no volume vendido pelo país de soja (avanço de 21,6%) e milho (crescimento de 41,4%) entre janeiro e agosto — juntas, as commodities somam 106,1 milhões de toneladas negociadas.

O resultado parcial anima ainda mais o setor, que vem de um salto de 32% nas exportações entre 2021 e 2022. Levantamento da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) indica que, de janeiro a julho, as vendas externas do agro somaram US$ 97,1 bilhões – alta de 3,9% comparado ao mesmo período de 2022. Já o volume subiu 14%.

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Além disso, a participação do setor nas exportações do país chegou a 50% pela primeira vez.


Esse movimento foi reforçado na última quarta-feira, 6, com a divulgação de dados de agosto pela Secretaria de Comércio Exterior. Nos oito primeiros meses, além das altas expressivas de soja e milho, a quantidade embarcada pelo Brasil avançou na comparação com o mesmo período de 2022 para:

  • farelo de soja (+9,2%);
  • arroz (+80,2%);
  • carne de frango (+9,2%);
  • carne suína (+10,5%);
  • açúcar (+14,5%);
  • celulose (+2,3%).

Ao todo, estes seis produtos estão com valor e volume recorde de janeiro a agosto considerando a série histórica desde 1997.

O bom momento é resultado direto de uma produção histórica na agricultura brasileira. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que o Brasil vai colher 322,8 milhões de toneladas na safra 2022/2023, o que representa um crescimento de 18,4% – ou 50,1 milhões de toneladas – em relação ao ciclo anterior.

O consultor e analista de mercado Carlos Cogo pontua que esse aumento no volume tem anulado ou compensado a queda no câmbio e no preço médio na comparação com o ano passado. Um exemplo é a própria soja. Apesar da redução de 10,8% no preço por tonelada entre janeiro e agosto, as 80,9 milhões de toneladas embarcadas garantiram US$ 42,3 bilhões – 8,6% mais do que no mesmo período de 2022.

Segundo Cogo, a projeção é que o Brasil possa exportar em torno de 155 milhões de toneladas de grãos em 2023.

“Há um cenário de muito mais excedentes exportáveis, em especial para soja, milho, carnes e açúcar. E isso tem ainda mais valor considerando que outros grandes países exportadores não registram esse crescimento. Também pesa o fato de o Brasil ter se tornado um fornecedor muito confiável, especialmente durante a pandemia, além dos problemas recentes enfrentados por players como Argentina e Ucrânia”, salienta.

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Carne bovina é exceção

Enquanto as carnes de frango e suína têm projeção de um ano recorde de exportações segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), com alta de 8% e 12% em volume, respectivamente, a carne bovina vive o clássico dilema do copo “meio cheio” ou “meio vazio”. De janeiro a agosto, comparado ao mesmo período do ano anterior, há queda na receita (-25,2%) e no volume embarcado (-5,4%), mas o resultado geral é o segundo melhor desde 1997 – só atrás de 2022, que foi excepcional para o setor.

João Otávio Figueiredo, head de pecuária da Datagro, pontua que o Brasil bateu recorde no ano passado ao vender o produto para mais de 150 países – um avanço de 22,6% em volume e de 40,8% em faturamento sobre 2021. Só a China respondeu por 61,3% da receita (US$ 7,95 bilhões) e 54,7% da quantidade embarcada (1,2 milhão de toneladas).

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“O Brasil nunca havia superado os US$ 10 bilhões em negócios [no mercado de carne bovina]. Isso ocorreu em um momento em que a China saía da pandemia, enfrentava escassez e chegou a pagar mais de US$ 7 mil por tonelada de carne in natura. O volume vendido para lá aumentou 10 vezes desde 2016, e o número de plantas habilitadas [a exportar] saiu de menos de dez para 41”, pondera.

É por isso que o embargo chinês à carne brasileira, que durou 29 dias no primeiro trimestre, após um caso do mal da vaca louca, impactou tanto os negócios.

Também pesa a redução de 21% no preço por tonelada entre janeiro e agosto, na comparação com o mesmo período de 2022. Apesar disso, Figueiredo ressalta que a diminuição no volume das vendas externas até agora foi pequena e projeta um faturamento anual na casa de US$ 10 bilhões.

“Os preços caíram, mas o primeiro semestre deste ano é o segundo melhor da história. A verdade é que 2022 foi muito fora da curva. O ano de 2023, apesar de a fotografia parecer ruim, tem um panorama bom, até porque a China vai seguir importando muita carne e 40% do que ela compra vem do Brasil”, ressalta.

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Gargalos como alerta

A sequência de exportações recordes do agro anima o campo, mas traz preocupações com os gargalos, principalmente em infraestrutura e logística. Entre os desafios apontados por especialistas, estão a dependência do modal rodoviário, as dificuldades de escoamento e a falta de armazenagem.

“São problemas que já existiam e se tornam cada vez mais importantes porque vamos bater em um teto se nada for feito. Ainda estamos longe de bater no teto produtivo, mas há outros que já alcançamos, como a armazenagem, por exemplo”, pontua Pedro Rodrigues, assessor de relações internacionais da CNA.

Como mostrou EXAME na última edição da revista, em nível nacional falta espaço para guardar mais de 100 milhões de toneladas de grãos.

Leia mais: No campo, Brasil terá uma safra recorde e... um gargalo recorde?

Figueiredo, da Datagro, destaca que os problemas logísticos afetam todos os tipos de produto e cita como exemplo a previsão de que alguns navios já atracados nos portos brasileiros só consigam embarcar em novembro, o que atrasa negócios e eleva custos. Outro gargalo citado por ele envolve a maior exigência dos mercados internacionais.

“Um exemplo é a questão da rastreabilidade. A União Europeia não comprará mais, a partir de 2025, produtos agrícolas de áreas desmatadas. No caso da carne, o volume adquirido por eles, na casa de 84 mil toneladas, não é tão significante, mas são compradores que formam opinião e afetam a imagem do produto brasileiro no mundo”, afirma.

Novos mercados e valor agregado

Os analistas ainda reiteram a importância de o Brasil seguir abrindo novos mercados para seus produtos. Rodrigues elenca o sudeste asiático, que registra aumento de renda e de população, como muito interessante em médio prazo – nos últimos 20 anos, as exportações para a região foram as que mais cresceram, com acumulado de 496%.

“São países que tendem não a comer mais, mas a comer melhor. Isso abre mercado para, por exemplo, a proteína brasileira. É diferente de mercados como Estados Unidos e União Europeia, em que as preocupações com saúde e sustentabilidade pesam mais”, diz.

Felipe Spaniol, coordenador de inteligência comercial e defesa de interesses da CNA, também destaca o potencial que o Brasil tem para agregar valor a produtos e aumentar receitas. Ele cita como exemplo o projeto Agro.BR, desenvolvido pela confederação em parceria com a Apex-Brasil, que já superou com dois anos de antecedência a meta de apoiar a internacionalização de 800 empresas.

“Já conseguimos mais de 1.000 empresas em 10 meses de trabalho. E a agregação de valor é importante porque gera melhoria de condições de renda e emprego dentro do Brasil. Não temos que parar de exportar commodity, mas montar projetos internos de agregação de valor abre caminho para o produtor ganhar ainda mais”, frisa.

O que esperar a partir de 2024

Para o analista Carlos Cogo, é crucial que o Brasil se posicione nos próximos anos para manter o abastecimento da China enquanto busca novos destinos para seus produtos, pois todo mercado conquistado é importante no conjunto de negócios internacionais.

Spaniol e Rodrigues, da CNA, projetam que as exportações brasileiras seguirão em patamares elevados, tanto pelo desempenho da produção quanto pela abertura de novos mercados, algo que se acentuou desde 2022. Eles ainda ressaltam que não há risco de esse aumento nas vendas externas afetar o mercado interno.

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“Os mercados internacionais têm uma demanda específica. Então, não adianta produzir cada vez mais se não vai ter como exportar ou escoar. Por isso, o momento atual não gera preocupação em relação ao consumo doméstico, por mais que o produtor sempre busque uma melhor lucratividade”, avalia Rodrigues.

Em termos de posicionamento internacional, Spaniol vê um potencial de o Brasil superar os Estados Unidos como o segundo maior exportador de produtos agropecuários do mundo – hoje, a liderança é do bloco da União Europeia.

“De 2021 para 2022, o Brasil cresceu 30% a exportação de produtos agropecuários, enquanto os EUA subiram só 3%. A gente está chegando cada vez mais perto e há uma perspectiva de ultrapassá-los em médio prazo”, conclui.

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