Humphrey Bogart e Ingrid Bergman em Casablanca: imagem envelhecida (Sunset Boulevard/Corbis/Getty Images)
Ivan Padilla
Publicado em 19 de agosto de 2021 às 05h24.
Última atualização em 19 de agosto de 2021 às 08h33.
Humphrey Bogart bebia de tudo, mas ficou famosa a cena em que ele pede um french 75, coquetel à base de champanhe e gim, em seu Rick’s Café, em Casablanca. Em O Pecado Mora ao Lado, o drinque pedido por Marilyn Monroe é o whisky sour. James Bond, em suas diversas encarnações, preferia vesper martini, uma variação do dry martini que, tudo indica, foi inventada pelo escritor Ian Fleming. Essas são imagens clássicas do cinema, mas já um tanto velhas, e não pelo desgaste da película. Remetem a um tempo em que se bebia muito, sem tanta atenção à qualidade, muitas vezes como demonstração de masculinidade e autoafirmação.
Não mais. Pesquisas mostram que os consumidores, principalmente os mais jovens, bebem hoje em menor quantidade e estão migrando para destilados com porcentagem menor de álcool. Neste ano, a Pernod Ricard lançou o gim Beefeater Light e o uísque Ballantine’s Light, com metade do teor alcoólico e metade das calorias. A Ambev acaba de abrir uma nova unidade de negócios de outros produtos que não cerveja. No portfólio estão bebidas mistas e uma hard seltzer. Bebe-se menos não só em relação à concentração de álcool mas também à quantidade, em boa parte devido à pandemia, que obrigou muitos bares a fechar as portas. O volume das vendas de bebidas caiu 22% no ano passado em relação ao anterior, de 714 milhões de litros vendidos para 556 milhões, de acordo com levantamento da Euromonitor International.
Bebe-se menos, mas bebe-se melhor. O mesmo estudo mostra que, apesar da queda de volume, a receita ficou no mesmo patamar. “Esses dados mostram o crescimento do segmento premium”, afirma Rodrigo Matos, analista de pesquisa de bebida, tabaco e cannabis da Euromonitor. “Sem viajar, uma parcela dos consumidores destinou essa renda extra para destilados mais caros, para momentos de indulgência.”
No geral, o consumo de bebidas está voltando a crescer neste ano. O último balanço trimestral da Diageo, em julho, mostra um aumento de 66% nas vendas no Brasil, em boa parte devido à boa performance do Johnnie Walker. É um dado que certamente foi brindado pelos executivos da multinacional.
A pandemia acelerou outras mudanças de comportamento. Voltou a onda de montar o próprio bar em casa, uma tendência dos anos 1970. Outro fenômeno hoje é o sucesso dos RTDs, abreviação em inglês de ready do drink, drinques prontos vendidos em garrafas. Uma pesquisa do International Wine & Spirit Research (IWSR) mostrou que esse segmento já é o segundo maior do mercado de bebidas dos Estados Unidos, atrás apenas de destilados e à frente de vinhos.
“Com as portas fechadas, muitos bares e bartenders encontraram nesse nicho uma forma de sobrevivência”, diz Marcelo Sant’Iago, editor no Brasil do conceituado Difford’s Guide. O próprio Sant’Iago empreendeu nessa área. No fim do ano passado ele abriu a Top Cocktails, com dois drinques clássicos, o gim fizz, com caldo de limão e açúcar, e o americano, uma versão mais leve do negroni, com água gaseificada no lugar do gim.
Os drinques prontos chegam para complementar, e não substituir, a experiência da coquetelaria. “Costumamos dizer que sua casa vai ser seu bar favorito depois de seu bar”, diz Sant’Iago. A dúvida que fica para o degustador de primeira viagem: um coquetel pronto pode ser comparado ao feito na hora? Esse é um paradigma que precisa ser desconstruído. Bares premiados do mundo inteiro já trabalhavam com drinques pré-preparados. “Uma vantagem é a consistência”, diz Sant’Iago. “No fim da noite o bartender pode estar mais cansado e errar alguma proporção. Se não levar ingredientes como frutas, a mistura pode ser armazenada por tempo quase ilimitado. É só colocar gelo e saborear.”