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Bloisi, da Movile: falta ambição no Brasil

A empresa de conteúdo para celular Movile, de Campinas, é um dos raros casos de sucesso indiscutível do mercado brasileiro de tecnologia. Fundada há 18 anos, em Campinas, pelo baiano Fabricio Bloisi, a Movile começou com mensagens de SMS – de onde ainda vem boa parte de sua receita. Mas, aos poucos, foi diversificando os […]

BLOISI, DA MOVILE: o Facebook não é a melhor fonte de inspiração para os empreendedores brasileiros / Divulgação (iFood/Divulgação)
DR

Da Redação

Publicado em 13 de julho de 2016 às 19h26.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h00.

A empresa de conteúdo para celular Movile, de Campinas, é um dos raros casos de sucesso indiscutível do mercado brasileiro de tecnologia. Fundada há 18 anos, em Campinas, pelo baiano Fabricio Bloisi, a Movile começou com mensagens de SMS – de onde ainda vem boa parte de sua receita. Mas, aos poucos, foi diversificando os negócios, e os países. Hoje, tem escritórios nos Estados Unidos e na América Latina, e é dona de negócios como o aplicativo de entrega de comida iFood e a plataforma de jogos PlayKids. Também é campeã em aportes – no final de junho, recebeu mais 40 milhões de dólares do grupo sul-africano Naspers e do fundo Innova, de Jorge Paulo Lemann. Bloisi falou a EXAME Hoje sobre a estratégia da Movile e sobre o que falta para que o Brasil tenha mais empresas globais de tecnologia.

A Movile começou como uma startup e hoje está num prédio corporativo tradicional, tem centenas de funcionários. Como manter o jeitão dos primeiros anos?
Isso é fundamental. Tentamos manter um ambiente leve. Temos decoração inspirada em filmes, ping-pong, videogame. É importante se divertir. Eu acredito que pessoas apaixonadas fazem as coisas muito melhor e alcançam melhores resultados. Estamos num prédio bonito, mas não queremos ser formais. Queremos que as pessoas continuem testando e tentando. Chamo isso de organização ambidestra, que consegue ao mesmo tempo ter gente criativa e que consegue ser eficiente e entregar resultados. Muitas empresas, quando começam a ir mal, acendem as luzes e dizem ‘agora preciso inovar’. A Movile é o contrário. A gente está indo bem, e por isso eu tenho que inovar muito, tenho que testar muitas coisas, investir em novas empresas, testar novos produtos. Agora eu tenho espaço pra errar, agora eu tenho gente que pode testar coisas novas e fazer elas darem certo.

Qual é o maior objetivo da Movile?
A Movile é a maior empresa de serviços e aplicativos no celular. Nosso maior objetivo é tornar a vida de 1 bilhão de pessoas melhor por meio de nossos aplicativos, e a gente faz isso através dos quatro seguimentos em que a gente atua. Que são: conteúdo, comida, entretenimento e logística. Movile não é a marca que aparece pro usuário final, mas vários de nossos aplicativos estão no dia-a-dia de muita gente, como iFood, Playkids, Rápido, 99Motos, Truckpad.

Essa estrutura não tem nada a ver com os primeiros anos da Movile, fazendo serviço de SMS. As mudanças foram programadas?
Em espírito continuamos os mesmos; no que fazemos, não. Mas de que importa o que você faz? O mais importante da empresa é o espírito, a cultura, as pessoas. Os produtos mudam tudo o tempo inteiro. Aplicativos de entrega simplesmente não existiam há três anos. E agora é nosso negócio que mais cresce, o iFood. Então, a Movile mudou muito. Acho que esse é nosso ponto forte. Sempre tive um sonho de criar uma empresa muito grande que fosse líder global. Quando eu entrei na faculdade a brincadeira era que eu ia ser piloto ou fazer uma empresa e tornar ela tão grande que um dia vou poder pilotar um helicóptero e ir pilotando pra casa e pro trabalho. O sonho grande sempre esteve lá, eu só não sabia o que ia fazer pra isso.

Falta essa ambição global no empreendedor brasileiro? É esse o maior entrave pra não ter mais “Moviles”?
Estudei em Stanford, e qualquer aluno de lá que abre uma empresa com duas pessoas e 100.000 dólares de capital tem o objetivo de conquistar o mundo. Aqui no Brasil abrimos negócios que têm como objetivo resolver o problema dos restaurantes da avenida Paulista, por exemplo. A gente pensa pequeno, a gente sonha pequeno. Em Stanford você conhece pessoas que fizeram coisas muito grandes, e o tom é: ninguém é melhor do que ninguém. Você também pode fazer. Aqui, a gente endeusa o cara que está no Vale do Silício. As pessoas são excepcionalmente boas aqui. O que eles têm lá é um ecossistema mais saudável. Há muito dinheiro investido e muito mais troca de informação. A falta de informação é um dos maiores problemas do empreendedor brasileiros. As pessoas começam projetos aqui sem estudar tudo que saiu sobre o assunto no mundo inteiro. Olharam todas as empresas públicas similares? Leram os documentos públicos na internet sobre os congressos desse assunto? Não. É deprimente. Isso acontece com uma frequência horrível, alguém chegar aqui e dizer “eu tive essa ideia”, e a gente fala ” você viu a empresa A e B que fez coisa parecida no Vale ou a C que fez tal coisa na China?. Não dá pra chegar a lugar nenhum, né?

A falta de financiamento não é um problema concreto para as startups no Brasil na comparação com os Estados Unidos?
Comparar com o Vale é covardia. Um terço das startups do mundo estão lá. Isso ajuda a testar muitas coisas, pegar dinheiro de pessoas diferentes, aprender com gente que já investiu em outras empresas. Lá, uma única rua tem 400 empresas de venture capital. De fato, lá é incrível. Dito isso, não perdemos muito tempo reclamando do que é difícil de mudar. A estrutura de capital do Brasil vai demorar dez anos pra corrigir. A Movile, hoje, capta dinheiro fora. Mas, no começo, sem dinheiro, nos unimos a nosso principal concorrente em 2008, 2009 e 2010. Depois, com essa fusão, a gente levantou dinheiro e usou todo o dinheiro pra comprar nosso outro concorrente. Então em um ano e meio a Mobile cresceu três vezes só em fusões, e mais uma ou duas vezes com as sinergias criadas.

Escala é realmente importante nos negócios de vocês?
Em quase todos. Aí está outro aspecto da cultura brasileira. Há uma discussão acadêmica sobre manter o controle ou trazer dinheiro externo e diminuir a fatia do fundador. Os brasileiros têm dificuldade que entre dinheiro na sua empresa. Todo mundo quer manter o controle. Acontece que 99% das grandes empresas – com duas exceções, Google e Facebook – cresceram porque os fundadores se abriram para investidores e aceitaram suas condições. Ok, o Mark Zuckerberg não fez isso, porque ele é dono de uma das empresas que cresceu mais rápido em toda a existência humana. Acontece que todos os outros precisam captar 100, 500 milhões de reais, fazer um IPO pra conseguir mais dinheiro. O investidor vai ter controle, vai poder trocar o presidente. E isso é ótimo. Se você é um mal presidente, que seja trocado. O investidor vai poder bloquear alguma coisa – e daí, você é dono da verdade, não pode aceitar a opinião de ninguém? A Movile aceitou muito isso.

O Brasil precisaria de um Vale do Silício aqui?
É inacreditavelmente importante para o Brasil ter mais polos de tecnologia. O mundo vai mudar cada vez mais rápido. As oportunidades também serão muito maiores. Hoje, a Apple vale 500 bilhões de dólares. Nos próximos dez anos, teremos várias Apples. A inteligência artificial vai mudar o mundo de uma forma que vai ser difícil olhar pra trás e pensar como a gente vivia antes. A realidade aumentada vai mudar a interação humana e a forma como a gente se comunica, muito mais do que o Facebook mudou até agora. Drones vão mudar não só para as empresas de logística como as de entretenimento e esportes. Carros autoguiados e impressoras 3D também vão mudar a sociedade. Ainda tem a parte de biotecnologia, programação genética e tudo mais. Nenhuma das empresas líderes nesses temas é conhecida hoje. Elas podem vir do Brasil.

A Movile investe para ser uma delas?
Eu estou investindo em um monte de gente nessas áreas, pra dar certo daqui a cinco anos. Queremos liderar não só em smartphone. O nosso ciclo tem que ser no futuro, em realidade aumentada, inteligência artificial.

O senhor é de fato otimista. Mas e no curto prazo, o que pode dar errado pra Movile?
Eu fico um pouco triste pelo momento do Brasil, né. Eu viajo o mundo inteiro toda quinzena. Há dois anos, todo mundo dizia “que legal que o Brasil está indo tão bem”. Agora, eu chego em qualquer país do mundo, as pessoas perguntam “nossa, impeachment, desastre, quem é o presidente?”. Outra coisa que me deixa triste é que estamos investindo dezenas de milhões de reais ao redor do mundo… Ano passado, nossa vida ficou mais difícil, comecei o ano com dólar de dois pra um, terminei em quatro pra um. Você pode imaginar que meu plano de investir em dólar foi prejudicado pelo Brasil mais do que eu gostaria. Mas a saída é ir em frente.

(Lucas Amorim)

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A empresa de conteúdo para celular Movile, de Campinas, é um dos raros casos de sucesso indiscutível do mercado brasileiro de tecnologia. Fundada há 18 anos, em Campinas, pelo baiano Fabricio Bloisi, a Movile começou com mensagens de SMS – de onde ainda vem boa parte de sua receita. Mas, aos poucos, foi diversificando os negócios, e os países. Hoje, tem escritórios nos Estados Unidos e na América Latina, e é dona de negócios como o aplicativo de entrega de comida iFood e a plataforma de jogos PlayKids. Também é campeã em aportes – no final de junho, recebeu mais 40 milhões de dólares do grupo sul-africano Naspers e do fundo Innova, de Jorge Paulo Lemann. Bloisi falou a EXAME Hoje sobre a estratégia da Movile e sobre o que falta para que o Brasil tenha mais empresas globais de tecnologia.

A Movile começou como uma startup e hoje está num prédio corporativo tradicional, tem centenas de funcionários. Como manter o jeitão dos primeiros anos?
Isso é fundamental. Tentamos manter um ambiente leve. Temos decoração inspirada em filmes, ping-pong, videogame. É importante se divertir. Eu acredito que pessoas apaixonadas fazem as coisas muito melhor e alcançam melhores resultados. Estamos num prédio bonito, mas não queremos ser formais. Queremos que as pessoas continuem testando e tentando. Chamo isso de organização ambidestra, que consegue ao mesmo tempo ter gente criativa e que consegue ser eficiente e entregar resultados. Muitas empresas, quando começam a ir mal, acendem as luzes e dizem ‘agora preciso inovar’. A Movile é o contrário. A gente está indo bem, e por isso eu tenho que inovar muito, tenho que testar muitas coisas, investir em novas empresas, testar novos produtos. Agora eu tenho espaço pra errar, agora eu tenho gente que pode testar coisas novas e fazer elas darem certo.

Qual é o maior objetivo da Movile?
A Movile é a maior empresa de serviços e aplicativos no celular. Nosso maior objetivo é tornar a vida de 1 bilhão de pessoas melhor por meio de nossos aplicativos, e a gente faz isso através dos quatro seguimentos em que a gente atua. Que são: conteúdo, comida, entretenimento e logística. Movile não é a marca que aparece pro usuário final, mas vários de nossos aplicativos estão no dia-a-dia de muita gente, como iFood, Playkids, Rápido, 99Motos, Truckpad.

Essa estrutura não tem nada a ver com os primeiros anos da Movile, fazendo serviço de SMS. As mudanças foram programadas?
Em espírito continuamos os mesmos; no que fazemos, não. Mas de que importa o que você faz? O mais importante da empresa é o espírito, a cultura, as pessoas. Os produtos mudam tudo o tempo inteiro. Aplicativos de entrega simplesmente não existiam há três anos. E agora é nosso negócio que mais cresce, o iFood. Então, a Movile mudou muito. Acho que esse é nosso ponto forte. Sempre tive um sonho de criar uma empresa muito grande que fosse líder global. Quando eu entrei na faculdade a brincadeira era que eu ia ser piloto ou fazer uma empresa e tornar ela tão grande que um dia vou poder pilotar um helicóptero e ir pilotando pra casa e pro trabalho. O sonho grande sempre esteve lá, eu só não sabia o que ia fazer pra isso.

Falta essa ambição global no empreendedor brasileiro? É esse o maior entrave pra não ter mais “Moviles”?
Estudei em Stanford, e qualquer aluno de lá que abre uma empresa com duas pessoas e 100.000 dólares de capital tem o objetivo de conquistar o mundo. Aqui no Brasil abrimos negócios que têm como objetivo resolver o problema dos restaurantes da avenida Paulista, por exemplo. A gente pensa pequeno, a gente sonha pequeno. Em Stanford você conhece pessoas que fizeram coisas muito grandes, e o tom é: ninguém é melhor do que ninguém. Você também pode fazer. Aqui, a gente endeusa o cara que está no Vale do Silício. As pessoas são excepcionalmente boas aqui. O que eles têm lá é um ecossistema mais saudável. Há muito dinheiro investido e muito mais troca de informação. A falta de informação é um dos maiores problemas do empreendedor brasileiros. As pessoas começam projetos aqui sem estudar tudo que saiu sobre o assunto no mundo inteiro. Olharam todas as empresas públicas similares? Leram os documentos públicos na internet sobre os congressos desse assunto? Não. É deprimente. Isso acontece com uma frequência horrível, alguém chegar aqui e dizer “eu tive essa ideia”, e a gente fala ” você viu a empresa A e B que fez coisa parecida no Vale ou a C que fez tal coisa na China?. Não dá pra chegar a lugar nenhum, né?

A falta de financiamento não é um problema concreto para as startups no Brasil na comparação com os Estados Unidos?
Comparar com o Vale é covardia. Um terço das startups do mundo estão lá. Isso ajuda a testar muitas coisas, pegar dinheiro de pessoas diferentes, aprender com gente que já investiu em outras empresas. Lá, uma única rua tem 400 empresas de venture capital. De fato, lá é incrível. Dito isso, não perdemos muito tempo reclamando do que é difícil de mudar. A estrutura de capital do Brasil vai demorar dez anos pra corrigir. A Movile, hoje, capta dinheiro fora. Mas, no começo, sem dinheiro, nos unimos a nosso principal concorrente em 2008, 2009 e 2010. Depois, com essa fusão, a gente levantou dinheiro e usou todo o dinheiro pra comprar nosso outro concorrente. Então em um ano e meio a Mobile cresceu três vezes só em fusões, e mais uma ou duas vezes com as sinergias criadas.

Escala é realmente importante nos negócios de vocês?
Em quase todos. Aí está outro aspecto da cultura brasileira. Há uma discussão acadêmica sobre manter o controle ou trazer dinheiro externo e diminuir a fatia do fundador. Os brasileiros têm dificuldade que entre dinheiro na sua empresa. Todo mundo quer manter o controle. Acontece que 99% das grandes empresas – com duas exceções, Google e Facebook – cresceram porque os fundadores se abriram para investidores e aceitaram suas condições. Ok, o Mark Zuckerberg não fez isso, porque ele é dono de uma das empresas que cresceu mais rápido em toda a existência humana. Acontece que todos os outros precisam captar 100, 500 milhões de reais, fazer um IPO pra conseguir mais dinheiro. O investidor vai ter controle, vai poder trocar o presidente. E isso é ótimo. Se você é um mal presidente, que seja trocado. O investidor vai poder bloquear alguma coisa – e daí, você é dono da verdade, não pode aceitar a opinião de ninguém? A Movile aceitou muito isso.

O Brasil precisaria de um Vale do Silício aqui?
É inacreditavelmente importante para o Brasil ter mais polos de tecnologia. O mundo vai mudar cada vez mais rápido. As oportunidades também serão muito maiores. Hoje, a Apple vale 500 bilhões de dólares. Nos próximos dez anos, teremos várias Apples. A inteligência artificial vai mudar o mundo de uma forma que vai ser difícil olhar pra trás e pensar como a gente vivia antes. A realidade aumentada vai mudar a interação humana e a forma como a gente se comunica, muito mais do que o Facebook mudou até agora. Drones vão mudar não só para as empresas de logística como as de entretenimento e esportes. Carros autoguiados e impressoras 3D também vão mudar a sociedade. Ainda tem a parte de biotecnologia, programação genética e tudo mais. Nenhuma das empresas líderes nesses temas é conhecida hoje. Elas podem vir do Brasil.

A Movile investe para ser uma delas?
Eu estou investindo em um monte de gente nessas áreas, pra dar certo daqui a cinco anos. Queremos liderar não só em smartphone. O nosso ciclo tem que ser no futuro, em realidade aumentada, inteligência artificial.

O senhor é de fato otimista. Mas e no curto prazo, o que pode dar errado pra Movile?
Eu fico um pouco triste pelo momento do Brasil, né. Eu viajo o mundo inteiro toda quinzena. Há dois anos, todo mundo dizia “que legal que o Brasil está indo tão bem”. Agora, eu chego em qualquer país do mundo, as pessoas perguntam “nossa, impeachment, desastre, quem é o presidente?”. Outra coisa que me deixa triste é que estamos investindo dezenas de milhões de reais ao redor do mundo… Ano passado, nossa vida ficou mais difícil, comecei o ano com dólar de dois pra um, terminei em quatro pra um. Você pode imaginar que meu plano de investir em dólar foi prejudicado pelo Brasil mais do que eu gostaria. Mas a saída é ir em frente.

(Lucas Amorim)

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