Tecnologia

Os drones da Amazon estão quase aí

Farhad Manjoo A Amazon é a grande empresa mais misteriosa do setor tecnológico. Ela não é apenas cheia de segredos, como a Apple. A gigante de e-commerce e armazenamento de dados na nuvem de Jeff Bezos é difícil de decifrar. A Amazon raramente explica seus objetivos táticos de curto prazo, ou muito menos sua visão estratégica […]

DRONE DA AMAZON: o serviço de entregas, que não foi levado a sério por analistas e concorrentes, parece realmente ser um projeto fundamental para o futuro da empresa  / Divulgação (Amazon/Divulgação)

DRONE DA AMAZON: o serviço de entregas, que não foi levado a sério por analistas e concorrentes, parece realmente ser um projeto fundamental para o futuro da empresa / Divulgação (Amazon/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 24 de agosto de 2016 às 16h00.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h07.

Farhad Manjoo

A Amazon é a grande empresa mais misteriosa do setor tecnológico. Ela não é apenas cheia de segredos, como a Apple. A gigante de e-commerce e armazenamento de dados na nuvem de Jeff Bezos é difícil de decifrar. A Amazon raramente explica seus objetivos táticos de curto prazo, ou muito menos sua visão estratégica para o futuro. A empresa gosta de surpresas.

Então, para entendê-la é preciso observá-la como quem olha o Kremlin. Isso é especialmente verdade quando se trata de uma de suas áreas de negócio mais importantes: a logística que permite que a empresa leve seus produtos até os clientes.

Ao longo dos últimos anos, a Amazon deixou uma série de pistas que sugerem que está mudando radicalmente a forma como entrega seus produtos. Entre outras medidas, a empresa adotou uma frota própria de caminhões; criou um serviço de entregas por crowdsourcing parecido com o Uber; construiu vários depósitos operados por robôs; e continua a investir em um plano mirabolante de utilizar drones para realizar entregas. A empresa fez um estardalhaço recentemente ao exibir um avião Boeing 767 com a marca da Amazon, um dos mais de 40 que farão parte da frota da empresa.

Essas medidas contribuíram para incentivar muita especulação sobre a possibilidade de que a Amazon esteja tentando substituir as empresas terceirizadas de transporte que utiliza atualmente – incluindo a UPS, a FedEx e o Serviço Postal dos EUA – por um serviço de entregas próprio. Seus investimentos em logística também levaram à teoria de que a Amazon se tornou basicamente imbatível no e-commerce norte-americano – razão pela qual o Wal-Mart, a maior rede varejista do mundo, sentiu a necessidade de adquirir uma audaciosa concorrente da Amazon, a Jet.com, por 3,3 bilhões de dólares.

Afinal, qual é o objetivo da Amazon com o setor de entregas? Depois de conversar com analistas, parceiros e concorrentes, quase sem informações da própria Amazon, desconfio que ela tenha uma visão bifacetada do futuro do envio de bens e produtos.

Primeiramente, a Amazon não está tentando substituir as empresas de transporte terceirizadas. Na verdade, ao longo dos próximos anos deseja aumentar ao máximo suas operações, e ao invés de substituir parceiros como a UPS e a FedEx, a empresa está gastando fortunas com aviões, caminhões, crowdsourcing e outros serviços inovadores de entrega para aumentar sua capacidade e eficiência.

O objetivo de longo prazo da Amazon é mais fantástico – e, se for bem sucedido, pode transformar o mundo. Ela quer escapar das vicissitudes envolvendo estradas e seres humanos, tornando-se plenamente autônoma e ocupando os céus. O programa de drones operado pela empresa – que foi considerado apenas uma estratégia mirabolante de marketing pela imprensa especializada, quando Bezos revelou o projeto durante uma entrevista ao programa “60 Minutes”, da CBS News, em 2013 – na verdade é fundamental para seu futuro; os drones poderiam ser aliados a armazéns operados por robôs e caminhões que se pilotam sozinhos e que podem desvelar um futuro autônomo para a Amazon.

“Voar é um problema muito mais simples que dirigir”, afirmou Keller Rinaudo, um dos fundadores da Zipline, startup de entregas por drones que vai começar a testar o sistema com a entrega de produtos médicos em Ruanda ainda este ano. “Se conseguíssemos as liberações necessárias, já estaríamos entregando na porta da sua casa”, acrescentou, referindo-se à Área da Baía de San Francisco.

Caso o programa de drones da Amazon seja bem sucedido (e ela afirma que já está a caminho), isso pode mudar fundamentalmente a estrutura base da empresa. Daqui a uma década, os drones diminuirão pela metade o custo da entrega de cada unidade de produto da Amazon, projetam analistas do Deutsche Bank em um relatório de pesquisa recente. Caso isso ocorra, a ameaça econômica aos concorrentes seria enorme – “as lojas deixariam de existir”, sugerem os analistas do Deutsche.

Um espaço não ocupado  

O frete sempre foi um dos investimentos mais estratégicos da Amazon. Em seus primórdios, para evitar o pagamento de imposto sobre vendas para a maioria dos consumidores, a Amazon propositalmente instalou armazéns em estados com baixa carga tributária e pouco populosos, enviando os produtos para áreas populosas com prazos que iam de 3 a 5 dias.

Quando a Amazon criou em 2005 o programa de assinatura Prime, que permitia entregas de muitos produtos em apenas dois dias por um preço anual de 99 dólares, as necessidades logísticas mudaram. O Prime encorajava os clientes a comprarem um volume de produtos muito maior e isso também forçou a Amazon a fazer entregas bem mais rápidas.

Isso explica porque a empresa abandonou a estratégia de fuga fiscal no início da década atual, dando início à construção de dezenas de armazéns em áreas populosas. O fato também permitiu o crescimento da “injeção postal”, por meio da qual a empresa utiliza algoritmos de previsão e uma análise de rede complexa para descobrir como entregar pacotes na agência postal mais próxima da casa do cliente. De acordo com o Deutsche, a injeção postal permitiu que a Amazon cortasse os custos da parte mais cara do transporte dos itens – ou seja, do armazém à porta da casa do cliente. Portanto, apesar de entregar a maioria dos produtos mais rapidamente, entre 2010 e 2015 a Amazon cortou os custos de envio de 5,25 dólares por caixa, para apenas 4,26 dólares, de acordo com estimativas do Deutsche.

Entretanto, o custo ainda não está baixo o bastante. Embora a Amazon tenha registrado faturamentos trimestrais recorde recentemente, os custos com envio não param de crescer e a empresa já enfrenta limitações de capacidade. Durante as festas de fim de ano de 2014, o excesso de pedidos on-line sobrecarregou a UPS, levando a uma série de atrasos nas entregas.

Porém, um problema ainda mais grave está à espreita: a infraestrutura de transportes dos EUA está ficando velha, segundo alerta do Departamento de Transporte, a menos que ações urgentes e caras sejam tomadas rapidamente, evitando que estradas, vias fluviais, aeroportos e outros sistemas fiquem sobrecarregados nos anos 2040.

Para a Amazon, esse futuro seria catastrófico: praticamente todos seus investimentos atuais na área de transporte – em caminhões, aviões e carros de entrega por crowdsourcing – dependem da infraestrutura tradicional de transporte. A não ser quando se trata dos drones – o que explica porque eles são fundamentais para a visão de futuro do varejo da Amazon.

Eu comecei a ter noção da importância do projeto de drones da Amazon, conhecido como Amazon Prime Air, quando me encontrei com Gur Kimchi, o diretor do programa, em uma conferência do setor há alguns meses. Embora nossa conversa tenha ocorrido de maneira informal, as respostas detalhadas que Kimchi deu às minhas perguntas deixaram claro que eu fui apressado em descartar a iniciativa.

Quando comecei a conversar com outras pessoas do setor de drones sobre o interesse da Amazon em voos autônomos, todos disseram que os drones são uma forma de evitar as rodovias. Uma vez que eles funcionam em uma camada nova e livre do espaço físico – abaixo dos 122 metros de altitude, um espaço aéreo que não é ocupado na maior parte do país – abrem uma nova via para o envio de produtos.

Apesar de postar uma série de vídeos, a Amazon não revelou muito ao público sobre seu programa de drones, ainda que esteja trabalhando com agências regulatórias de todo o planeta para iniciar os testes com o sistema. A empresa espera ser capaz de enviar embalagens de até 2,3 quilos por meio de drones, o que representa de 80 a 90 por cento de todas suas entregas.

A Amazon também afirmou que construiu diversos protótipos para circunstâncias de entrega distintas. As primeiras entregas vão ocorrer em áreas de densidade baixa e média, como subúrbios, onde os drones poderão pousar no quintal de uma casa para deixar um par de sapatos, por exemplo. Porém, a empresa afirmou que também está trabalhando em um sistema para realizar entregas em cidades – por exemplo, os drones poderiam entregar os pacotes em caixas inteligentes localizadas no alto dos prédios.

Na verdade, a empresa de entregas DHL começou a testar um sistema similar na Alemanha; um representante me contou que o teste foi bem sucedido e que eles planejam expandir a tecnologia, dependendo da aprovação das agências regulatórias. O registro de patentes da Amazon indica até mesmo outras possibilidades mais curiosas – os drones poderiam transportar as embalagens entre pequenos depósitos instalados no alto de postes de luz, por exemplo.

Outras patentes indicam ideias ainda mais malucas. Ryan Petersen, fundador da empresa de software de logística Flexport, destacou que a Amazon registrou patentes que preveem o uso de caminhões como armazéns de envio móveis. Esses caminhões autônomos equipados com estoques de produtos determinados pela Amazon seriam enviados aos bairros, por exemplo, viajando entre as cidades. Quando uma entrega é feita, o drone poderia voar do caminhão para a casa do cliente, entregando o produto em poucos minutos.

Cenas como essa provavelmente só existem em um futuro distantes. Mas de acordo com a Amazon, a primeira versão das entregas por drone será iniciada muito antes: em algum lugar do mundo nos próximos cinco anos.

©  2016 New York Times News Service

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