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Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h30.
Você acredita em ETs? E num investimento que dá um retorno médio de 400% em três anos? O responsável por tal façanha, segundo um estudo do respeitado International Data Corporation (IDC), é o mais novo fetiche tecnológico do mercado: chama-se armazém de dados ou, em inglês, data warehouse. Basicamente, é um sistema de computadores onde ficam guardadas todas as informações da empresa. Nele, os executivos podem obter, de modo imediato, respostas para as perguntas mais exóticas e, com isso, tomar decisões com base em fatos, não em meras intuições ou especulações misteriosas. Está duvidando do IDC? Vá lá. Mas antes dê uma olhada nos exemplos a seguir:
Uma das maiores redes de varejo dos Estados Unidos descobriu, em seu gigantesco armazém de dados, que a venda de fraldas descartáveis estava associada à de cerveja. Em geral, os compradores eram homens, que saíam à noite para comprar fraldas e aproveitavam para levar algumas latinhas para casa. Os produtos foram postos lado a lado. Resultado: a venda de fraldas e cervejas disparou.
Outra rede varejista descobriu que a venda de colírios aumentava na véspera dos feriados. (Por quê? Mistério...) Passou a preparar seus estoques e promoções do produto com base nesse cenário.
O banco Itaú, pioneiro no uso de data warehouse no Brasil, costumava enviar mais de 1 milhão de malas diretas, para todos os correntistas. No máximo 2% deles respondiam às promoções. Hoje, o banco tem armazenada toda a movimentação financeira de seus 3 milhões de clientes nos últimos 18 meses. A análise desses dados permite que cartas sejam enviadas apenas a quem tem maior chance de responder. A taxa de retorno subiu para 30%. A conta do correio foi reduzida a um quinto.
A Sprint, um dos líderes no mercado americano de telefonia de longa distância, desenvolveu, com base no seu armazém de dados, um método capaz de prever com 61% de segurança se um consumidor trocaria de companhia telefônica dentro de um período de dois meses. Com um marketing agressivo, conseguiu evitar a deserção de 120 000 clientes e uma perda de 35 milhões de dólares em faturamento.
Outra empresa de telefonia detectou, ao implantar seu armazém de dados, que quatro grandes clientes empresa-riais eram responsáveis por mais da metade das chamadas de manutenção. Um deles estava prestes a abandonar os serviços. A telefônica fez reparos imediatos, convenceu o cliente a ficar e manteve uma receita anual de 150 milhões de dólares.
O governo de Massachusetts, nos Estados Unidos, compilava informações financeiras imprimindo telas e mais telas de terminais dos computadores de grande porte. Era preciso seis pessoas só para reunir os relatórios necessários ao orçamento anual. Com o armazém de dados, informações atualizadas estão disponíveis on-line para 1 300 usuários. Só em papel, economizam-se 250 000 dólares por ano. Em 1995, pela primeira vez em dez anos, o orçamento estadual foi assinado antes do início do ano fiscal.
O Brasil quer a mesma agilidade. O Serpro, órgão responsável pelo processamento dos dados do governo federal, já investiu 2 milhões no seu projeto de data warehouse, desenvolvido com a Oracle. Só consolidou 5% de suas informações, mas já é possível fazer em cinco minutos cruzamentos de dados que antes demandavam quinze dias de trabalho.
PRODUTIVIDADE - A promessa do armazém de dados se resume numa única palavra: produtividade. Ou seja: ganho de tempo - e dinheiro -, com qualquer informação acessível aos executivos no momento e no formato que eles determinarem. Segundo o IDC, os armazéns constituem a melhor chance para a tecnologia da informação finalmente mostrar ao que veio e derrubar o famigerado paradoxo da produtividade. (De acordo com ele, até hoje todos os investimentos feitos em computadores, softwares e quejandos não aumentaram a produtividade da economia mundial.) As taxas de retorno sobre investimento que o IDC encontrou ao analisar 62 data warehouses são um indício dessa possibilidade.
Só que reconciliar o abalado casamento entre tecnologia e negócios não é uma tarefa fácil. "Não adianta o pessoal de informática criar bases de dados poderosas se os gestores de negócios não souberem usar a informação", diz Timótio Louback, diretor de tecnologia da informação da Golden Cross. Na Golden, que iniciou há dois anos seu data warehouse, ainda é um grupo técnico de seis estatísticos e atuários que gera, a partir do armazém de dados, os relatórios pedidos pelos executivos. A empresa ainda está distante do ideal em que o executivo pode fazer, de seu micro, qualquer pergunta sobre os dados da empresa e obter automaticamente relatórios atualizados, escritos em português.
DETALHES - Mesmo assim, os resultados do investimento de 500 000 dólares no ainda modesto armazém da Golden são visíveis. Nele, a empresa guarda a ficha médica de cada paciente ao longo do tempo. Também são armazenados detalhes sobre médicos e hospitais. Descobriu-se, por exemplo, que as pessoas que mais cancelavam o seguro de saúde eram as que menos o usavam. Iniciou-se, então, uma campanha para manter esses clientes. (Conquistar um novo cliente pode custar sete vezes mais que manter um cliente antigo.) Ao lançar seu novo seguro para automóveis, a Golden também vai buscar no armazém quais são os clientes com chance de comprar uma apólice para carros. Pode inclusive descobrir se é lucrativo oferecer vantagens para quem tiver dois seguros - de saúde e do carro.
Embora o marketing eficaz seja um dos maiores benefícios do data warehouse, não foi isso o que levou a Golden a adotá-lo. O fator crucial foi administrar uma conta mensal de 70 milhões de reais, pagos em sinistros a médicos e hospitais. Negociar com cada fornecedor de serviço e cada segurado conhecendo de antemão seu perfil dá grande força à seguradora. "Conseguimos comparar o andamento das ocorrências e verificar onde pode haver gastos excessivos", diz Louback. "Graças a isso, temos uma das menores taxas de si-nistros do mercado."
No Brasil, casos como o da Golden são cada vez mais comuns. Só a IBM está desenvolvendo seis projetos de data warehouse no país. "O mercado vem crescendo muito de um ano e meio para c", diz Nitzi Roehl, gerente de consultoria da IBM para a América Latina. A NCR, líder mundial como integradora de grandes armazéns de dados, tem pelo menos dois contratos engatilhados aqui. As estimativas variam, mas os mais otimistas dizem que, até 1998, os gastos em armazéns de dados brasileiros, entre hardware, software e serviços, podem chegar a 2 bilhões de reais. Segundo o IDC, o mercado mundial de software para os armazéns deve crescer de 1,4 bilhão para 5,5 bilhões até o ano 2000. A América Latina deve registrar até lá um crescimento anual de 35%. "Devem acontecer nos próximos 12 meses pelo menos 10 projetos de data warehouses de verdade no Brasil", diz Diego Coppola di Canzano, gerente de vendas para a América Latina da Prism, fabricante de softwares para extrair e transformar dados nos armazéns.
CUSTO ELEVADO - O que Coppola chama de data warehouse de verdade pode custar mais de 10 milhões de dólares. Pelo menos é isso que vai gastar o Banco América do Sul nos próximos três anos para montar um armazém com o triplo de informações do que tem hoje o Itaú. "Nossa meta é estar no ano 2000 entre os dez maiores bancos do país", diz Vicent Katashi Kawakami, diretor executivo do América do Sul. "O data warehouse será nosso grande diferencial competitivo." Projetos como esse envolvem um conjunto de produtos e serviços.
Primeiro, é preciso hardware para guardar e acessar com eficiência um volume astronômico de informações. No caso do América do Sul, essa quantidade pode chegar a 1 trilhão de caracteres, ou 2 400 anos de jornal diário. (O maior data warehouse do mundo, do Wal Mart, está sendo expandido pela NCR para conter 23 trilhões de caracteres, mais de 60 000 anos de jornal diário. Esse tempo equivale a 10 vezes toda a história humana, desde o surgimento da escrita.) O hardware é a parte mais cara e deve ser planejado desde o início para comportar futuras expansões. A principal característica dos armazéns de dados é que, ao contrário dos bancos de dados simplórios, nenhuma informação é jogada fora.
Além das máquinas, vários softwares são necessários para manter um armazém em funcionamento. A Prism, por exemplo, faz programas para extração e transformação dos dados armazenados. Esses dados, por sua vez, são acessados por programas especiais de banco de dados, feitos por empresas como Oracle ou Informix. Finalmente, há softwares para a consulta e elaboração de relatórios, como os que são desenvolvidos pela Cognos ou Business Objects. Toda essa confusão cria duas dificuldades: o preço e a necessidade imperativa de realizar a integração de tudo. Quem se encarrega disso em geral são as consultorias, ou grandes empresas integradoras, como IBM, NCR ou Unisys.
A instalação do armazém pode levar anos. Só para decidir de quem comprar, o Banco América do Sul precisou de cinco meses. "O data warehouse não é um produto, é um processo", afirma Peter Eck, diretor de marketing para a América Latina da NCR. Envolve, por isso, uma mudança cultural no modo como os executivos se relacionam com os computadores e com a informação. "Cada resposta pode levar a uma nova pergunta", diz Eck. "Diante de um data warehouse poderoso, é possível agir exatamente como uma criança na idade dos porquês. Ninguém sabe qual será a próxima pergunta, nem a próxima resposta."
A maior vantagem, diz Eck, é que o armazém de dados mantém um quadro único e coerente das informações ao longo da empresa, uma única versão da verdade. Com ele, executivos pas-sam a ter uma idéia muito mais pre-cisa do papel de seus departamentos e do que é essencial ao negócio. "Com dados atuais à disposição, cada executivo passa a ter de pensar e optar sozinho, sem transferir todas as decisões ao superior ou ao dono da empresa", afirma Antônio Amaral Júnior, gerente de consultoria da Oracle. Um exemplo disso é a Kaiser, que começou a montar seu armazém no ano passado. Toda madrugada as informações são atualizadas. "Quando o executivo chega de manhã, tudo está disponível em seu micro", diz o gerente de informática Milton Maester. "Ele pode agir diretamente nas áreas de venda, estoque e produção."
Quando os armazéns de dados atingem um determinado porte, é possível usar neles as chamadas ferramentas de mineração, ou data mining. São softwares caros e assustadores. "Podem encontrar respostas antes que você tenha tempo de fazer as perguntas", diz Jose Sergio Alves, gerente da Informix. Desenvolvidos com base em técnicas de inteligência artificial, eles ficam vasculhando os dados em busca de informações que podem ser de interesse, de acordo com critérios predeterminados. São usados por grandes cadeias varejistas para descobrir, por exemplo, que quem compra fraldas descartáveis é um consumidor potencial de cerveja ou que quem leva para casa sandálias havaianas pode estar interessado em CDs de Gilberto Gil. Com técnicas usadas em data mining, torna-se realidade algo muito parecido com o computador HAL, personagem do livro e do filme 2001: Uma Odisséia no Espaço. Se você já aceitou a existência dos ETs e do investimento com retorno de 400% em três anos, tente engolir mais essa.