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WhatsApp: o idioma dos imigrantes

Farhad Manjoo © 2017 New York Times News Service Quando o Facebook comprou o WhatsApp por mais de 19 bilhões de dólares em 2014, Jan Koum, um dos fundadores da empresa de mensagens instantâneas se organizou para assinar o contrato em frente ao centro de serviços sociais onde ele já havia esperado em uma fila […]

CAMPO DE REFUGIADOS DE CALAIS, NA FRANÇA: o WhatsApp se transformou na forma simples e segura de imigrantes se comunicarem / Mauricio Lima/The New York Times
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Da Redação

Publicado em 5 de janeiro de 2017 às 10h41.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h37.

Farhad Manjoo
© 2017 New York Times News Service

Quando o Facebook comprou o WhatsApp por mais de 19 bilhões de dólares em 2014, Jan Koum, um dos fundadores da empresa de mensagens instantâneas se organizou para assinar o contrato em frente ao centro de serviços sociais onde ele já havia esperado em uma fila para receber carnês de vale alimentação para pessoas de baixa renda.

Koum, assim como muitos no setor de alta tecnologia, é imigrante. Ele ainda era adolescente quando chegou com a mãe a San Francisco, no início dos anos 1990, fugindo da onda antissemita que tomava conta da Ucrânia, seu país de origem. Conforme Koum contou para a revista Forbes, sua mãe trabalhava como babá e fazia a faxina em um mercado para sobreviver no novo país; quando ela descobriu que tinha câncer, toda a família acabou dependendo de sua aposentadoria por invalidez.

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As histórias da vida sofrida dos imigrantes não são incomuns no Vale do Silício. Mas a história de Koum é especialmente importante, já que seu aplicativo lentamente passou a fazer parte fundamental da vida de muitos deles. Mais de um bilhão de pessoas usam o WhatsApp regularmente, já que ele permite que os usuários enviem mensagens e façam ligações gratuitamente pela internet. O aplicativo é especialmente popular na Índia, onde conta com mais de 160 milhões de usuários, assim como na Europa, na América do Sul e na África.

Uma vez que é gratuito, tem um histórico relativamente bom de manutenção da privacidade e da segurança e é popular em tantas partes do planeta, o WhatsApp estabeleceu um público incomum: o aplicativo se tornou uma espécie de língua franca entre pessoas que – seja por força maior ou opção – deixaram suas casas sem destino certo.

Isso acontece à medida que o mundo combate cada vez mais a imigração; entre outras coisas, 2016 representou uma longa e acirrada batalha em torno dos direitos e privilégios dos imigrantes, sejam os sírios na Europa, a luta dos europeus contra o Brexit na Grã-Bretanha, ou a questão da imigração mexicana e muçulmana que dominou a corrida eleitoral nos EUA.

Por trás das manchetes, o que muitas vezes passa despercebido na política da imigração são as dinâmicas instáveis da vida do imigrante – especialmente, as formas surpreendentes e sutis pelas quais a tecnologia, como smartphones e redes sociais, foi capaz de alterar a experiência do imigrante.

Os imigrantes utilizam vários tipos de aplicativos, é claro, do Facebook ao Skype, passando pelo WeChat, que é popular na China. Mas para muitos, o WhatsApp está no centro de uma nova forma de conexão. Onde existem pessoas que deixam suas casas em busca de caminhos novos, você provavelmente vai encontrar o WhatsApp. Para os imigrantes, essa se tornou a melhor ferramenta para manter a conexão ao longo do caminho e, assim que chegam a seu destino, para manter contato com as pessoas que ficaram para trás.

Os refugiados sírios que chegam à Europa utilizaram o WhatsApp para compartilhar dicas, alertas e pedir ajuda para outras pessoas que percorreram a mesma jornada. O WhatsApp apareceu ao longo da fronteira entre os EUA e o México, onde Donald Trump quer construir seu muro. No ano passado, inúmeros venezuelanos chegaram a Miami. A primeira coisa que muitos deles conferiram ao chegar foram as notícias pelo WhatsApp.

Até mesmo as pessoas que deixaram seus países voluntariamente a procura de trabalho e riqueza em um novo lugar, o WhatsApp mudou por completo os contornos da vida do imigrante. Pessoas que estão nos EUA há décadas me contaram que o aplicativo ajudou a minimizar o sentimento de isolamento e as saudades inerentes à condição que vivem.

“Agora tenho muito mais a impressão de fazer parte do dia a dia deles”, afirmou Anne Reef, de 55 anos, ex-professora de inglês que se mudou da África do Sul para os EUA em 1988. Atualmente ela vive em Memphis, Tennessee, e deu aulas, entre outros lugares, na Universidade de Memphis.

Chamadas internacionais eram caríssimas quando Anne se mudou para os EUA; na época, ela ligava uma vez por semana para saber como as coisas estavam em casa. Havia cartas frequentes, às vezes com fotos de recém-nascidos e casamentos. O aparelho de fax se tornou comum nos anos 1990 e, mais tarde, ela passou a usar e-mail, Skype e Facebook. Mas foi só quando começou a usar o WhatsApp há cerca de um ano que Anne começou a sentir uma diferença qualitativa em sua conexão com os familiares distantes.

Um parente que vive na Austrália – filho de um primo seu – acabou de ter um bebê. Com o WhatsApp, Anne conta que tem acesso a uma série de fotos. “Me sinto muito mais envolvida na vida do bebê – parece que o conheço, e agora ele é mesmo meu primo de terceiro grau”, contou.

Isso pode parecer rasteiro; afinal de contas, fotos de bebê não são algo revolucionário na internet. Mas as inovações do WhatsApp costumam ser sutis. Um dos segredos do crescimento foi seu foco na simplicidade. O aplicativo é propositalmente discreto e só faz algumas coisas – textos, mensagens de voz e ligações com vídeo. Como resultado, o aplicativo é extremamente fácil de usar, até mesmo para pessoas que não estão habituadas a novas tecnologias. Essa é uma das razões pelas quais os imigrantes acham o aplicativo tão poderoso; ele deu acesso a um grupo mais amplo de parentes que haviam rejeitado as redes sociais anteriores.

A onipresença do WhatsApp é importante. Uma vez que se tornou o principal meio de comunicação entre pessoas e seu país de origem – seja sua cidade natal Bangalore, São Paulo, Johanesburgo ou Paris –, para aquelas que vão embora ele se tornou uma espécie de janela para o passado.

“Eu tenho um grupo que tem o lado da família da minha mãe, e outro com a família do meu marido e trocamos mensagens o dia todo”, afirmou Mina Mehta, de 65 anos, técnica cirúrgica em Chicago, que veio da Índia para os EUA com o marido em 1975.

“Recebemos notícias constantes das pessoas lá de casa e ficamos sabendo sobre detalhes de suas vidas que não seriam mencionados nas ligações semanais”, afirmou Hemant, filho de Mina.

Para os imigrante sue deixam suas casas em desespero, o WhatsApp oferece outra vantagem que outras redes sociais não têm: a comunicação é segura. O aplicativo é criptografado e, portanto, à prova de espiões do governo.

Para os refugiados sírios, o aplicativo é visto como a ferramenta mais segura de comunicação, de acordo com Majd Taby, imigrante sírio nos EUA. Taby comenta que sem o WhatsApp, os fluxos de imigrantes saídos da Síria seriam muito menores.

“O que o WhatsApp fez foi ajudar a desmistificar a jornada”, comentou. No início da guerra civil na Síria, alguns dos primeiros refugiados que deixaram o país foram bem recebidos nos países europeus.

“As pessoas tinham grupos com amigos e os que conseguiam chegar do outro lado enviavam mensagens dizendo como foi a viagem e compartilhando fotos. Foi isso que levou muita gente a optar pela partida. Com a ajuda do WhatsApp eles sabiam exatamente o que estava acontecendo.”

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