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São Paulo larga na frente com retomada da venda de imóveis

Capital paulista ensaia reversão de tendência que pode se espalhar pelo País nos próximos meses

São Paulo: capital paulista larga na frente na recuperação, puxada por topo e a base da pirâmide (Cássia Roriz/Exame)

São Paulo: capital paulista larga na frente na recuperação, puxada por topo e a base da pirâmide (Cássia Roriz/Exame)

Beatriz Quesada
Beatriz Quesada

Repórter de Invest

Publicado em 26 de outubro de 2023 às 06h00.

Última atualização em 26 de outubro de 2023 às 14h38.

Enquanto a maioria das capitais brasileiras enfrenta um mercado de vendas de imóveis desaquecido, São Paulo ensaia uma reversão de tendência que pode se espalhar pelo País nos próximos meses. Segundo dados do Índice FipeZap+, a variação média das vendas na capital paulista subiu de 4,1% para 5,4% nos últimos 12 meses. Essa inclinação positiva tende a se consolidar com a continuidade da queda nos juros. O mercado de locação, por sua vez, não mostrou o mesmo vigor do ano passado, mas seguiu em alta, com a variação acumulada subindo para 14,2%. 

A capital paulista larga na frente na recuperação, puxada por dois segmentos opostos: o topo e a base da pirâmide. O primeiro impulso vem da alta renda, que tem se mostrado o segmento mais resiliente do mercado. Entra aqui o desejo pelo exclusivo: a escassez de terrenos deixou os valores mais salgados, rebalanceando os preços e tornando o setor mais aquecido.

“O mercado de luxo, que vende imóveis com valor acima de 3 milhões de reais, é o segmento que mais puxa a alta de preço: nele, o metro quadrado vendido gira em torno de 30.000 reais”, afirma Luiz França, presidente da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).

O segundo diferencial vem do campo oposto. São Paulo experimenta uma explosão na demanda por imóveis voltados para famílias de baixa renda, que se encaixam na faixa de preço do programa de habitação popular Minha Casa, Minha Vida. Essas moradias chegam a 30.000 novas unidades por ano na capital paulista. E há espaço para mais: a cidade possui um déficit habitacional de 625.000 imóveis para baixa renda e, nas contas da Abrainc, há uma demanda futura de 425.000 moradias do tipo nos próximos dez anos. Para somar ao apetite, a faixa de preços dos imóveis do programa foi atualizada em julho deste ano, com o limite passando de 264.000  para 350.000 reais.

A expectativa é que a força dos imóveis populares possa ser um termômetro para outras grandes cidades. “O desempenho do mercado de alta renda é bastante particular da capital paulista, mas a força das moradias econômicas pode ser replicada no restante do Brasil”, avalia Marcelo Dadian, vice-presidente de novos negócios e incorporadoras no Grupo OLX, do qual faz parte o ZAP, Viva Real e OLX Imóveis.

Em agosto, 53% das unidades lançadas em São Paulo se encaixavam na categoria de moradias econômicas, segundo levantamento do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação ou Administração de Imóveis Residenciais ou Comerciais (Secovi-SP). Os imóveis populares lideraram também em vendas, com 36%, e em vendas sobre a oferta (VSO), com 13,8% — indicador que mede o percentual de venda acumulado nos últimos 12 meses. Os imóveis de alta renda, por outro lado, passam à liderança quando o assunto é retorno: é o segmento com maior valor global de vendas (VGO): 1,37 bilhão de reais, uma fatia de 30% do mercado total da cidade.

Quem ficou pelo meio do caminho foi quem vive na faixa de renda média. É uma parcela da população que não se encaixa no Minha Casa, Minha Vida e também está longe das aquisições milionárias do mercado de luxo. São eles os mais prejudicados pelos juros altos, que diminuem o poder de compra e dificultam as possibilidades de financiamento.

A Selic em dois dígitos é atualmente o principal entrave para a recuperação do mercado de vendas na visão de Ely Wertheim, presidente executivo do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação ou Administração de Imóveis Residenciais ou Comerciais (Secovi). Apesar do aumento das vendas em São Paulo nos últimos 12 meses, Wertheim ainda classifica o quadro atual do mercado como “estável”. A recuperação mais forte deve vir apenas no próximo ano. “A expectativa é que o custo do financiamento caia nos próximos meses.”

Próximos passos: revisão do Plano Diretor

Para além dos juros, outro ponto que pode estimular o mercado imobiliário paulistano é a revisão do Plano Diretor, principal guia para ocupação e desenvolvimento urbano na cidade. A mudança foi aprovada em junho deste ano em meio a controvérsias com urbanistas, e sua implementação quadra a quadra agora depende da Lei de Zoneamento, que chegou à Câmara Municipal neste mês. Mesmo sem a definição dos detalhes, as principais expectativas já estão na mesa.

Entre os pontos mais aguardados, está a verticalização nas áreas no entorno de metrô, trem e corredor de ônibus, os chamados eixos de estruturação da transformação urbana. O adensamento populacional nessas áreas sempre foi um dos pilares do Plano Diretor, cujo foco é diminuir as distâncias da cidade, aproximando as moradias dos paulistanos de seus locais de trabalho. A novidade é que a área onde era permitido construir mais (e mais alto) aumentou de tamanho.

Os eixos englobavam quadras dentro do raio de 400 metros do transporte sobre trilhos, contidas numa faixa maior de até 600 metros, e de 150 metros do entorno de corredores de ônibus, contidas em um perímetro de 300 metros. Agora os espigões estão liberados em um raio de 700 metros de estações de metrô e trem e de 400 metros nos corredores — sem área de contenção. Na prática, todas as quadras “tocadas” pelo raio poderiam ser incluídas no eixo, aumentando o tamanho para além da área original (veja gráfico).

Aos olhos do mercado imobiliário, a alteração resolve o principal entrave dos últimos anos: a escassez de terrenos. As regiões dos eixos estão entre as mais valorizadas da cidade, pelo fácil acesso ao deslocamento e pela infraestrutura que costuma acompanhá-la. E isso encareceu o preço do metro quadrado, especialmente nos bairros mais visados da cidade, como Pinheiros e Vila Madalena, na zona oeste, Vila Mariana, na zona centro-sul e Brooklin, na zona sudoeste. A expectativa é que, com mais terrenos disponíveis, a dinâmica mude de figura.

“O preço alto é resultado da dinâmica de oferta e procura. O aumento do raio pode afetar o preço de forma positiva para o mercado e também para o consumidor”, argumentou Alexandra Monteiro, diretora de incorporação da Vitacon. “São Paulo é uma megalópole que só vai avançar com o maior adensamento dos espaços centrais.”

Urbanistas, no entanto, têm rebatido o otimismo. A maior preocupação é com o tamanho dos eixos, que permite o avanço da verticalização para dentro dos bairros — vale lembrar que não há limite de altura para os prédios construídos nos eixos, as únicas limitações são técnicas, como as condições do terreno, por exemplo. O plano também abre espaço para apartamentos maiores nos eixos, além de mudar os cálculos para a garagem, permitindo mais vagas.

“São menos pessoas morando em apartamentos maiores e com mais carros. É o oposto do que se pretendia com o Plano Diretor de 2014”, afirmou Nabil Bonduki, relator do Plano Diretor Estratégico de São Paulo de 2002 e 2014 e professor titular de planejamento urbano da USP. A réplica das empresas do setor é que a mescla entre unidades pequenas, médias e grandes em torno do eixo aumenta a variedade de produtos e contém o boom de microapartamentos que tomou a cidade nos últimos anos.

São Paulo, no entanto, não será transformada de modo uniforme. Existem algumas áreas que ficam “blindadas” contra as mudanças propostas pelo Plano Diretor, como as Zonas Exclusivamente Residenciais, as de Ocupação Especial, e as Especiais de Preservação Ambiental. Cabe lembrar, no entanto, que o futuro de cada endereço será definido de fato pela Lei de Zoneamento, que poderá, inclusive, alterar as zonas de exceção.

Ainda que elas se mantenham, os bolsões talvez não sejam suficientes para preservar o legado histórico da cidade. A avaliação é de Raquel Schenkman, presidente da seção paulista do Instituto dos Arquitetos do Brasil.

“São Paulo é vista como uma cidade sempre em transformação, mas precisa ser entendida também como histórica. É importante analisar o que já existe, e fazer um planejamento urbano responsável que contemple o vínculo do habitante com a cidade”, diz. Depois do debate do zoneamento, as mudanças aprovadas valerão até 2029. Na sequência, São Paulo voltará a pensar em um novo plano de urbanização da cidade.

O debate sobre a lei de zoneamento, a propósito, deve ser a nova fronteira de disputa entre os defensores e detratores da verticalização — que mesmo antes das discussões já vem ganhando forma na via judicial. O mais recente exemplo é a mobilização de moradores e associações de Pinheiros, que conseguiu, no início de outubro, o tombamento provisório de uma parte do bairro.

“O impacto depende do portfólio de cada construtora, mas as estimativas rondam 1 bilhão de reais de perdas em valor geral de vendas (VGV). É algo que faz parte do risco do segmento, mas vale também o questionamento do que, de fato, precisa ser preservado”, afirma Marcelo Tapai, especialista em direito imobiliário e sócio do Tapai Advogados.

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