Evasivas do Facebook são um negócio perigoso
Existe sempre certa distância entre o que uma empresa diz e o que realmente faz
Lucas Agrela
Publicado em 23 de março de 2018 às 14h14.
O modelo de negócio do Facebook é bastante simples. A empresa oferece um serviço gratuito que conecta usuários a entes queridos e outras pessoas de interesses semelhantes. Em troca, coleta dados a respeito do que os usuários fazem na internet (e, cada vez mais, fora dela). Depois, usa esses dados para vender publicidade direcionada. O modelo, como um todo, funciona de forma brilhante.
Mas a empresa -- como muitas outras que lucram com a venda de acesso aos dados de seus usuários -- parece relutar em descrever explicitamente como gera dinheiro. Em vez disso, em resposta às notícias de que informações de até 50 milhões de usuários foram coletadas e compartilhadas por terceiros sem o conhecimento deles, o Facebook divulgou comunicado que começa assim: “Proteger as informações das pessoas é a coisa mais importante que fazemos no Facebook”.
Existe sempre certa distância entre o que uma empresa diz e o que realmente faz. No Facebook, essa distância é maior do que na maioria dos casos. E -- ao contrário de muitas empresas --, essa desconexão já não é uma preocupação abstrata. Ao assumir um papel central na vida pública nos EUA e em outros lugares do mundo, a rede está distorcendo a política e induzindo eleitores ao erro. O célebre mito de que o Facebook está simplesmente “aproximando o mundo” está ficando mais difícil de defender.
O escândalo mais recente oferece um bom exemplo. Em 2014, um pesquisador obteve autorização do Facebook e de cerca de 270.000 usuários da rede para coletar dados pessoais deles. Posteriormente, ele compartilhou esses dados -- e os de cerca de 50 milhões de amigos desses usuários no Facebook -- com uma empresa chamada Cambridge Analytica, que os usou para criar perfis “psicográficos” de eleitores e depois trabalhou para a campanha presidencial de Donald Trump.
O compartilhamento de dados sem o consentimento dos usuários é “contra nossas políticas”, diz Mark Zuckerberg, fundador e CEO do Facebook. Mas a pergunta maior, tanto para os órgãos reguladores quanto para a própria empresa, é quanto controle os usuários devem ter sobre o vasto repositório de dados pessoais do Facebook, que se transformou em uma ferramenta política de imenso poder com poucas proteções.
A equipe de Trump usou essas ferramentas com sucesso. Testou dezenas de milhares de variações de anúncios na rede. Usou dados do Facebook para transmitir mensagens provocativas a subconjuntos receptivos do eleitorado -- sabendo que o público geral não perceberia -- enquanto conduzia “grandes operações de supressão de eleitores” para diminuir o apoio à adversária de Trump. Coincidentemente, a Rússia teve a mesma ideia.
Essas coisas só funcionam porque o Facebook coleta furtivamente muitas informações íntimas. O negócio da rede é vender dados sobre seus usuários.
E os dados não têm valores nem princípios próprios. Podem ajudar a eleger um bom candidato ou um mau candidato. Podem ser usados em pesquisas valiosas ou em experimentos psicológicos vis. Podem revelar detalhes incrivelmente pessoais -- e agora estão nas mãos de um enorme grupo de pessoas, responsáveis ou não.
O Facebook tem todo o direito de ganhar dinheiro. Mas a empresa -- e seus bilhões de usuários, bem como os bilhões de seres humanos que ainda não participam da rede -- não deveriam se enganar em relação a como o Facebook ganha dinheiro. Apenas assim poderão medir com clareza as consequências de suas escolhas.