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Brasil digital

Um plano para tornar o país uma potência da Era da Informação

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h41.

As sociedades modernas estão se organizando de forma totalmente nova com as redes digitais. Ao ligar pessoas nos lares e locais de trabalho, empresas e filiais espalhadas por vários países, diferentes partes das cadeias produtivas, dentro da empresa ou entre os clientes e fornecedores, essa verdadeira malha mundial de comunicação e de ações virtuais dá um novo sentido ao termo globalização. Essas redes podem ser de natureza pública, como a internet, ou privada, como uma intranet empresarial.

Três inovações tecnológicas recentes permitiram e aprofundaram esse fenômeno de integração mundial: a digitalização do som e da imagem, o desenvolvimento tecnológico do setor de microeletrônica e a transmissão das informações por ondas de rádio de alto espectro e por redes de fibra óptica. A digitalização do som e da imagem permitiu transformar essas formas humanas de linguagem em sinais digitais nos microcircuitos de um computador. O desenvolvimento da microeletrônica fez que a velocidade de processamento dos computadores crescesse de forma extraordinária, em paralelo com uma queda generalizada dos preços. Mesmo agora, quando as limitações tecnológicas no processo de redução do tamanho e da capacidade de processamento dos microcircuitos baseados em camadas de silício pareciam estar pondo um fim a esse processo, uma nova fronteira se abre com a utilização do átomo de carbono como elemento condutor dos impulsos elétricos.

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Finalmente, as tecnologias de transmissão das informações pelas ondas de rádio de alta freqüência e pelas modernas redes de fibra óptica aumentaram exponencialmente a velocidade de circulação das informações pelas redes digitais, além de reduzir de forma importante os custos da infra-estrutura física. Os mais otimistas analistas do setor dizem que o homem está ainda no começo da utilização do potencial tecnológico nessa área. Tudo isso faz supor que a utilização das redes digitais na vida de todos nós será ainda muito maior no futuro. Portanto, não se pode pensar o mundo dentro de algumas décadas sem que países como o Brasil estejam inseridos nesse processo de integração econômica, social e política que vamos viver.

O primeiro passo para que o Brasil se integre ao mundo digital é ter uma infra-estrutura física básica. Essa plataforma de telecomunicações e transmissão de dados precisa ser, num país com a dimensão do Brasil, abrangente na sua extensão e plural na sua complexidade tecnológica. Só assim ela pode chegar a todos os brasileiros, mesmo aos que vivem nas regiões mais afastadas e fora do circuito principal das atividades econômicas. É evidente que as tecnologias mais avançadas tendem a ser usadas apenas nas regiões mais desenvolvidas e que apresentem densidades mais expressivas de utilização da plataforma física. Se isso ocorresse em um país profundamente dividido entre ricos e pobres, os mais ricos se tornariam ainda mais ricos e os mais pobres cada vez mais pobres.

No processo de privatização da Telebrás, essa preocupação foi o ponto central do modelo idealizado e implementado sob o comando do ministro Sérgio Motta. Separando os serviços de telecomunicações entre natureza pública e natureza privada, ele jogou as sementes de um sistema que pretende lançar mão das redes digitais como fator de homogeneização social, não como um instrumento a mais de aprofundamento das diferenças sociais e econômicas existentes. Os compromissos de universalização e as regras para controle dos preços dos serviços na rede de natureza pública existentes nos contratos de concessão são mecanismos eficientes na busca desses objetivos. Outro instrumento criado com o mesmo objetivo foi o Fundo de Universalização dos Serviços de Telefonia (Fust), formado com recursos gerados por uma taxa de 1% aplicada sobre o faturamento das empresas de serviços de telecomunicação, para financiar a universalização do acesso à internet e a outras redes de comunicação pelos brasileiros com menor renda. Estima-se a arrecadação anual em cerca de 1 bilhão de reais.

A plataforma brasileira de telecomunicações terá sempre essa característica dual. De um lado, uma rede de serviços de natureza pública, capilar, alcançando as mais remotas aglomerações urbanas do país, com a utilização de tecnologias modernas, mas não de ponta, com competição entre os concessionários e uma regulação administrativa mais forte por parte da Anatel. De outro, um sistema de serviços privados que vai se utilizar de tecnologias de ponta, dentro de um processo de grande competição entre os provedores de serviços, permitindo que os preços pagos pelas empresas brasileiras estejam em linha com os praticados nos países desenvolvidos.

Vencida a questão da construção de uma plataforma física, moderna e competitiva, dois grupos de desafios devem ser enfrentados para integrar nossa sociedade nessa malha virtual que se desenvolve mundialmente. O primeiro está relacionado com as atividades econômicas strictu senso, envolvendo as empresas e suas cadeias de produção e de distribuição para o mercado consumidor. O segundo trata das questões relativas à homogeneização social dos benefícios desse novo paradigma e envolve diretamente o cidadão e suas associações de natureza política e social. São dois caminhos que interagem entre si, para cobrir todo o tecido social e político brasileiro.

Desafios no campo econômico

Nesse campo, o desenvolvimento das redes digitais tem-se dado numa velocidade bastante grande, empurrada pela dinâmica econômica dos últimos anos, criada com a abertura e a modernização de nosso espaço econômico. Entretanto, devemos enfrentar ainda alguns desafios para que nosso país possa acompanhar o desenvolvimento que se verifica nas nações mais avançadas. Felizmente, para nós, a ruptura da bolha especulativa com ações das empresas de tecnologia nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia vai provocar uma pausa, que pode ser longa, nesse processo. O Brasil terá a oportunidade de acelerar as transformações e de se aproximar com mais rapidez do mundo desenvolvido. Os maiores problemas a enfrentar são:

Construção de uma institucionalidade microeconômica que permita a utilização eficiente e competitiva do potencial operativo das redes digitais. Por institucionalidade microeconômica entenda-se o conjunto de leis e regulamentos que regem o funcionamento dos vários mercados de fatores de produção e que refletem ainda no Brasil o velho paradigma produtivo do passado. A reforma mais importante nesse sentido é certamente a que vai tratar da adaptação de nosso sistema tributário à realidade das cadeias produtivas com etapas de produção localizadas fisicamente em vários países. Para que o Brasil se capacite a receber em seu território unidades dessas cadeias, participando do processo de integração comercial, que é a marca da economia mundial moderna, é necessário que o sistema de impostos não seja muito diferente do padrão utilizado nos países do Primeiro Mundo. Além disso, a tributação na importação e na exportação de componentes ou do produto final precisa também de um tratamento homogêneo com os existentes nos países que representam uma alternativa produtiva ao Brasil.

Outra convergência que precisará ser obtida diz respeito ao custo do crédito interno. Aqui, mais uma vez, precisaremos nos aproximar dos juros internos dos nossos competidores, atualmente muito mais baixos que os nossos. Felizmente, o ponto mais frágil da conjuntura econômica brasileira de hoje, uma taxa de câmbio depreciada e altamente volátil, não afeta nossa competitividade. Pelo contrário, o real fraco serve como um fator a mais para fortalecer nossa posição nesse mercado tão competitivo. Também a legislação trabalhista precisa convergir, principalmente em relação à flexibilidade do emprego, para o paradigma das economias que competem com o Brasil na busca de etapas de produção dos segmentos mais modernos.

Homogeneização de nosso quadro legal com o que está sendo construído nesse verdadeiro mercado virtual de produção e distribuição de bens formado pelas empresas ligadas pelas redes digitais. Na construção dessas cadeias de produção ao redor do mundo, a homogeneização do quadro legal é fundamental para não gerar tensões adicionais e de difícil controle nos processos de gestão administrativa e de logística.

Construção de uma malha física de infra-estrutura econômica que permita que as atividades de logística, fundamentais ao funcionamento dessas redes produtivas e de distribuição de fortes traços de virtualidade, possam ser realizadas com eficiência e a custo competitivo. Um exemplo forte desse desafio é o processo de liberação alfandegária na entrada e saída de componentes e matérias-primas. Outro ponto de fragilidade de nossa posição em relação a outros países é a existência de alguns gargalos na oferta de insumos de produção, como é o caso da energia elétrica.

Desafios no campo social

No campo social, os maiores desafios dos próximos anos dizem respeito à adaptação das políticas públicas do governo em resposta às questões colocadas por essa nova agenda digital para a homogeneização da sociedade brasileira. Nesse setor, não contamos com a força dinâmica dos mercados, como ocorre na formação das redes privadas. Para que não aconteça no Brasil o fenômeno conhecido como digital divide a sociedade dividida entre os que vivem no mundo digital e os que estão fora dele , o governo deve agir com vigor no sentido de permitir que todos os brasileiros possam participar dos benefícios que o acesso a essas novas tecnologias traz à sociedade moderna.

O campo mais fértil para a atuação do governo é a educação e o treinamento profissional. Para os que estão, por razão de renda, educação ou localização, fora dos segmentos mais modernos do mercado de trabalho, essa será a única forma de participar do mundo digital. O sistema de educação pública fundamental já atinge praticamente a totalidade das crianças brasileiras. O aprendizado da informática e sua utilização no ensino tradicional será uma porta eficiente para que as novas gerações entrem no mundo digital. Evidentemente boa parte delas, por questões econômicas, irá abandonar o ensino público ao longo do caminho, e, com isso, estará afastada desse processo de forma definitiva. Mas a parcela, hoje grande, de crianças que passam da fase do ensino fundamental estará se credenciando para as atividades econômicas associadas ao mundo digital e abrindo espaço para um futuro melhor. Para esse grupo, o governo terá de desenvolver políticas e ações voltadas para a criação de cursos profissionalizantes de nível médio na área de informática e em outras afins. Será a melhor maneira de aproveitar os estudantes que, por razões econômicas, precisem se profissionalizar mais cedo.

O engenheiro e economista Luiz Carlos Mendonça de Barros foi presidente do BNDES (1995-1998) e ministro das Comunicações (1998). É hoje editor do site primeiraleitura.com.br e da revista República

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