Revista Exame

Kenvue: uma novata de 135 anos

Heloisa Glad fala sobre o legado que a Johnson & Johnson deixou para a companhia de consumo

Heloisa Glad: à frente da operação brasileira da Kenvue, antiga unidade de consumo da Johnson & Johnson (Leandro Fonseca/Exame)

Heloisa Glad: à frente da operação brasileira da Kenvue, antiga unidade de consumo da Johnson & Johnson (Leandro Fonseca/Exame)

Raquel Brandão
Raquel Brandão

Repórter Exame IN

Publicado em 28 de julho de 2023 às 06h00.

Última atualização em 3 de agosto de 2023 às 14h37.

Meses de vida e mais de 15 bilhões de dólares de faturamento anual é uma combinação muito improvável para uma empresa. Mas que se aplica à Kenvue, e não sem razão. A novata, na verdade, é bastante experiente: já passou dos 135 anos. Negociada na Nyse, em Nova York, desde maio de 2023, a empresa nasceu da decisão do gigante ­Johnson & Johnson de separar sua unidade de consumo. Na maior mudança da história da empresa, a J&J passou a concentrar seus esforços nas divisões farmacêutica e de dispositivos médicos, enquanto a Kenvue (uma junção curiosa de ken, que em inglês tem a ver com conhecimento, e o som da palavra view, que significa visão) se dedica aos cuidados diários. Ou seja, ficam na Kenvue produtos como os talcos e xampus para bebês Johnson’s Baby, o medicamento para febre Tylenol e o Band-Aid — que virou sinônimo de categoria para curativos adesivos.

Com uma herança centenária, a empresa tem o desafio de preservar o legado, mas também avançar com as próprias pernas. Isso com mais de 90% do capital ainda sendo da J&J. Ao sair de casa, a Kenvue quer autonomia, o que passa por uma agenda estratégica para cada uma das 45 marcas globais e pelo fortalecimento das principais operações dos 165 países em que atua. É nesse contexto que a operação brasileira ganha relevância. Se na antiga estrutura da J&J o Brasil era só o oitavo mercado, na Kenvue ele é o quarto maior. Com 20 marcas no Brasil que, além de Johnson’s Baby, Tylenol e Band-Aid, incluem Listerine, Neutrogena e Sempre Livre, a empresa tem o objetivo de aumentar a taxa de penetração nos lares brasileiros: a cada dez residências, pelo menos sete têm algum produto do grupo.

A receita para isso está em intensificar lançamentos, a fim de antecipar necessidades do consumidor. “A agenda de inovação sempre existiu, mas agora queremos acelerar. Principalmente no Brasil, que, dada a sua importância, tem de crescer o dobro do restante do mundo”, diz Heloisa Glad à EXAME em sua primeira entrevista à frente da operação da Kenvue no Brasil. Glad assumiu a vice-presidência comercial da Johnson & Johnson Consumer Health em maio de 2022 e, desde maio deste ano, lidera a nova empresa no país. “Queremos que as inovações contribuam com 40% de nosso crescimento.”

Com mais de 14 anos de experiência na fabricante de cigarros Philip Morris e dois anos e meio na Reckitt, fabricante de Veja e outros produtos de limpeza, Glad conhece diferentes ocasiões de consumo do brasileiro e a complexidade gerada pela pulverização do varejo no país. Para muito além da mudança de identidade do andar administrativo da Kenvue no prédio da J&J na zona sul de São Paulo — em que o vermelho tradicional da marca-mãe vai dando espaço ao verde —, na lista de prioridade está ganhar espaço nos supermercados e farmácias, sejam de grandes redes, sejam regionais, enquanto se intensifica, também, a relação com distribuidores e atacadistas. Para isso, aumentou a equipe de vendas e colocou um alvo ambicioso: elevar para 20.000 o número de pontos de venda e expandir, entre dois e três anos, em 50% a presença no canal alimentar (mercados de bairro, supermercados e atacarejos). “Empresas muito grandes, com o tempo, tendem a olhar muito para dentro. Agora também olhamos de fora para dentro, para adequar a forma de trabalhar ao que o cliente espera de nós.”

Skin360: ferramenta tecnológica identifica áreas do rosto que precisam de cuidado (Divulgação/Divulgação)

O que é a Kenvue, afinal? O que muda deixando de ser a unidade de consumo da Johnson & Johnson para ser uma empresa à parte?

Ela vem da família Johnson, que é uma referência de qualidade. Nossos produtos são referência na maioria das categorias em que atuamos globalmente, as marcas líderes são referências de categoria. Trazemos esse legado de excelência e ciência por trás dos produtos. Isso é uma fortaleza que a gente carrega pelo fato de ter sido Johnson & Johnson. Mas agora nós somos puramente uma empresa de bens de consumo. Isso traz uma mudança importante na agilidade com que se trabalha, porque na área de bens de consumo a dinâmica é outra. É preciso seguir intensificando as inovações para os nossos consumidores. Para isso, redefinimos nosso propósito, que é garantir o cuidado extraordinário das pessoas todos os dias. Temos de ter o portfólio com produtos que cuidem da pessoa desde o momento em que ela nasce. Nós já nascemos uma empresa de 15 bilhões de dólares e seguimos sendo, em termos de faturamento, a empresa líder global em cuidado e saúde. Trazemos conosco tanto desenvolvimento de produto quanto ciência e tecnologia, que não é algo que está começando do zero.

Carregar o legado e ganhar agilidade, certo? E como isso muda a operação do que era a Johnson & Johnson no Brasil, onde vocês já operam há 90 anos, para a Kenvue brasileira?

Hoje, as empresas que têm sucesso dentro do contexto de bens de consumo são as que sabem ler bem as necessidades do consumidor. Para isso você precisa entendê-lo intimamente. E precisa ter essa habilidade de antecipar as necessidades e responder ao que ele quer, né? Num mercado como o Brasil, esse é um movimento muito positivo. Nós passamos a ser a quarta maior afiliada da Kenvue para o mundo. Mundialmente, o Brasil é a nona economia, mas para a Kenvue nós somos a quarta. Então, é claro que a gente sabe que isso vem com muita responsabilidade, mas também há muita oportunidade. Hoje a nossa agenda é expandir o crescimento através de inovação no Brasil, utilizando toda a capacidade instalada que temos aqui. A fábrica anteriormente da ­Johnson & Johnson, em São José dos Campos (SP), é hoje da Kenvue. Além disso, temos um centro de pesquisa e desenvolvimento no Brasil. Existem cinco centros desse no mundo, e nós temos um aqui.

A relevância do Brasil então cresce com a mudança para a Kenvue...

Somos o motor de crescimento da América Latina, responsáveis por mais da metade do crescimento na região. Temos a ambição de crescer por meio de nossas quatro principais marcas o dobro do que as categorias crescem no Brasil. São metas muito ambiciosas, que vêm, obviamente, com muito esforço e investimento por trás. Essas quatro principais marcas são Neutrogena, Tylenol, Listerine e Johnson’s Baby. Nós temos no Brasil uma penetração em torno de 72%, só que ela está distribuída entre todas as nossas marcas. Quando olhamos algumas das marcas e alguns dos segmentos em que atuamos, vemos a diferença. Por exemplo, saúde bucal, que é o caso de Listerine. A penetração é abaixo de 20% no Brasil. Agora com Listerine sendo uma categoria foco, temos um espaço de expansão enorme. É uma oportunidade de atuar aqui de uma forma diferenciada, de fazer um trabalho educacional, para que as pessoas entendam essas categorias.

Vocês terão quatro marcas como foco, mas o que vai acontecer com o restante? Vocês vão sair de outras categorias?

Não. Por exemplo, nós somos a empresa que criou a categoria de cuidado e proteção solar com Sundown. Apesar de não ser uma marca dentro dessas quatro, é uma referência e vai continuar contribuindo para os nossos resultados. A mesma coisa com Hipoglós, Band-Aid, Cotonete... São marcas contribuidoras para o nosso portfólio e elas seguem existindo. O importante é saber que essas marcas principais vão receber a maioria dos investimentos. Mas temos Sempre Livre, em que a saúde feminina para nós é um segmento superimportante aqui no Brasil, por exemplo.

E quais foram os critérios para definir essas quatro marcas principais?

Essas escolhas têm a ver com a relevância que elas já possuem aqui na nossa região, alinhadas com a relevância global e também com a empresa. Em termos de potencial de crescimento, elas já alcançaram uma representatividade importante, mas ainda têm muito espaço para crescer. Vai muito, também, ao encontro do que o consumidor quer. Neutrogena, por exemplo. Se você olha o consumidor aqui no Brasil, ele está cada vez mais preocupado com a saúde e se cuida cada vez mais. Então, a tendência é que essa marca siga crescendo, assim como queremos impulsionar o crescimento da categoria.

Há o desafio também de fazer o consumidor entender que aquele produto que ele sempre conheceu como Johnson & Johnson agora é Kenvue, não?

Se olhar a embalagem, ele vai ver que a fabricante é Kenvue. Mas o nome das marcas, a referência de marca e a identidade não alteram. Inclusive como parte dessa mudança, temos alguns anos, se não me engano até 2026 ou 2027, para fazer a transição completa de Johnson’s Baby. Nem nós sabemos como vai ficar, porque Johnson é uma marca muito importante. E essa é uma pergunta que as pessoas têm. Vamos ter um tempo para fazer essa transição, que eu nem sei se vai acontecer. Então isso são cenas dos próximos capítulos. Mas com relação às outras marcas nenhuma vai ser impactada. Vamos, claro, fazer um trabalho bastante intensivo de criar essa identidade de marca como Kenvue para o mercado como um todo, para associá-la com novos valores e comportamentos.

Made in Brazil: a fábrica e o centro de pesquisas ficam em São José dos Campos (SP) (Divulgação/Divulgação)

Mas como transmitir essa mensagem sem perder a confiança do consumidor, que já conhece a marca Johnson & Johnson há mais de 100 anos?

A primeira coisa é trazer muito mais inovação para o consumidor. Mas inovação relevante. Se olharmos a forma como vínhamos inovando no passado e projetarmos o futuro que queremos, vemos que o caminho é inovar de uma forma muito mais ágil, trazendo mais novidades e respondendo às necessidades do consumidor. Outro ponto é que temos um compromisso muito forte com a saúde das pessoas e em garantir o acesso dos consumidores aos nossos produtos. Por exemplo, Listerine é um produto que paga o imposto de um cosmético aqui no Brasil, mesmo sendo um produto que cientificamente é comprovado para a saúde bucal. Então, vamos ter um trabalho enorme de criar conscientização perante os órgãos regulatórios, para que isso seja refletido no imposto adequado, e o produto possa estar acessível para mais pessoas. Esse é um exemplo de atitude Kenvue, de liderança e protagonismo. Outra frente é a presença de produto. Não podemos aceitar que em certas regiões os nossos produtos não estejam presentes. O ponto de supply chain é importante. Temos a obrigação de garantir que esses produtos não tenham nenhuma ruptura no nosso mercado.

A pandemia trouxe essa necessidade para as indústrias de rever suas cadeias. O que vocês estão fazendo nesse sentido? Existe uma busca por mais insumo nacional na produção?

Estamos passando por um processo de revisão de todo o nosso supply chain, visando uma otimização da cadeia. Acho que é um movimento que muitas empresas estão vivendo. Temos muitos fornecedores fortes nacionais e estamos revisando alguns dos globais para reduzir a dependência deles. Se temos ambição de seguir inovando mais rápido, temos de ter a cadeia muito mais na nossa mão, estar mais próximos. Mas temos o grande benefício de ter um percentual altíssimo da nossa venda aqui do Brasil. É tudo fabricado aqui, dependemos pouco do exterior. Nossa independência supera 85%.

Há, também, uma transformação do que é a gestão de negócio pré-pandemia para o mundo agora?

Um fator interessante é que estamos trabalhando bastante para sair de uma empresa muito grande, complexa e matricial para tentar ser mais conectada entre as funções. Um dos aspectos da transformação, e que é o meu papel, é integrar as funções: fábrica, marketing e vendas. Somos do mesmo negócio e está todo mundo trabalhando para o mesmo objetivo, com uma ambição bastante grande de crescer de forma acelerada, e isso requer uma liderança em várias frentes. Por exemplo, o acesso aos nossos produtos. Temos de estar ali na cabeceira defendendo por que nossos produtos estão disponíveis em todos os canais no Brasil e por que precisamos garantir um custo razoável para poder chegar de Norte a Sul do país. Questões de precificação também, né? Estamos vendo um cenário complexo no Brasil, de aumentos consecutivos de preços. É uma realidade que muitas indústrias estão vivendo e que tem um impacto no bolso do consumidor. Isso não é o ideal, então tentamos balancear entre o que conseguimos absorver e o que, de fato, temos de passar. Essa acessibilidade também é nossa ­responsabilidade.

Diminuir a ruptura, que você citou, depende da presença nos canais. A Kenvue vai ser mais digital? E como está fazendo para chegar às pequenas cidades do interior do país, por exemplo?

Nosso e-commerce está crescendo a duplo dígito, em especial com Neutrogena. O cliente hoje é on e off, ele escolhe a hora em que quer comprar no digital e a hora em que quer ir à farmácia na esquina da casa dele. Isso amplia muito a nossa visão com relação à presença. No Brasil, parte da complexidade do mercado é como ele é fragmentado no ambiente do varejo. O canal alimentar, por exemplo, é essencial para a maioria das indústrias, representa em torno de 30% a 40% das vendas. Então é um em que estamos buscando crescer. Há ainda as redes tanto de farmácias quanto de supermercados regionais, mas que são de muita relevância, e as lojas pequenas, que são servidas por meio dos distribuidores e atacadistas. Vamos ter em torno de uns 20.000 pontos de venda a mais neste ano. Temos um crescimento de 50% de pontos de venda desenhado para os próximos dois a três anos no canal alimentar.

Inovação é a palavra de ordem. Quão ágil a Kenvue vai ser e quanto essas novidades ao consumidor vão representar para o negócio?

Eu gostaria de chegar no máximo em seis meses ao mercado. Antes era mais lento e agora nós prevemos acelerar um pouco, mas é um processo. O consumidor vê que há uma novidade no mercado e pensa: “Poxa, por que a minha marca não trouxe isso para mim ainda? Será que eu vou ter de mudar de marca?” Então, não queremos criar esse espaço. Queremos esse consumidor, ele é nosso. Nós temos de trazer a solução e surpreender. E isso é por meio de um processo de agilidade forte. Trago comigo uma agenda de execução bem forte: de presença de loja, de chegar ao mercado com inovação de forma mais rápida e de simplificar processos. Empresas muito grandes, com o tempo, tendem a olhar muito para dentro. Agora também olhamos de fora para dentro, para adequar a forma de trabalhar ao que o cliente espera de nós. Por isso, esperamos que as inovações contribuam com 40% de nosso crescimento. A agenda de inovação sempre existiu, mas agora, na Kenvue, queremos acelerar. Principalmente no Brasil, que, dada a sua importância, tem de crescer a uma velocidade mais acelerada do que o restante do mundo. Tem de crescer o dobro, ser o motor de crescimento.


(Publicidade/Exame)


(Publicidade/Exame)


(Publicidade/Exame)

Acompanhe tudo sobre:Revista EXAMEEdição 1253

Mais de Revista Exame

Aprenda a receber convidados com muito estilo

Direto do forno: as novidades na cena gastronômica

"Conseguimos equilibrar sustentabilidade e preço", diz CEO da Riachuelo

A festa antes da festa: escolha os looks certos para o Réveillon