Revista Exame

O poder da Superpetrobras

Protagonista daquela que pode ser a maior emissão de ações da história, a Petrobras só aumenta sua influência na economia brasileira. Isso é bom para o país?

Construção de navio para a Perobras: a estatal pode se tornar a quarta maior companhia de capital aberto do mundo (Germano Lüders/EXAME)

Construção de navio para a Perobras: a estatal pode se tornar a quarta maior companhia de capital aberto do mundo (Germano Lüders/EXAME)

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Da Redação

Publicado em 31 de maio de 2013 às 18h51.

Ao longo dos últimos anos, algumas empresas brasileiras foram alçadas a uma posição de protagonismo na cena internacional incomum até muito recentemente. A Vale, embalada pelo apetite da China, tornou-se a maior produtora de minério de ferro do mundo. O grupo JBS, anabolizado pelos recursos do BNDES, comprou frigoríficos nos Estados Unidos e na Europa e assumiu o primeiro lugar mundial do setor de carne. O Itaú Unibanco passou a figurar entre as dez maiores instituições financeiras por valor de mercado, enquanto bancos americanos e europeus balançavam com a crise. Mas não há, no ambiente de negócios brasileiro, nada que seja remotamente comparável ao que vem acontecendo com a maior empresa do país, a Petrobras. Se tudo ocorrer como previsto, nas próximas duas semanas, a estatal, hoje a oitava maior petroleira do mundo, estará em meio àquela que deve ser a maior emissão de ações da história. Estima-se que sua capitalização possa atingir 75 bilhões de dólares, mais que o dobro da maior operação desse tipo já realizada, a da empresa japonesa de telefonia NTT. A operação tem potencial para elevar o valor de mercado da Petrobras a 221 bilhões de dólares e transformá-la na quarta maior companhia aberta do mundo, acima de corporações como Walmart e Microsoft. O desfecho do lançamento, previsto para 27 de setembro, é crucial para a Petrobras, que tem urgência para pôr em prática o plano de negócios mais arrojado e caro de sua existência: investir 224 bilhões de dólares até 2014, bem mais do que planeja qualquer outra petroleira de capital aberto, e chegar a 2020 retirando pelo menos 5,3 milhões de barris de petróleo por dia, boa parte deles vinda de poços localizados a 7 quilômetros de profundidade,no pré-sal. "Acabou a era do petróleo fácil", diz o americano Matthew Simmons, especialista em energia. "A produção tende a ficar cada vez mais concentrada em locais de difícil exploração, e a Petrobras desponta como uma possível vencedora no novo cenário."

O pré-sal é hoje uma promessa — apenas isso, apesar de anúncios como os recentes 8 bilhões de barris do poço de Libra. A tecnologia está em estudo e há mais dúvidas que certezas sobre a exploração. "É um momento de apreensão porque o plano de investimento é muito arrojado”, diz Claire Wong-Low, analista de empresas de petróleo da consultoria americana PFC Energy. O economista carioca Paulo Rabello de Castro resume a situação da seguinte forma: "É como um salto de paraquedas. Neste momento, a Petrobras está na porta do avião. A apreensão vai durar até que ela mostre que o salto foi bem-sucedido". Basicamente, os investidores brasileiros e estrangeiros que decidirem participar da capitalização estarão pulando do mesmo avião. O pré-sal vai dar certo? Hoje, não há ninguém que possa responder a essa pergunta. Mas uma coisa parece clara. Assentada na promessa da riqueza gerada pelo petróleo ora no fundo do mar, a Petrobras ganha, a cada dia, mais tamanho — e mais poder.


Seu peso na economia brasileira já é brutal. Para produzir e refinar 2 milhões de barris por dia, a Petrobras movimenta 57 000 fornecedores, uma cadeia que, junto com ela, responde por 1 de cada 10 reais que formam o produto interno bruto. Sozinha, foi responsável por quase um décimo de tudo o que o Brasil exportou e importou em 2009. Sua esfera de atuação há tempos deixou de se limitar ao petróleo — hoje, a Petrobras possui 18 termelétricas, cinco usinas de biocombustíveis, uma unidade piloto de produção de energia eólica e duas fábricas de fertilizantes, além de uma rede de gasodutos, oleodutos e navios. "A Petrobras afeta o país tanto na dimensão macro quanto na microeconômica", afirma o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros, atualmente sócio da administradora de recursos Quest. Na esfera da macroeconomia, seus passos têm força suficiente para influenciar a cotação da moeda. Estima-se que 20 bilhões de dólares ingressem no país na forma de investimentos nas ações da empresa — o que valorizaria ainda mais um real já forte. Outro efeito decorre do possível uso da operação financeira para ajudar o governo a cumprir a meta de superávit primário, hoje em risco — trata-se, nesse caso, de uma medida meramente contábil, mas que pode formalmente reforçar as contas públicas. Nos últimos tempos, a Petrobras tem sido um poderoso esteio para promessas políticas. Sem ela, um terço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não teria ocorrido — o balanço mostra que saíram da Petrobras 143 bilhões dos 464 bilhões de reais investidos desde 2007. À medida que a produção avançar no pré-sal, sua importância na economia crescerá ainda mais. Estima-se que suas encomendas de bens e serviços somarão 400 bilhões de dólares em dez anos. Os empregos diretos e indiretos devem crescer seis vezes, para 2,1 milhões. Em 2020, quando a extração no oceano estiver a todo vapor, calcula-se que a Petrobras e seus fornecedores responderão por 20% da riqueza gerada no país.

É natural que uma empresa com tamanho peso econômico detenha também crescente influência política. Sua presidência executiva é um dos cargos mais cobiçados do país. O presidente da Petrobras comanda um orçamento maior que o de quase todos os ministérios do governo: em 2009, a estatal movimentou 99 bilhões de reais, quase o dobro do Ministério da Educação e 70% mais que a verba do Ministério da Saúde. Em maio do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva resumiu de forma involuntariamente pública a ambição política que circunda o posto número 1 da Petrobras. Ao se encontrar com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, Lula disse que, se conseguisse eleger Dilma Rousseff presidente do Brasil, ele iria comandar a Petrobras. Dita em tom de galhofa, a frase vazou por microfones e foi ouvida por jornalistas que aguardavam os presidentes. A piada reflete também quanto o governo aposta no futuro da empresa. E quanto a empresa seria importante no futuro do país.


A indústria de petróleo é alvo do jogo do poder em qualquer lugar do mundo. Não é diferente por aqui. Segundo o jornal The Wall Street Journal, reside aí — na política, e não no desafio de explorar o pré-sal — o maior risco no futuro da Petrobras. Pelo fato de ter o Estado como controlador, a política é parte do dia a dia da Petrobras e a interferência em sua operação é reconhecida formalmente. "O governo brasileiro, como nosso acionista controlador, pode nos obrigar a perseguir certos objetivos macroeconômicos e sociais que podem ter efeito adverso em nossos resultados operacionais e condições financeiras", diz um trecho do relatório enviado pela companhia anualmente à SEC, órgão americano equivalente à Comissão de Valores Mobiliários. O alerta serve para justificar situações como a perda de rentabilidade em momentos de alta do petróleo sem o devido repasse aos preços cobrados do consumidor. De 2005 a 2008, a Petrobras teve perdas em torno de 10 bilhões de reais por esse motivo — conta repartida com seu quase 1 milhão de acionistas. Atualmente, depois da queda do barril para a casa dos 70 dólares, as perdas foram zeradas.

Lógica do refino

O documento alerta, ainda, que a Petrobras pode entrar em atividades mais alinhadas com os objetivos governamentais do que com suas próprias metas econômicas. Segundo analistas, um exemplo recente disso foi a decisão de investir em refinarias no Nordeste. Para Armando Guedes Coelho, executivo que trabalhou na Petrobras por mais de 30 anos e a presidiu em 1988 e 1989, as refinarias planejadas para o Ceará e o Maranhão não fazem sentido. "O discurso em favor do refino como forma de agregar valor às exportações não se sustenta", diz ele. A margem de refino é de 5%, enquanto a da exploração é de 70%. E os países que consomem muito produto refinado têm suas próprias refinarias. "Além disso, não há lógica em levar petróleo do Sudeste para as refinarias nordestinas e, depois, trazer de volta para o mercado consumidor no Sudeste", diz Coelho. Segundo analistas de mercado, no caso das refinarias, a lógica que rege os negócios teria sido substituída pelas conveniências políticas decorrentes do desenvolvimento econômico da região.


É inevitável que uma empresa estatal reflita a orientação do grupo instalado no poder. Para muitos parceiros da Petrobras, as diferenças de visão dos governos Lula e FHC são evidentes. "É importante analisar isso sem juízo de valor, pois há defensores de ambos os modelos", afirma um fornecedor que trabalha para a Petrobras há mais de 15 anos e prefere não se identificar. Segundo ele, na era FHC introduziu-se a dimensão empresarial na estatal, que teve o primeiro plano de negócios informado ao mercado e ganhou comitês de investimento e outros instrumentos de gestão. O processo foi coroado com a abertura do capital na bolsa de Nova York, em 2000. "Para o governo anterior, o papel da companhia era dar o maior retorno ao acionista e pagar impostos para o Estado. Atualmente, a visão é a de que o governo tem de ter mais força e, portanto, interferir mais na administração das estatais", afirma o fornecedor. A capitalização da Petrobras pode ajudar nesse intuito. A maioria dos analistas espera que o governo, ao fim do processo, aumente sua participação no capital da empresa — tudo vai depender do interesse dos acionistas minoritários em participar da oferta. Para alguns especialistas, o novo marco regulatório do setor, cuja maior parte foi aprovada neste ano, pode ser o elemento político mais prejudicial à empresa. Na prática, ele estabeleceu o monopólio da estatal na operação do pré-sal, o que colocou sobre seus ombros a responsabilidade de participar a exploração de todos os blocos e de arcar com uma quantidade descomunal de investimento. Foi essa obrigação que levou a Petrobras a aumentar o endividamento — o índice que mede a relação da dívida com a geração de caixa triplicou desde 2005. Buscar mais dinheiro com os bancos passou a ser inviável — a Petrobras correria o risco de perder seu grau de investimento. A capitalização, um movimento no qual o Estado brasileiro entra basicamente com o petróleo no fundo do mar, é hoje a melhor e talvez a única alternativa financeira possível para que a Petrobras siga em frente em seu movimento de expansão. Talvez o efeito mais nocivo das novas regras seja a redução do ambiente competitivo. Foi justamente a competição provocada pela quebra do monopólio, em 1998, que levou a companhia a acelerar a produção, que quase triplicou de 800 000 barris por dia naquele ano para os atuais 2,3 milhões. "O que move as empresas é a competição. O fato de a Petrobras operar sozinha pode mais prejudicá-la do que beneficiá-la", diz o geólogo Wagner Freire, ex-diretor da estatal. A descoberta do pré-sal se deu justamente num poço leiloado em 2000, depois que a quebra do monopólio abriu caminho para que inúmeras petroleiras, além da Petrobras, pudessem pesquisar o solo e o mar do país.

"Dono da Petrobras"

De mãos dadas com a interferência política está a falta de transparência, um mal que ronda a empresa desde seus primeiros dias. Governo após governo, tudo o que envolve a Petrobras é tratado como questão de Estado. Foi assim também com o processo de capitalização. Numa operação desse tamanho, é esperado que os analistas questionem a existência de demanda para os papéis, que os investidores se perguntem como o dinheiro será aplicado e que o mercadofique parado à espera de respostas. No caso da Petrobras, os problemas foram além da esfera dos negócios e se arrastaram, sem solução, por meses. Boatos, bravatas políticas e informações desencontradas sobre a operação — algumas dadas por integrantes do próprio governo — circularam por mais de um ano. O diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Haroldo Lima, disse que a oferta tornaria o Estado "mais dono da Petrobras". Para o ministro de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, os valores envolvidos no processo deveriam ser "justos para o interesse nacional". Ambas foram recebidas pelos investidores como sinal de que os interesses do governo se sobreporiam aos dos demais acionistas.


Se a Petrobras fosse uma empresa privada, é pouco provável também que a CVM tivesse assistido ao processo sem intervir, como fez até agora. A autarquia fiscaliza as informações divulgadas por companhias que pretendem ir a mercado e interrompe ofertas quando acredita que os acionistas minoritários estão sendo prejudicados. O problema é que a CVM não tem poderes para fiscalizar o governo. A guerra de declarações em torno dos negócios de uma companhia de capital aberto se prolongou e as indefinições levaram a uma quase paralisia na BM&F Bovespa. "Isso é muito frustrante, porque todos sabem que há problemas na operação", diz Walter Mendes, executivo do Itaú Unibanco e presidente da Amec, associação que reúne bancos e gestoras de recursos e representa os interesses de acionistas minoritários. No vácuo de transparência, muitos investidores se movimentaram. O húngaro-americano George Soros e a gestora americana BlackRock, que chegou a ser a maior acionista privada da Petrobras, venderam parte de seus papéis, assim como milhares de outros investidores. Com isso, neste ano, a Petrobras perdeu um quarto do valor de mercado. A apreensão se estabeleceu, sobretudo, em razão da falta de transparência em torno de uma informação-chave da capitalização: o valor médio de 8,51 dólares para cada barril de petróleo que a União irá oferecer à empresa em troca de ações. Como são 5 bilhões de barris, a Petrobras terá de pagar 42,6 bilhões de dólares à União. Evidentemente, o valor é estimado, já que não se sabe qual será o real custo de exploração do pré-sal.

Faz parte do jogo comercial que a empresa queira comprar a concessão pelo menor preço possível e a União queira vender pelo maior. Em casos assim, as boas práticas de governança mandam que sejam contratadas consultorias independentes para avaliar o preço. Governo e Petrobras fizeram isso. As conclusões, porém, foram muito diferentes. A da Petrobras apontou entre 5 e 6 dólares por barril, enquanto a do governo estipulou entre 10 e 12 dólares. Com a proximidade das eleições e a necessidade de captar os recursos necessários, o governo decidiu arbitrar: cada barril custaria 8,51 dólares. "Parece uma média de padaria", diz um gestor. Agora, o que está em questão é o retorno que os investidores terão com o negócio. A companhia estima que obterá retorno real de 8,83% ao ano com a exploração das novas reservas, o que é igual a seu custo médio de financiamento. Ter retorno igual ao custo de financiamento é o mesmo que pegar dinheiro no banco e emprestá-lo cobrando a mesma coisa — se nada der errado, você recebe de volta o que já tinha antes. A questão é: por que uma empresa entraria num projeto que exigirá investimentos monumentais para ficar no zero a zero por até seis anos? "Esperamos que a Petrobras explique isso durante as apresentações da oferta", diz William Landers, gestor de fundos de ações na América Latina da BlackRock — que, até o fechamento desta edição, não havia se reunido com executivos da estatal.


É impossível dizer se a emissão será um sucesso ou um fracasso. Mas é fato que há milhares de investidores pensando em colocar dinheiro na empresa, apesar dos riscos. O que atrai esse pessoal, por um lado, é o baixo preço das ações. Com a desvalorização deste ano, a Petrobras se tornou uma das petroleiras mais baratas do mundo. "Ainda estamos analisando a operação, mas, dependendo do valor das ações, o investimento pode ser vantajoso, mesmo que haja incertezas", diz Craig Pennington, analista da gestora americana T. Rowe Price, que administra 390 bilhões de dólares. Por outro lado, a Petrobras atrai pelo papel de destaque que assumiu na indústria global de petróleo. Mesmo com a ingerência política, a estatal brasileira foi uma das mais rentáveis entre as grandes petroleiras nos últimos anos — de 2005 a 2009, sua margem de ganho líquido sobre a receita foi de 16% em média, maior que os 10% da ExxonMobil e os 7% da Shell. Mais: nenhuma de suas concorrentes tem o pré-sal, ainda que hoje ele não passe de um amontoado de reservas. A Petrobras não colocou no mercado financeiro seu presente — mas seu futuro. E ambos — o hoje e o amanhã — parecem muito melhor que o de companhias como a venezuelana PDVSA, a mexicana Pemex ou a russa Gazprom. "Num setor tão problemático quanto o de petróleo, a Petrobras não é vista como uma ameaça", diz Wong-Low, da PFC Energy.

Quando se olha à frente, inúmeras dúvidas rondam a Petrobras, a começar pelo sucesso da capitalização, num primeiro momento, e da exploração do pré-sal, num segundo. Mas, para o conjunto dos brasileiros, a questão que realmente interessa ver respondida é: como a Petrobras vai lidar com o seu enorme — e crescente — poder? Não é exatamente alentador o cenário de países nos quais uma única empresa domina a economia. Na Venezuela, a PDVSA responde por um terço de tudo o que se produz — e virou o principal braço, ao lado das Forças Armadas, no projeto "revolucionário" de Hugo Chávez. Em Angola, a estatal Sonangol, com participação de 80% no PIB, é ainda mais preponderante. Na Nigéria, um dos países mais violentos do mundo, a estatal de petróleo gera 95% da exportação. O Brasil não é a Nigéria nem a Venezuela. A despeito de seus problemas, a Petrobras é uma companhia admirável, com enormes perspectivas. O risco é que país e empresa se tornem uma só coisa. Quando política e economia se misturam a tal ponto em que fica difícil distinguir onde termina uma e começa outra, o normal é que ganhem os políticos — e perca o país.

Publicado originalmente na revista EXAME de 22/09/2010

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