TikTok além dos memes: vídeos de ciência viralizam na rede
Indo muito além das danças coreografadas, criadores de conteúdo usam o TikTok para falar sobre áreas diversas da ciência — e já acumulam milhões de curtidas e seguidores
Laura Pancini
Publicado em 29 de maio de 2021 às 06h00.
O TikTo k é mais do que danças e memes. O aplicativo de vídeos curtos trouxe uma nova dinâmica para as redes sociais com uma série de efeitos, músicas, linguagens e o famoso algoritmo, que oferece uma plateia gigantesca para criadores de conteúdo que vão muito além dos passinhos coreografados.
É o caso dos criadores Antonio Miranda, Ana Cristina Duarte, Luísa Leão e Emerson Espíndola. Eles entraram na plataforma menos de um ano atrás, incentivados pelo tédio do isolamento social por conta da pandemia do coronavírus . E não foram os únicos: só entre fevereiro de 2019 e 2020, o número de instalações do app cresceu 992% entre usuários brasileiros.
Com estilos completamente diferentes, os quatro começaram a produzir vídeos voltados para a área de ciências e encontraram milhões de usuários que não só gostam, mas querem aprender através do TikTok. Conheça os criadores:
“Recebo mensagens de estudantes que falam: ‘Você deveria ser meu professor, porque o que você me ensina em 30 segundos, eu não aprendo em uma aula’”, conta Emerson Espíndola. Desempregado por conta da pandemia, o ator estava vendendo pães para ajudar com as contas quando baixou o TikTok pela primeira vez em agosto de 2020.
Produzindo vídeos, as coisas mudaram para Espíndola quando ele fez um TikTok explicando o que acontece no corpo humano quando se bebe água. Atuando, vestiu uma camiseta azul para fazer o personagem da água e decidiu que seu corredor seria a representação do esôfago.
Sem saber, estava definindo seu conteúdo pelos próximos meses. Os vídeos com curiosidades sobre o corpo humano, que misturam humor e atuação, explodiram. Seguindo sempre tal estilo, Espíndola acumulou 1,7 milhões de seguidores e 33,4 milhões de curtidas em menos de um ano na plataforma, além de parcerias com a Bradesco Seguros, Boticário e Rap10.
Apesar de ter interesse em ciência, o ator não fez faculdade na área, como é o caso de Miranda, Duarte e Leão. Escutando a resposta de seus seguidores ao conteúdo, ele percebeu que a falta de conhecimento científico, no sentido acadêmico, poderia ser algo positivo.
“Não tenho a visão de um cara que entende profundamente sobre a coisa, então tento transmitir de uma maneira que eu consiga entender e que seja divertida”, disse Espíndola. “O corpo é uma maquininha mesmo, então é tudo muito mecânico. Essa mecânica tem falhas que, dependendo do olhar que você dá, pode ser muito engraçado.”
Espíndola não é o único que traz um toque de humor para seus vídeos científicos. Estudante de nanotecnologia, amante do teatro e da comunicação, Antonio Miranda aparenta ter a fórmula ideal para criar conteúdo no TikTok. Sua série, “Fatos Curiosos com Antonio”, mistura edições de vídeo criativas com assuntos que passam por tópicos variados, desde “Como extrair seu próprio DNA?” até “Você sabe o quão rápido é uma bala de fuzil?”.
“Desde criança, sempre fiquei muito triste quando não tinha uma resposta para uma pergunta do dia a dia”, conta Miranda. “O que eu quero trabalhar é com comunicação científica, tornar a passagem de conhecimento mais tranquila.”
Antes de publicar seu primeiro vídeo na plataforma, tentou desenvolver estratégias para garantir que o conteúdo não teria o mesmo resultado do que os seus Reels no Instagram —lá, o de maior sucesso teve 2.700 visualizações. As coisas realmente não foram as mesmas no TikTok: em cinco meses no aplicativo, Miranda já tem2,6 milhões de curtidase 292 mil seguidores.
Para Abel Reis, especialista em mídias digitais e sócio fundador da consultoria Logun Ventures, o TikTok fomenta viralizações rápidas como a de Miranda: “É um fenômeno sempre curioso de pessoas que são inexistentes na plataforma um dia e três meses depois explodem em número de seguidores, exatamente porque o TikTok favorece o efeito de lastreamento de conteúdos e propicia esse tipo de resultado.”
Recém formada em ciências biológicas, Ana Cristina Duarte também entende bem o fenômeno da viralização. Começou com a conta ClipeCasa em junho de 2020, na qual ela segue o desafio de ir trocando objetos gratuitamente, começando por um prendedor de papel até um dia conseguir uma casa. Atualmente, ela já conseguiu o equivalente a 15 mil reais.
A repercussão do ClipeCasa foi imensa, a ponto do aplicativo concorrente do TikTok, Kwai, fechar contrato com a criadora para a produção de 25 vídeos por mês, mas as trocas não eram tão frequentes para tantos vídeos. Foi assim que ela decidiu juntar três paixões: ensinar, editar vídeos e ver coisas através do microscópio.
“O pessoal amou e já foi falando “Mostra uma formiga, mostra mel, mostra um cravo da pele”, eles foram dizendo o que tinham curiosidade de ver. Então peguei e postei na minha conta pessoal do TikTok, onde eu tinha pouquíssimos seguidores”, conta Duarte.
Hoje em dia, os vídeos com o microscópio fazem mais sucesso do que o ClipeCasa. Mesmo tendo sido criada em março de 2021, a conta pessoal já ultrapassou 7,2 milhões de curtidas e 765 mil seguidores. Para comparação, a conta para os vídeos de trocas tem 3,6 milhões de curtidas e 462,5 mil seguidores, tendo sido criada quase um ano atrás.
“O que chama atenção é o que é nojento. Em um vídeo de gema de ovo, não tinha nada e não gerou visualização”, disse Duarte. Apesar disso, ela afirma que seus seguidores vêm pedindo por mais explicações, então ela está buscando formas de “conciliar a parte divertida da coisa” com a divulgação científica.
Sobre os conteúdos científicos no TikTok, Reis avalia: “A gente sabe bem o que é uma aula de matemática ou história no YouTube, mas não sabemos exatamente o que isso seria no TikTok. Ciência e conhecimento estruturado parecem requerer tempos longos e não é propriamente essa a natureza da plataforma. Por outro lado, pode ser muito interessante pensar em como criar conteúdo estimulante e engajador num formato como esse.”
Assim como Duarte, a estudante de Engenharia Mecânica e aspirante a astronauta, Luísa Leão, também quer juntar o ensinamento com a diversão. “Amo falar sobre astronomia e, quando entrei no TikTok e vi tantas pessoas interessadas em me ouvir falar, pensei: ‘Perfeito, vou falar agora!’”, conta Leão.
Em seu conteúdo, a jovem dá dicas para estudantes que, assim como ela, querem um dia virar astronautas. Usufruindo do leque de efeitos, músicas e linguagens do app, ela também fala de curiosidades sobre a vida no espaço e sobre viagens espaciais realizadas por agências internacionais.
Na rede social desde fevereiro de 2021, Leão tem 872 mil curtidas e 83,7 mil seguidores. Assim como Duarte, foi convidada para ser remunerada pelo Kwai e a oportunidade levou a uma “publi” com o Banco Pan. A jovem também teve um espectador de destaque: o astronauta e Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, que repostou um TikTok de Leão e ainda fez um texto agradecendo a aspirante a astronauta.
Entenda o algoritmo e a viralização no TikTok
De acordo com dados do Priori Data , o Brasil foi o terceiro maior público do TikTok em 2020 com 34,7 milhões de instalações, seguido dos Estados Unidos (45,6 milhões) e da Índia (99,8 milhões). Ao todo, o TikTok já foi baixado mais de 2 bilhões de vezes no mundo, como afirma a consultoria Sensor Tower.
O público do aplicativo é, em sua maioria, pessoas de até 30 anos, representando 63% dos usuários. Para os 51% que abrem o app de 1 a 3 vezes por dia, a média é passar por volta de 45 minutos na rede social, como afirma o Business of Apps .
Para o especialista Abel Reis, o aplicativo de vídeos curtos trouxe uma semiótica diferente para a dinâmica das redes. Diferente das experiências no YouTube e no Instagram, o TikTok consegue evitar que o efeito de bolha se alastre pela plataforma, muito graças ao seu algoritmo que divulga os conteúdos que são mais assistidos pelos usuários.
“Você não tem uma hora para ficar contando sobre um fenômeno químico ou físico em detalhes e ficar um pouco enrolando para criar oportunidade para anúncios aparecerem”, explica Reis, fazendo referência ao YouTube. “É uma plataforma cuja arquitetura e linguagem nascem para favorecer a pulverização de conteúdos, que são empacotados de maneira que captura sua atenção por um período de tempo reduzido.”
Espíndola explicou que qualquer vídeo publicado na plataforma é jogado para uma média de 100 pessoas. Deste número, o TikTok analisa o tempo que cada usuário assistiu ao vídeo e qual foi o engajamento —se teve curtidas, comentários ou compartilhamentos—, mas o principal fator é o tempo. Dependendo do resultado, o conteúdo será jogado para mais ou menos usuários, e por aí vai.
Nesta dinâmica, os primeiros segundos acabam sendo essenciais. “Tem essa coisa de ter três segundos para convencer a pessoa a ver seu vídeo, então apelar para o sentimento natural do ser humano de ser curioso é o principal”, comenta Miranda, que afirma que sempre apela para algo que vai despertar o interesse para garantir as visualizações, como editar as cenas para fingir que está caindo de um prédio ou sendo atropelado por um carro.
“A abordagem do criador do conteúdo tende a ser mais performática [no TikTok] do que em outras plataformas. A coisa se aproxima mais do entretenimento do que da informação em seu sentido mais clássico”, avalia Reis.