Esportes ao vivo: o ataque da internet
Em pleno 2017, já ficou claro que a televisão ao vivo não vai acabar (pelo menos não tão cedo), mas suas peças de resistência são cada vez mais escassas. Um de seus principais ativos, os campeonatos esportivos ao vivo, estão sob intenso ataque da internet. No Brasil, a maior mostra foi dada no dia 1º […]
Da Redação
Publicado em 22 de março de 2017 às 12h57.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h10.
Em pleno 2017, já ficou claro que a televisão ao vivo não vai acabar (pelo menos não tão cedo), mas suas peças de resistência são cada vez mais escassas. Um de seus principais ativos, os campeonatos esportivos ao vivo, estão sob intenso ataque da internet. No Brasil, a maior mostra foi dada no dia 1º de março. Descontentes com o preço oferecido pela RPC TV, a subsidiária paranaense da Rede Globo, Atlético Paranaense e Coritiba recusaram a oferta da emissora e concordaram em transmitir os jogos entre os dois times digitalmente, pelos seus canais do Youtube.
A RPC havia oferecido 6 milhões de reais pelos direitos do Campeonato Paranaense, sendo 4 milhões a ser divididos entre o restante dos clubes na competição e 1 milhão para Atlético e Coritiba. Os dirigentes dos clubes argumentam que o valor é muito pequeno, já que outros torneios estaduais, como os campeonatos Mineiro e Gaúcho receberam 45 milhões e 38 milhões de reais, respectivamente, pelos direitos de transmissão.
Segundo Rodrigo Weinhardt, diretor de comunicação do Coritiba, a decisão não foi uma forma de retaliação à Globo. “Trata-se apenas de uma insatisfação com o valor oferecido pela emissora. Acreditamos que o produto vale mais”, diz. Para ele, a decisão de transmitir o jogo de forma autônoma pelas redes sociais foi alimentada pelo viés inovador, com perspectiva de trazer valor à marca do Coritiba e abrir novos canais de comunicação e transmissão — e, claro, lucrar com essa audiência.
Embora o clássico entre os dois times tenha tido bons números — foram 208.500 pessoas simultâneas assistindo ao vivo e mais de 8 milhões alcançadas — o faturamento foi modesto. Segundo o Coritiba, foi o suficiente apenas para cobrir os custos de operação, contando com a ajuda do patrocínio de empresas locais. “O ganho foi totalmente institucional e de conceito” afirmou Weinhardt.
Para Mario Celso Petraglia, presidente do conselho do Atlético Paranaense, a experiência foi ótima para o clube, que está disposto a repetir futuramente a oportunidade. “Esse tipo de evento e transmissão nos permite prestigiar o torcedor no mundo todo”, disse.
As transmissões esportivas pela internet começaram a ganhar força em 2014 e já contemplam de esportes de massa, como basquete e vôlei, até o polo aquático. Mas a hegemonia da televisão nos eventos esportivos está ameaçada? Ou esses episódios vão continuar sendo esporádicos?
O pano de fundo, estimulado por serviços de streaming como o Netflix, é a degradação do conceito de grade de programação, que deu lugar à liberdade de escolha. Até mesmo a maior emissora de TV aberta do país, a Globo, lançou o Globo Play, um aplicativo que disponibiliza assinatura de vídeos e de capítulos inteiros de novelas. Os campeonatos esportivos se mantém firmes e fortes na grade por um motivo muito simples: obrigam os espectadores a sentarem na frente da TV em determinado horário.
Parecia um terreno seguro para as emissoras tradicionais, tanto de sinal aberto quanto por assinatura. Até que a rede social decidiu entrar no jogo. O Facebook, por exemplo, vem tentando firmar contratos com a Master League Baseball, o campeonato de baseball americano, para transmissão ao vivo de um jogo por semana. A Liga Mundial de Surfe já fechou contrato com a rede social para a transmissão de todas as etapas da elite da categoria, masculino e feminino, e os eventos de ondas gigantes, o Big Wave Tour.
Consultores veem no acordo uma forma de atrair mais gente jovem a assistir à MLB e também uma maneira de o Facebook expandir suas operações ao vivo, que no último ano viraram uma prioridade, com mais de 100 funcionários designados exclusivamente para melhorar o sistema de transmissão e levá-lo para todas os usuários da plataforma. De acordo com informações do jornal Wall Street Journal, a rede social pagou mais de 100 milhões de dólares a famosos e influenciadores para que fizessem vídeos ao vivo na plataforma, tentando difundir a novidade.
Desde o ano passado, o Twitter, que se proclama uma “segunda tela”, com a repercussão do que as pessoas assistem ao vivo, fez uma parceria com a liga de futebol americano, a NFL, para transmissão de jogos pela plataforma.
O primeiro jogo transmitido em conjunto pelo Twitter e pela NFL, entre o Buffalo Bills e o New York Jets, foi visto por 2,1 milhões de pessoas em todo mundo —bem abaixo dos 48,1 milhões de espectadores ligados pela rede de TV CBS. Segundo Fiamma Zarife, diretora do Twitter no Brasil, as transmissões da NFL superaram as expectativas da plataforma e atraíram 10 milhões de visualizações únicas. “A média das transmissões foram de 3,5 milhões de visualizações únicas por jogo. E o Brasil é o maior mercado fora dos Estados Unidos a comentar os jogos pelo Twitter”, afirma.
Embora as transmissões via Twitter sejam incipientes, no último trimestre do ano passado foram 600 horas de conteúdo ao vivo, cobrindo 400 eventos e alcançando 31 milhões de usuários únicos. Do total, foram 52% de programação esportiva, 38% de notícias e política e 10% de entretenimento. Além da NFL, eventos que marcaram a plataforma foram a apuração das eleições americanas, com 7,5 milhões de visualizações e a posse do presidente Donald Trump, com 8,6 milhões. Segundo Zarife, o conteúdo ajuda a oferecer valor aos parceiros da plataforma e aumentar seu alcance globalmente.
Dados da consultoria Zenith Optimedia apontam que o mercado digital de vídeo deve crescer pelo menos 20% até o final de 2018, faturando cerca de 30 bilhões de dólares por ano. Já a consultoria de marketing Magna Global estima um crescimento anual de 30% na transmissão de vídeos, que deve ser o motor da indústria digital de venda de anúncios no final da década. A publicidade em meio digitais teve um aumento de 15% em 2016, com um faturamento de 170 bilhões de dólares. As vendas em vídeos cresceram 35%.
A TV vai entregar os pontos?
Em 2014, o então editor executivo de esportes da TV Globo, Marcelo de Campos Pinto, participou de um painel de discussão na faculdade de direito da Universidade Harvard onde afirmou que a TV ainda era “a melhor plataforma de marketing para os esportes”. Mas, mesmo naquela época, Campos Pinto sabia que, eventualmente, a TV encontraria um concorrente de peso. “Para sobreviver, a TV vai ter que viver com o conceito de TV em qualquer lugar, qualquer dispositivo. A grande questão nesse sentido é quando haverá a mudança do faturamento, da televisão para os meios digitais”, afirmou. Procurada, a Globo não deu entrevista.
É esperado que isso aconteça este ano. O faturamento da publicidade digital deve ultrapassar o da TV, tornando-se o principal veículo de difusão de propaganda. A consultoria Magna estima que o mercado digital alcance 192 bilhões de dólares, 39% da fatia do mercado, ante 178 bilhões de dólares da TV, 36% do mercado global. Isso deve acontecer também nos Estados Unidos, um dos principais mercados de publicidade, onde os anúncios digitais devem alcançar 72,1 bilhões de dólares.
Para Leonardo Lenz Cesar, vice-presidente de esportes da companhia de mídia Turner e um dos fundadores do canal Esporte Interativo, é preciso lidar com a realidade e se adaptar para o mundo digital. Segundo ele, o Esporte Interativo, embora hoje seja um canal já difundido e com programação nos fornecedores de TV a cabo, tem na raiz a questão digital: o EI explodiu em 2015 quando adquiriu os direitos de transmissão da Liga dos Campeões na TV fechada do Brasil por 130 milhões de dólares e passou a transmitir os jogos semanalmente via Claro TV ou assinatura digital via EI+, o canal de transmissão online do Esporte Interativo.
“Há uma verdade universal sobre a transmissão esportiva: as pessoas querem assistir na melhor tela e definição disponível. A TV vai continuar sendo um predileto”, afirmou Lenz Cesar, que acredita que grupos de mídia digital como Twitter, Facebook ou Amazon não irão partir para a briga da compra de direitos de transmissão. “Eles precisam de canais, do Esporte Interativo, pois geramos engajamento e conteúdo” diz.
Lenz Cesar afirma que a publicidade pode até estar migrando, mas essa não é uma questão binária: é preciso conviver e criar parcerias no mundo digital. “Provavelmente as transmissões do futuro se construirão em conjunto. O mundo mudou e é preciso acompanhar isso”, diz
Para Petraglia, dirigente do Atlético Paranaense, a competição entre a transmissão digital de futebol e a transmissão televisiva é uma realidade distante. “Os clubes já comprometeram a venda de direitos dos jogos até 2024. Não acredito que o modelo digital será viável no curto prazo”. No final de fevereiro, Reed Hastings, presidente e cofundador do Netflix, fez uma profecia durante uma feira de tecnologia em Barcelona, na Espanha. “Em 10 ou 20 anos, 90% do que as pessoas vão assistir a esportes online”, disse.
É muito cedo para decretar a morte dos esportes na TV, mas as é bom as emissoras se cuidarem.