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Aliança entre montadoras e petrolíferas está perto do fim, diz especialista

Para o indiano Vijay Vaitheeswaran, as fabricantes de carros vão em busca de combustíveis alternativos por causa dos custos ambientais e políticos

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h42.

O jornalista indiano Vijay Vaitheeswaran trabalha para a prestigiosa revista britânica The Economist e lançou, com seu colega Iain Carson, o livro Zoom - The Race to Fuel the Car of The Future (ainda sem previsão de lançamento no Brasil). Para ele, não há dúvidas de que a histórica aliança entre montadoras e empresas de petróleo está com os dias contados. Ele falou a EXAME de seu escritório, em Nova York.

Portal Exame - O senhor diria que a indústria automobilística está passando pela maior transformação da história?

Sim, acredito que estamos assistindo a uma grande transformação, a mais profunda nos cem anos de história da indústria, com a criação do Modelo T, da Ford.

Portal Exame - O que está por trás dessa mudança?

As montadoras e a indústria petrolífera viveram o século 20 em simbiose, ligadas pelo motor de combustão interna. Mas uma série de pressões simultâneas vai provocar mudanças profundas nessa relação. A primeira dessas pressões é geopolítica. A volatilidade dos preços do petróleo e sua ligação com a política do Oriente Médio se tornou muito aparente nos dois últimos anos, graças à guerra e à disparada do preço do petróleo para cem dólares o barril. Outra força importantes da mudança é, naturalmente, a questão ambiental, não só na poluição em países como China e Índia como os gases do efeito estufa. Tudo isso significa que estamos vendo uma série de razões pelas quais a indústria automobilística quer deixar o petróleo para trás.

Portal Exame - Mas ela quer mesmo deixar o petróleo para trás? Isso significaria uma ruptura, e indústrias não gostam disso.

De fato, a indústria é cautelosa, reacionária e evita riscos. Mas lembremos: ela não ganha dinheiro vendendo gasolina. Eles vendem mobilidade pessoal. A associação com a indústria do petróleo sempre teve custos políticos, ambientais, regulatórios e geopolíticos. Isso tem ficado claro, especialmente de dez anos para cá, e esse parceiro problemático começa a pesar. Além disso, a tecnologia de combustíveis alternativos melhorou muito de dez ou vinte anos para cá, graças em parte ao Brasil e suas inovações com o etanol e os motores flex. Com a célula de combustível e o hidrogênio, os carros híbridos e os elétricos, tecnologias alternativas ficam cada vez mais interessantes e recebem cada vez mais investimentos. A revolução que vem por aí não depende de uma só empresa, mas de duas décadas de trabalho duro de muita gente.

Portal Exame - O senhor acredita que a gasolina vá perder sua posição de combustível dominante ainda este século?

O petróleo sempre estará conosco. Não aceito a idéia de que ele vá acabar durante nossa vida. O problema do petróleo não é a escassez, é a concentração. Dois terços das reservas comprovadas estão nas mãos de apenas cinco países, todos eles no Oriente Médio. Os países da Opep estarão muito mais poderosos daqui dez ou vinte anos. O que deve ocorrer é que as alternativas serão cada vez mais importantes, e o petróleo não será mais o combustível dominante. Ele vai perder o poder de desestabilizar as economias do mundo.

Portal Exame - Mas esse entusiasmo todo com fontes alternativas não perde a força se o preço do petróleo cair repentinamente, como já ocorreu no passado?

Sim. Eu sou a favor de taxações sobre emissores de dióxido de carbono. Acredito que que os preços do petróleo vão continuar muito voláteis, mas na média tendem a subir mais, e não descer, como ocorreu nos colapsos de 1986 e 1998. Além disso, contar com altos preços do petróleo para justificar o investimento em energias limpas é uma falácia. Um sistema que dê ao petróleo o preço real que ele tem, contando o imenso impacto no meio ambiente, é a única maneira de viabilizar economicamente as energias alternativas. Eu defendo um sistema que não beneficie nenhuma tecnologia em particular, mas sim cobre dos combustíveis sujos o preço real que a sociedade tem de pagar por ele.

Portal Exame - Das várias alternativas existentes hoje o senhor diria que existe alguma favorita para ser o combustível do carro do futuro?

Procurar uma solução definitiva foi um erro clássico do passado. O Brasil tem um sucesso claro com o etanol da cana-de-açúcar. Mas não acredito que ele será uma solução para o mundo inteiro. Cada país ou região terá uma resposta própria, de acordo com suas condições naturais, seu desenvolvimento tecnológico. Na França, por exemplo, eles têm eletricidade barata, de origem nuclear. Lá talvez o carro elétrico seja uma boa solução.

Portal Exame - Muita gente acredita no hidrogênio como o combustível do futuro. O senhor concorda?

O hidrogênio tem um futuro brilhante, no longo prazo. Mas, como o Brasil, ele sofre com o estigma de ser eternamente apontado como o país do futuro  - e esse futuro nunca chega. O hidrogênio é uma promessa enorme, mas também tem desafios enormes para se viabilizar. Elas vão do custo das células de combustível à infra-estrutura de abastecimento.

Portal Exame - O senhor esteve no Brasil. Acredita que a segunda geração do etanol, o etanol de celulose, possa significar uma ruptura para a indústria brasileira?

No longo prazo, se o etanol de cellulose decolar, certamente vai substituir a cana-de-açúcar e o milho, simplesmente porque ele é mais eficiente e mais barato. Mas isso ainda pode levar uma década ou mais. Então, no curto prazo, a indústria brasileira tem um futuro brilhante pela frente. Os produtores brasileiros precisam ser inteligentes e fazer apostas defensivas no etanol de celulose.

Portal Exame - No seu livro o senhor menciona o filme "Quem matou o carro elétrico?". Afinal, quem matou a primeira experiência de carro elétrico da GM?

A versão original do carro elétrico surgiu mais de cem anos atrás. Em 1900 havia mais carros elétricos do que a gasolina nas ruas de Nova York. Nos anos 1990, ele surgiu de novo, mas a indústria e os consumidores estavam relutantes em aceitá-lo. Agora, porém, a tecnologia evoluiu. As baterias estão melhores, há sistemas de diagnóstico de bordo, motores híbridos, como os do Prius, da Toyota. Eu diria que, hoje, podemos esperar um resultado muito diferente para os carros elétricos em desenvolvimento. Mas, ao contrário do que ocorreu uma década atrás, agora eles terão de competir com os carros a álcool, biodiesel, hidrogênio, flex... Talvez o risco sejam os novos concorrentes. Mas isso é parte dos mercados competitivos. Agora, pelo menos, eu diria que ele tem boas chances de sobreviver.

Portal Exame - Existem muitas inovações vindo de empresas pequenas, de nicho, que inovam seja criando carros inteiros, seja desenvolvendo tecnologias específicas. O que isso representa para a indústria automobilística?

É uma tendência importante. Durante décadas a indústria foi muito verticalizada e controlou de forma estrita sua propriedade intelectual. As barreiras de entrada para os concorrentes eram muito altas. Hoje, as montadoras de Detroit terceirizam muita coisa. Há uma oferta de serviços terceirizados ao redor do planeta que torna muito mais fácil a vida de uma fabricante de carros. Veja o caso das sul-coreanas Kia e Hyundai. Elas se tornaram empresas excelentes em apenas 20 anos. As chinesas, e é claro a indiana Tata, contam com muita tecnologia desenvolvida em seus próprios países.

Portal Exame - O que significa o lançamento do Tata Nano para as grandes montadoras?

O carro da Tata pode representar uma ruptura enorme para o negócio das montadoras. Elas serão forçadas a produzir carros muito mais baratos do que planejavam. Talvez não tão baratos quanto o Tata Nano, mas a Ford e a Peugeot já reduziram seus preços dos modelos mais baratos para 5 000 dólares na China e na Índia. O que acontecer nesses dois mercados pode se espalhar pelo resto do mundo, com o surgimento de modelos mais simples e menos caros também no mundo rico. Isso é uma força poderosa, que pode fazer as montadoras reverem seus modelos de negócios.

Portal Exame - Mas parte do baixíssimo preço do Tata Nano se deve à economia de itens de segurança, por exemplo. Isso não é um retrocesso?

Se você puser lado a lado o Nano e um utilitário esportivo americano de 50 000 dólares, é claro que a comparação é injusta. Mas essa é a maneira antiga de pensar na indústria automobilística. Lembre-se de que 2 bilhões de pessoas no planeta nunca tiveram um carro. Suas famílias nunca nem sequer andaram em um carro.  Na Índia, o Nano vai substituir as perigosas motonetas. Eu sou indiano. Me lembro de, criança, andar em uma delas com meu pai, minha mão e minha irmã, os quatro equilibrados numa Vespa. Éramos considerados da classe média por poder andar de motoneta. O que a Tatá está fazendo é colocar um carro ao alcance dessas classes, que têm aspirações econômicas e de consumo. O novo carro é muito mais seguro do que uma Vespa. Acreditar o contrário é exatamente o que faz a indústria automobilística olhar só para trás e não entender novos modelos, que possam funcionar em países em desenvolvimento.

Provavelmente teremos uma "divisão de gerações", ou seja, países ricos dirigindo carros limpos e equipados com as novas tecnologias, enquanto os pobres continuarão queimando gasolina.

Os países se tornam verdes conforme vão enriquecendo. É só lembrar da Inglaterra dos romances de Charles Dickens. Londres era uma cidade imunda, por causa da queima de carvão para o aquecimento. Não acredito que o fato de que países que deixem a pobreza não possam ser tão limpos quanto os mais ricos do planeta. Países como Índia, China, Brasil e África do Sul tem mercados pujantes, que estão atraindo muitos investimentos externos e que pode se aproveitar das mais novas tecnologias, dando um salto sobre as alternativas mais sujas. Não se esqueça: o Brasil está muito à frente dos Estados Unidos quando se fala em energia limpa. O país tem hidrelétricas e etanol.

 

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