Revista Exame

Pesquisa revela práticas de gestão de excelência em 5 empresas

Uma pesquisa inédita da consultoria Deloitte revela práticas de gestão de excelência em cinco empresas brasileiras em expansão acelerada — e que servem de lição para negócios de todos os tamanhos

Restaurante Coco Bambu: sócios presentes no dia a dia da operação (Felipe Petrovsky/Divulgação)

Restaurante Coco Bambu: sócios presentes no dia a dia da operação (Felipe Petrovsky/Divulgação)

Mariana Desidério

Mariana Desidério

Publicado em 23 de março de 2022 às 15h00.

Chega um momento na vida de toda empresa em que, para continuar crescendo, ela precisa olhar para a gestão. Isso significa, entre outros pontos, definir e executar sua estratégia de forma clara, aderir a boas práticas na área financeira, estabelecer diferenciais competitivos, inovar para buscar novos diferenciais e ter uma boa estrutura de governança.

Para disseminar boas práticas de gestão no mercado brasileiro, a consultoria Deloitte traz para o país pela primeira vez o selo Empresa com Melhor Gestão. “A partir de determinado tamanho, a empresa precisa dar um salto para sobreviver. Se ela não tiver práticas robustas de gestão, não irá para a frente. Nosso propósito é trazer essas boas práticas”, diz Fabio Carneiro, sócio da Deloitte. 

A premiação foi implementada pela Deloitte há 28 anos e já é realizada em 44 países. Para concorrer, as empresas precisam preencher critérios como receitas acima de 100 milhões de reais, alguns anos de expansão no faturamento e ainda não estar listada em bolsa. Para a consultoria, empresas nesse estágio da vida costumam estar preocupadas com um salto de qualidade na gestão capaz de, se tudo correr bem, colocá-las na elite do mundo corporativo.

O intuito da pesquisa da Deloitte é encontrar as empresas já preparadas para uma expansão acelerada. No mundo, mais de 1.100 companhias já receberam o selo, sendo que 53% são empresas familiares. No Brasil, a primeira edição do prêmio reconheceu cinco companhias: a cadeia de restaurantes Coco Bambu, de Fortaleza, a rede de drogarias Nissei, de Curitiba, a indústria de cosméticos e produtos farmacêuticos Farmax, de Divinópolis, Minas Gerais, e as cooperativas Agrária e Cocamar, de Guarapuava e Maringá, no Paraná, respectivamente. 

A fatia de premiadas no Brasil foi menor do que a média de outros países. Das 58 selecionadas, apenas cinco foram premiadas. No mundo, todo ano, 753 empresas estão no programa — 30% delas ganham o selo. Disseminar práticas de gestão segue um desafio por aqui. “Nossa meta é fortalecer as práticas de gestão, não importa se isso vai levar um ou cinco anos”, diz Carneiro.

Os principais critérios foram estratégia, capacidade de inovação, cultura e compromisso, governança e finanças — pontos fundamentais para o sucesso de uma companhia, em especial em tempos de pandemia, quando a agilidade na redefinição de estratégias e a cultura corporativa ajudaram a definir quais empresas sobreviveriam à crise. 

(Arte/Exame)

Para chegar às cinco premiadas, a Deloitte analisou as informações iniciais das 58 inscritas. Depois, realizou laboratórios de conversa de, no mínimo, 4 horas entre executivos da companhia e sócios da Deloitte para analisar as práticas da empresa em diversas frentes. Os resultados foram então analisados por um júri que contou com a participação da Singularity University e do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). “Para que a empresa continue relevante, ela precisa ter um olhar de inovação e disrupção constante. As empresas que receberam o selo se destacaram nesse critério”, diz Alvaro Machado, COO da SingularityU Brazil. Com o processo concluído, as participantes receberam um feedback com o que é possível melhorar. 

A partir dos laboratórios com as pré-selecionadas, a Deloitte elaborou um mapa das melhores práticas de gestão adotadas. Os dados coletados mostram que essas empresas têm como prioridade para os próximos cinco anos o desenvolvimento de novos produtos, o crescimento orgânico e a expansão para outros mercados. Entre as vantagens competitivas, a maioria elenca a estrutura de controle de custos e alianças estratégicas. 

A EXAME conversou com as vencedoras para entender quais são as práticas que as colocam entre as empresas com melhor gestão do país. A rede de restaurantes Coco Bambu, por exemplo, se destacou por sua gestão financeira. Na rede de farmácias Nissei, o destaque ficou com a estratégia de diferenciação da concorrência e o portfólio de produtos nas lojas. Na fabricante de cosméticos Farmax, um dos pontos fortes foi o uso de ferramentas para ganho de eficiência. Nas cooperativas agrícolas Agrária e Cocamar, a boa estrutura de governança. Veja a seguir como essas empresas chegaram a um modelo de gestão de sucesso. 


FINANÇAS

Auditoria e "olho de dono"

Para controlar custos, a rede de restaurantes Coco Bambu investe em tecnologia e em sócios que colocam a mão na massa

A rede de restaurantes Coco Bambu tem uma obsessão por auditoria. A equipe de auditoria interna da companhia analisa 100% dos números de compras e vendas de todas as unidades da rede, além de processos em outras áreas, como recursos humanos, cozinha e atendimento. “A auditoria interna do Coco Bambu traz segurança e padronização do negócio”, diz Samuel Polastrini, diretor financeiro do Coco Bambu. “Por meio dos procedimentos exigidos nas auditorias, todos os diretores das lojas sabem como conduzir os processos em cada setor.” 

O investimento em auditoria veio com a observação das grandes do setor. “Em 2013, estive com o presidente mundial do Burger King, e ele me disse: ‘Aprimore sua auditoria, tanto interna quanto externamente’”, diz Afrânio Barreira, fundador do Coco Bambu. “Eu mesmo fazia a auditoria interna. Hoje temos uma equipe.” Na pandemia, a rede criou um software para rodar a auditoria de forma remota. 

(Arte/Exame)

Fundado em 1989, em Fortaleza, o negócio começou com uma pastelaria em um lava-rápido. Hoje tem 63 restaurantes espalhados pelo Brasil e faturamento de 1,2 bilhão de reais. “Passei muitos anos com um negócio pequeno tentando entender como crescer”, lembra Barreira. A fórmula encontrada pelo empresário foi trazer sócios para o negócio — hoje são 150 sócios. No início, o modelo colocava para dentro pessoas com algum capital disponível a ser utilizado na expansão da empresa via abertura de lojas. Agora a serventia dos sócios é, em linhas gerais, cuidar do dia a dia do negócio aberto com capital do próprio Coco Bambu. O arranjo visa colocar nas unidades alguém com “olhar de dono”, um tipo de profissional não raro obcecado com os detalhes no atendimento a clientes ou no controle das contas. 

Em paralelo, o Coco Bambu tem investido em inovação. A rede mantém uma equipe de tecnologia dedicada a bolar ferramentas de gestão úteis tanto nas lojas quanto no aplicativo de delivery próprio. O olhar para a inovação serve ainda para bolar novos negócios. Além dos restaurantes de frutos do mar, carro-chefe do Coco Bambu, a empresa criou o Vasto, focado em carnes, e o Coffee Break Coco Bambu, uma cafeteria aberta em 2022 com um modelo de autoatendimento comum em redes de fast-food, como o McDonald’s.  

Com tudo isso, nos últimos cinco anos o faturamento da rede dobrou — e o número de lojas, também. A meta do Coco Bambu é terminar 2022 com 75 unidades e chegar a 100 lojas em 2024. É um crescimento importante em um setor pouco profissionalizado e repleto de pontas soltas. “Quando uma empresa tem uma gestão positiva, garante uma eficiência acima da média e tende a ter um negócio próspero”, afirma Paulo ­Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes. “É o caso do Coco Bambu.”


PORTFÓLIO

A farmácia virou mercearia

A paranaense Nissei faturou quase 2 bilhões de reais em 2021 com lojas mais amplas e um mix de produtos que inclui até ração canina 

Unidade da rede de farmácias Nissei, de Curitiba: 7% da receita não tem nada a ver com remédios (Divulgação/Divulgação)

Precisa comprar pão em uma cidade no Paraná? Você pode resolver seu problema em uma farmácia Nissei. A rede de drogarias paranaense atua em um mercado com concorrentes de peso e margens enxutas. Por ali, a saída para crescer foi apostar num diferencial. Além de remédios, cosméticos e itens de higiene, as lojas vendem itens de supermercado, como pão, leite, café e até ração para cães. Definida há 20 anos, a estratégia virou marca registrada da Nissei. Hoje, 7% das receitas vêm de produtos típicos de mercearia. “A ideia é sermos uma one stop shop para o consumidor”, diz Alexandre Maeoka, presidente da Nissei. 

Por causa disso, as lojas da Nissei são maiores do que as de concorrentes. Por um lado, a medida eleva custos com aluguel e manutenção. Por outro, abre espaço para vacinação ou testagem rápida, serviços em alta na pandemia e hoje feitos a poucos metros de gôndolas com comes e bebes.

A Nissei tem hoje 324 unidades — 90% no Paraná. Em 2021, faturou 1,9 bilhão de reais, alta de 11% sobre 2020. Em dois anos, a meta é abrir 70 lojas e crescer no interior de São Paulo e em Santa Catarina. 

A expansão veio depois de uma troca de bastão. Fundada em 1986, a Nissei foi gerida por Sérgio Maeoka, pai de Alexandre, até 2020. Hoje, Sérgio comanda o conselho de administração. Formado em engenharia da computação, Alexandre começou a atuar na empresa em 2010. Em 2016, virou diretor e, quatro anos depois, CEO. A mudança no topo coincidiu com ajustes na estratégia. “Até 2010 o foco era crescer, mas não basta crescer. É preciso fazer o controle adequado e gerar resultado”, diz Alexandre, ecoando práticas de excelência no setor. “A diferença de uma farmácia individual para a unidade de uma rede é a gestão eficiente”, diz Sérgio Barreto, presidente da Abrafarma, associação das redes de drogarias. “Isso quer dizer comprar e vender bem e ter boa logística.” 


PROCESSOS

Remédio, vitamina e entrega no prazo

A fabricante de cosméticos e fármacos Farmax quase dobrou as receitas desde 2016. A estratégia? A automação de etapas da fábrica e uma conexão ágil com o ponto de venda

Ronaldo Ribeiro, da mineira Farmax: tecnologia para azeitar logística e criar produtos (Divulgação/Divulgação)

Entregar 450 produtos diferentes no Brasil todo com agilidade e preços competitivos enquanto disputa espaço com multinacionais. Esse é o desafio da mineira Farmax, fabricante de produtos farmacêuticos e cosméticos, como protetores solares, repelentes e produtos para a pele. Para dar conta da tarefa, a companhia investe em ferramentas que aumentem a eficiência. Nos próximos cinco anos, serão 100 milhões de reais em tecnologia para ampliar a produção. “Nosso propósito é tornar produtos de alta qualidade mais acessíveis”, diz Ronaldo Ribeiro, presidente da Farmax. 

Para garantir esse acesso com preço baixo é fundamental usar os recursos de forma inteligente. A companhia tem, por exemplo, um sistema de logística automatizado — a conexão entre os pontos de venda pelo Brasil e as equipes de gestão dos estoques é praticamente em tempo real e ocorre por meio de um sistema inteligente. Em 2018, a farmacêutica passou a usar o modelo de gestão SOP (planejamento de vendas e operações, na sigla em inglês), capaz de conectar diferentes áreas da empresa, evitando desperdícios e atrasos. Em outra frente, implementou a metodologia TPM, pela qual o operador de uma máquina passa a ter mais conhecimento sobre seu funcionamento e torna-se responsável por sua manutenção. “Tivemos 50% de melhoria de eficiência em algumas linhas”, diz. 

Fundada há 41 anos em Divinópolis, Minas Gerais, a Farmax foi 100% comprada pelo fundo Vinci Partners no final do ano passado. A empresa terminou 2020 com faturamento bruto de cerca de 450 milhões de reais. Quando o fundo chegou, a Farmax já tinha feito parte importante da lição de casa de gestão. Ex-Unilever, Ribeiro assumiu o comando da empresa em 2018 em um processo de sucessão no qual os fundadores deixaram o dia a dia do negócio e passaram a integrar o conselho de administração. 

(Arte/Exame)

Agora a meta do Vinci é triplicar a receita até 2026 e atingir a marca de 1 bilhão de reais. Para chegar lá, uma das estratégias é ampliar sua presença nos pontos de venda. Hoje a Farmax está principalmente nas farmácias, e a ideia é chegar também aos supermercados. A inovação é outro pilar. Hoje, 25% do faturamento vem de produtos lançados nos últimos cinco anos. Só em 2021 foram 52 lançamentos e para 2022 serão mais 50. A maioria deles dentro do segmento de cuidados com o corpo e a mente. “A tendência agora é a busca pelo amor próprio capaz de impulsionar a felicidade”, diz João Carlos Basilio, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos. “E as empresas estão investindo em tecnologia e inovação para oferecer esse cuidado de forma personalizada a seus consumidores.” A Farmax também quer ampliar seu escopo, com categorias como suplementação alimentar e vitaminas, e sua presença fora do país, com exportação em especial para a América Latina.


GOVERNANÇA

Gestão para além da roça

Após dificuldades, as cooperativas Agrária e Cocamar modernizaram suas presidências e hoje faturam bilhões de reais

Lavoura no Paraná: agricultores interagem por app com engenheiros de cooperativas (Divulgação/Divulgação)

Muita gente em grandes centros urbanos associa a ideia de uma cooperativa agrícola a uma porção de famílias cultivando lavouras de maneira artesanal e alheias à vida para além da roça. Nada mais distante do dia a dia das cooperativas paranaenses Agrária e Cocamar. Fundadas entre os anos 1950 e 1960, as duas venceram dificuldades financeiras nos anos 1990, quando o Plano Real e o fim da hiperinflação forçaram um choque de gestão nas empresas brasileiras. De lá para cá, as duas perceberam o valor da governança para a sobrevivência. “Precisávamos de um modelo de gestão capaz de aumentar os negócios e dar segurança e transparência ao cooperado”, diz Divanir Higino, presidente da Cocamar. 

Para chegar a isso, a Cocamar mudou seu modelo de gestão em 2013, separando a diretoria executiva do conselho de administração — um passo comum para as empresas privadas, mas pouco usual para o universo das cooperativas na época. O resultado fica claro nas finanças da cooperativa. O faturamento da Cocamar triplicou de 2013 para cá: foi de 3 bilhões para quase 10 bilhões de reais. Para 2022, a meta é chegar aos 12 bilhões de reais. Forte na produção de soja, a Cocamar reúne 16.000 cooperados, dos quais 80% possuem terras consideradas pequenas, de até 50 hectares. “São pequenos produtores dependentes de alguém para aglutinar a operação e, assim, garantir uma competitividade perante os grandes”, diz Higino. 

(Arte/Exame)

A Cocamar tem esse papel. A cooperativa dá assistência ao cooperado para melhorar sua produtividade. Entre as ferramentas para isso, tem uma central com 150 engenheiros agrônomos dedicados a tirar dúvidas de cooperados via app. Em casos mais complexos, o agrônomo faz uma visita para avaliar o problema in loco. Para diversificar a receita e ampliar suas margens, a cooperativa tem ainda indústrias para processar a colheita dos cooperados e produzir itens como óleo de soja, biodiesel e ração animal. E, na frente de agregar valor à produção rural, mantém uma fábrica de condimentos e bebidas — dali saem maionese, ketchup, sucos e café. Tudo isso permite à cooperativa manter um relacionamento com o cliente final com marcas próprias, além de controlar de ponta a ponta a produção dos cooperados.

Agora o foco da Cocamar é conciliar a eficiência nas frentes tradicionais, com a diversificação dos negócios e, de quebra, com uma pegada ESG. Uma das apostas é o sistema Integração Lavoura Pecuária Floresta, criado por técnicos da Embrapa em ­mea­dos­­ dos anos 2000, pelo qual uma mesma área da fazenda serve para cultivo de soja, pasto de bovinos e plantio de eucaliptos. “Isso aumenta a renda sem precisar tirar árvores do solo”, diz Higino. Neste ano, a meta é ampliar a atuação em carne bovina e entrar na piscicultura. 

A busca por maior rentabilidade aos cooperados também é constante na cooperativa Agrária. Com 660 associados e faturamento de 6,5 bilhões de reais, a cooperativa sediada em Guarapuava, no interior do Paraná, atua principalmente no cultivo de soja, milho e cevada. “A gente se profissionalizou e está presente na cadeia inteira, da pesquisa à fabricação dos produtos industrializados”, diz Jorge Karl, diretor-presidente da Agrária. “Precisamos ser competitivos e trazer resultados ao cooperado, que é nosso cliente, fornecedor e acionista.” A preocupação vem a reboque de décadas de ganhos de escala no agronegócio brasileiro motivado, entre outras coisas, pelo uso intensivo de tecnologia em fazendas de grande porte em fronteiras agrícolas nas regiões Centro-Oeste e Norte. “Sozinhos, os cooperados não teriam chance”, diz Robson Mafioletti, superintendente da Ocepar, associação das cooperativas do Paraná. 

(Arte/Exame)

Para isso, a Agrária investe em ferramentas de gestão, treinamento de equipe e auditoria. Recentemente, passou a adotar o sistema de gestão lean manufacturing, responsável por alçar a montadora japonesa Toyota ao patamar de mais eficiente do mundo em boa parte das últimas quatro décadas, e dedicado a reduzir erros ou desperdícios no chão de fábrica. Um ponto forte da Agrária para se manter em crescimento é sua área de pesquisa e inovação tecnológica. O setor tem como tarefa melhorar processos, descobrir novos mercados e desenvolver novos produtos ou métodos de produção. “Olhamos muito para o mundo em termos de tendências de consumo, tecnologias e legislação. Precisamos estar com o radar ligado”, afirma Karl. 

A partir das ideias colhidas, a Agrária tem investido em melhorias industriais para ampliar sua produtividade. Uma aposta recente é no modelo de intercooperação, a associação entre duas ou mais ­cooperativas com foco em sinergias. Até 2023, a Agrária deve inaugurar uma maltaria construí­da em parceria com outras cinco cooperativas, com investimento de 1,6 bilhão de reais.  

 

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