Revista Exame

Um bilionário com apelido de Bode puxou o tapete da CPFL

Na disputa empresarial mais animada do ano, a Energisa puxa o tapete da CPFL em sua tentativa de comprar o grupo Rede. Por trás da jogada está um dos bilionários menos conhecidos do Brasil


	Energisa: grupo com cinco distribuidoras, que atende 2,5 milhões de consumidores e fatura 4,1 bilhões de reais 
 (Divulgação)

Energisa: grupo com cinco distribuidoras, que atende 2,5 milhões de consumidores e fatura 4,1 bilhões de reais  (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 17 de janeiro de 2014 às 14h14.

São Paulo - Numa sala sem janelas no subsolo de um hotel cinco estrelas em São Paulo, no dia 5 de julho, a perplexidade era visível no rosto dos representantes da CPFL, maior empresa privada de energia elétrica do país.

Declarando os votos em voz alta, os credores do grupo Rede de energia, em recuperação judicial, rejeitaram a proposta de compra feita pela CPFL e sua sócia Equatorial em favor da apresentada por uma rival com um quinto de seu faturamento: a Energisa. A disputa pelo Rede havia se tornado a mais pesada do ano: representantes dos dois interessados trocaram acusações públicas e o suspense pairou até o último minuto.

A CPFL, que tinha assinado um contrato com o fundador do combalido grupo Rede, Jorge Queiroz, era tida como favorita. Mas, aos poucos, a proposta da Energisa foi ganhando adesões. “Chegar até aqui já foi uma vitória”, dizia Ricardo Botelho, presidente da Energisa, durante a assembleia de credores.

No fim da tarde, os credores escolheram sua proposta e deixaram a decisão nas mãos do juiz que coordena o processo de recuperação judicial do grupo Rede. Em 11 de julho, Queiroz assinou outro contrato de exclusividade, desta vez com a Energisa, o azarão que se tornou favorito.

Por trás da ousada investida da Energisa estava um dos menos conhecidos bilionários brasileiros, o investidor Antônio José Almeida Carneiro. “Bode”, como ficou conhecido no mercado financeiro, é o maior acionista da Energisa. Ao longo das últimas décadas, construiu um conglomerado que inclui, além da Energisa, uma incorporadora e uma gráfica.

Seu patrimônio é calculado em 2,4 bilhões de reais. Embora não seja responsável direto pela gestão da Energisa (a família Botelho tem 29% do capital e mais ações votantes), foi ele quem articulou, em julho, a entrada da gestora Gávea, fundada pelos primos Armínio e Luiz Fraga, no capital da Energisa.

Bode é amigo dos Fraga há mais de 20 anos, e a entrada da gestora foi apresentada aos credores como garantia da musculatura financeira da Energisa. O aporte para pagar os credores será de 1,95 bilhão de reais, seguido de investimentos de 1,1 bilhão de reais nas empresas.

Se a Justiça aceitar a proposta da Energisa, a empresa dobrará de tamanho. Bode será o maior acionista de uma empresa com 5,5 milhões de clientes e 13 distribuidoras de energia. A CPFL tem, hoje, 7 milhões de clientes. Será o maior passo de um mineiro que começou a carreira no mercado financeiro como caixa do banco Mercantil, na década de 60.

Chegou a gerente, mas largou tudo para ser operador de pregão numa corretora. Logo ganhou dinheiro suficiente para comprar, junto com o amigo Ronaldo Cezar Coelho — que faria mais tarde carreira política —, uma pequena participação na corretora Multiplic. Aos poucos, compraram o resto das ações.


A Multiplic ganhava dinheiro negociando títulos públicos para apostar em juros, inflação e câmbio. Como havia se tornado dealer — que faz a intermediação entre o Banco Central e os demais investidores —, ganhou prestígio e acabou obtendo autorização para comprar um pequeno banco.

Bode nunca desgrudou da mesa de operações e, em sua ascensão meteó­rica, ficou famoso por ignorar limites de risco. Fez apostas notadamente erradas. No início do Plano Real, concluiu que o dólar dispararia e encheu a tesouraria de títulos atrelados à variação do câmbio. Mas aconteceu o contrário e o Multiplic perdeu 70 milhões de reais. 

Como a aposta estourou todos os limites e o banco teve de ser capitalizado, Bode foi obrigado a se explicar aos executivos do britânico Lloyds, sócio que tinha 50% do Multiplic.

Mas, claro, ele acertou mais do que errou. A aposta mais lucrativa foi  prever o crescimento do crédito que viria com a estabilidade econômica. Em 1993, ele adquiriu a financeira Losango, especializada em crédito pessoal. A empresa cresceu rapidamente, atiçando a cobiça dos concorrentes.

Quando foi avaliada em 1,2 bilhão de dólares, Bode e Cezar Coelho acharam que era hora de vender. Os sócios ingleses eram contra, e os brasileiros decidiram sair do negócio em 1997, com 300 milhões de dólares cada um. Hoje, a Losango é do HSBC.

Com o dinheiro na mão, Bode continuou aplicando no mercado acionário — chegou a ter 35% do grupo de petróleo Ipiranga. Há sete anos, resolveu investir metade de seu dinheiro no setor elétrico.

Comprou a participação na Energisa do grupo americano Alliant, com o qual os irmãos Botelho, mineiros como ele, tinham atritos societários. A participação, que valia 152 milhões de dólares, vale hoje quatro vezes mais. Um ano depois, adquiriu a construtora João Fortes.  

Estilo discreto

Sua discrição rende episódios pitorescos. Em 2011, decidiu patrocinar o Bota­fo­go, seu clube do coração. Mas, como ninguém jamais tinha ouvido falar nele, era confundido com um torcedor qualquer nas reuniões entre a diretoria do clube e botafoguenses ilustres. Diverte-se jogando golfe e criando cavalos manga-larga em sua fazenda.


Muitas vezes seu jeitão de fazer negócios lhe rende manchetes indesejadas. Em 2012, teve parte das cotas do fundo que concentra seu patrimônio congelada pela Justiça pa­ra garantir a devolução de 155 milhões de reais ao Banco de Brasília. Bode foi condenado por vender ao banco papéis imo­biliários sem valor algum.

Seu advogado diz que ele foi tão prejudicado quanto o BRB e está acionando a Caixa Econômica Federal, cujo sistema atestou erradamente a validade dos títulos. Também no ano passado, a João Fortes foi acusada de construir prédios num terreno no Rio que teria documentação fraudada. A briga está na Justiça.

Se o juiz aceitar a proposta da Energisa, Bode e seus sócios terão pela frente desafios vultosos. A situação financeira e operacional das companhias do grupo Rede é péssima. Algumas distribuidoras, como a Cemat, de Mato Grosso, e a Bragantina, do interior de São Paulo, têm indicadores de qualidade ruins.

Existe também o risco de surgirem à frente novos passivos. Finalmente, é grande a chance de credores estran­geiros contestarem a decisão, o que levaria a Energisa a entrar numa batalha jurídica por anos. Nada, porém, suficiente para estragar a festa do bode.

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