"Não se pode confiar informações ao Facebook ou ao Google", diz Nicholas Carr
Depois de defender que a internet deixa as pessoas menos inteligentes, escritor norte-americano afirma que a rede também prejudica a vida pessoal dos usuários
Da Redação
Publicado em 2 de dezembro de 2010 às 16h31.
São Paulo – O domínio cada vez maior da internet sobre nossas vidas traz uma série de efeitos colaterais graves, diz o escritor americano Nicholas Carr. Depois de defender que a internet deixa as pessoas menos inteligentes, ele afirma, em entrevista exclusiva a EXAME.com, que a tecnologia começa a minar a vida pessoal dos usuários. E considera natural que a privacidade esteja se tornando um valor cada vez menos importante para empresas como o Google e o Facebook. “Não se pode confiar na preocupação dessas empresas em deixar informações privadas”, alerta.
O escritor, que já foi editor da Harvard Business Review, está no Brasil para participar do evento INFO Summit, que discute as tendências da tecnologia da informação no mundo corporativo. Na conversa a seguir, ele fala sobre internet, redes sociais, tablets, computação em nuvem e os problemas que todas essas novas tecnologias podem trazer.
EXAME.com - No seu último livro, “The Shallows”, você defende que a internet nos deixa menos inteligentes. De que forma isso acontece?
Carr - Não é que a internet nos torne burros, ela nos faz pensar de outra forma. O que a internet faz é nos apresentar grandes quantidades de informação simultaneamente, nos fazer trabalhar com multitarefa. Esse tipo de modo de pensar é muito importante, mas não nos dá a oportunidade nem nos encoraja a prestar atenção em uma coisa só, a desenvolver a concentração. Assim perdemos a habilidade de ser contemplativo, de ser reflexivo, de trabalhar as formas de pensar que exigem atenção em uma coisa só por muito tempo ao invés de remessas de informações diversas o tempo todo.
EXAME.com - Mas o pensamento em multitarefa não pode nos tornar mais inteligentes de certa forma?
Carr - Se você olhar os estudos científicos sobre multitarefa, o que eles mostram é que as pessoas que trabalham com diversas coisas ao mesmo tempo pensam que estão sendo produtivas e criativas, mas quando você olha para o resultado de seus trabalhos, você conclui que eles não foram realmente produtivos e muitas vezes não foram muito criativos. Eles apenas elevaram a energia mental gasta mudando de foco o tempo todo, e nunca chegaram a níveis profundos de criatividade e produtividade. Não é que não haja coisas boas da internet, certamente ela trouxe diversas formas novas de se compartilhar informações e isso é muito bom. O que eu digo é que a ênfase das pessoas mudou, e que há aspectos de pensamento criativo, conceitual e crítico que vêm apenas quando se deixa de lado as distrações. Hoje em dia isso é muito difícil.
EXAME.com - De que forma é possível reverter esse processo?
Carr - Cada pessoa faz suas escolhas quanto a forma que usará a tecnologia e a própria mente. A internet cada vez mais empurra informações para os usuários, sejam atualizações no Facebook, no Twitter, todos os serviços agregadores de notícias, que nos deixam distraídos e nos interrompem ao longo de todo o dia. Acho que o que estamos vendo provavelmente é uma mudança nos valores da sociedade, uma mudança que prioriza a multitarefa, a forma de encontrar informações mais rapidamente. Antigamente, valores como contemplação e reflexão eram o que definiam o ideal de pensamento. É um efeito colateral da tecnologia. Somos tão apaixonados por novos produtos que deixamos de lado os valores intelectuais, infelizmente.
EXAME.com - Então a indústria da tecnologia está incentivando essa mudança na nossa forma de pensar?
Carr - Sim, certamente.
EXAME.com - Como você utiliza as novas tecnologia? Está nas redes sociais como o Facebook e o Twitter?
Carr - Parei de usar o Facebook e o Twitter há dois anos, quando comecei a escrever o livro “The Shallows”. E não sinto falta. Como escritor, me aproveitei de vários benefícios da rede, como a facilidade de buscar informações para uma pesquisa, para me comunicar com outras pessoas, e assim por diante. Mas o motivo pelo qual eu escrevi o livro foi por que eu percebi que a internet estava mudando a mim mesmo, minha habilidade de concentração. Estava constantemente desejando mais informações atualizadas. Então decidi mudar isso, deixei as redes sociais, porque acredito que o Facebook e o Twitter particularmente estimulam a distração. Hoje utilizo a internet para descobrir fontes de informação. Se acho uma fonte interessante, um artigo de um jornal ou um livro, vou até uma biblioteca, pego uma cópia do material e então leio. Isso estimula a capacidade de concentração mais do que ler o documento online. Mas é difícil deixar para trás a tecnologia hoje em dia.
EXAME.com - Um aspecto que ganhou os noticiários de tecnologia este ano foi a privacidade dos internautas, que empresas como o Facebook estariam violando. Ter cada vez menos privacidade também é uma consequência natural da internet?
Carr - Acho que particularmente em redes sociais como o Facebook, as pessoas estão se preocupando menos com privacidade do que costumavam fazer. Uma consequência direta das novas tecnologias é que elas tornam o compartilhamento de informações mais fácil. A questão é: até onde as pessoas irão para abrir mão da privacidade em troca de conveniência?
EXAME.com - Você não acha que a depreciação da privacidade é responsabilidade das empresas?
Carr - Há interesse de empresas como o Facebook e o Google de encorajar as pessoas a não deixar informações privadas. Para redes sociais e sites de busca quanto mais informações disponíveis sobre nós, melhor para oferecer seus produtos, vender anúncios. Não se pode confiar na preocupação dessas empresas em deixar informações privadas.
EXAME.com - O tema de sua palestra aqui em São Paulo é tendência de migração para a computação em nuvem no ambiente corporativo. Quando você acha que esse modelo deixará de ser um diferencial para as empresas?
Carr - Depende muito do tipo de trabalho, mas posso afirmar que grandes empresas provavelmente em 10 ou 15 anos terão a computação em nuvem como algo normal. Estamos ainda em estágios iniciais da adoção da computação em nuvem. O que estamos vendo são empresas fazendo testes, utilizando alguns serviços, mas ainda vai levar muitos anos para esse tipo de modelo dominar os negócios.
EXAME.com - Mas obviamente há efeitos colaterais com a adoção da computação em nuvem, não?
Carr - Acho que há dois modos de ver: a computação pessoal, individual, do consumidor; e a computação empresarial. No caso da computação pessoal, as pessoas já adotaram a computação em nuvem, mesmo que em muitos casos não saibam. Se você olhar as redes sociais, o Google, tudo isso são serviços de computação em nuvem. Cada vez mais o que fazemos na internet individualmente é computação em nuvem, à medida que armazenamos dados na rede. As empresas, por outro lado, têm muito mais preocupações com a segurança dos dados, a confiabilidade dos sistemas, todas essas variáveis que envolvem a indústria da tecnologia. A grande preocupação no caso das empresas são a segurança e a confiabilidade dos serviços. O que estamos vendo são empresas receosas em transferir dados sensíveis para a nuvem, enquanto fazem experiências com aplicações mais básicas.
EXAME.com - Você acha que as empresas deverão inevitavelmente levar esses dados sensíveis para a nuvem?
Carr - Acho que os problemas serão resolvidos. Com o passar do tempo a computação em nuvem se tornará mais consolidada. Uma analogia que faço é ao que aconteceu com a eletricidade há alguns séculos. As empresas utilizavam geradores próprios inicialmente. A medida que o serviço de fornecimento de energia se tornou estabilizado e se mostrou funcional e confiável, elas se moveram para a eletricidade das distribuidoras.
EXAME.com - Tendências como a computação em nuvem exigem que os dispositivos, e consequentemente as pessoas, estejam conectados à internet o tempo todo. Isso muda a forma como os profissionais trabalham e pensam?
Carr - Por um lado quanto mais software e serviços de comunicação se movem para a internet, mais as empresas se tornam flexíveis sobre as formas que os funcionários podem trabalhar, o local de trabalho se torna menos importante, e isso é bom por trazer mais liberdade e flexibilidade para o ambiente corporativo. Por outro lado, para os empregados há uma sensação de que o horário de expediente aumenta e passa a ocupar o dia todo. Quando se pode acessar os sistemas da empresa é muito difícil deixar o trabalho em determinado horário do dia. As pessoas se sentem pressionadas a checar o e-mail corporativo, por exemplo. E isso é perigoso, porque elas perdem o foco na família, no entretenimento e no lazer.
EXAME.com - É o problema da distração, já que as pessoas não conseguem focar em uma coisa e se desligar de outra...
Carr - Exatamente. Uma das coisas que cito em “The Shallows” é que a internet nos deixa mais superficiais, mas também que ela interfere em nossos relacionamentos. Estamos conversando com nossos filhos, maridos e esposas e ao mesmo tempo olhando para o BlackBerry ou para o iPhone. Esse tipo de atenção dividida não é exatamente uma mudança na forma que pensamos, mas também na forma como agimos socialmente.
EXAME.com - Nesta linha, o crescimento do mercado de tablets, como o iPad, lançado este ano, pode provocar que tipo de mudanças para as empresas?
Carr - Nos Estados Unidos, o iPad é muito popular, você vê por todos os lados o tempo todo. Há muita gente que usa com objetivos profissionais, mas não acho que podemos dizer ainda como os tablets vão revolucionar a computação corporativa. O que o iPad mostra é como os computadores estão se transformando principalmente para acessar entretenimento. Tablets são atualmente muito mais para jogos, filmes, músicas, mostrando como o computador está se tornando uma central de entretenimento.
EXAME.com - Para terminar, você está trabalhando em algum novo livro? Tem alguma pesquisa em andamento?
Carr - Por enquanto não. Na verdade estou pesquisando por alguma ideia. Todos meus três livros foram sobre computação e internet. Quero escrever uma nova obra não-ficcional porém sobre alguma coisa que não esteja ligada a computadores, mas ainda não sei exatamente o quê.