Pedestres caminham em rua comercial de Beijing, na China (Tomohiro Ohsumi/Bloomberg)
Da Redação
Publicado em 2 de fevereiro de 2015 às 09h08.
São Paulo - O ano de 2015 será decisivo para Xi Jinping, o presidente chinês. Dois anos depois de assumir, ele agora tem de cumprir sua promessa de reorganizar a economia. Isso numa fase economicamente declinante. Se fracassar, correrá o risco de uma desaceleração mais intensa que acabará testando a capacidade do Partido Comunista de manter o poder.
Hu Jintao, o antecessor de Xi, tentou reformar a economia, mas foi barrado por uma oposição dentro do próprio partido. Agora chegou a hora de Xi transformar sua crescente influência política em mudanças na economia. O que está em jogo é se a China manterá uma taxa de crescimento econômico acima de 7% ao ano.
Caso Xi consiga, o país provavelmente se tornará a maior economia do mundo ao longo desta década, justamente o tempo que ele deve permanecer no poder. Sem reformas significativas, porém, a economia poderá capengar seriamente, suscitando dúvidas incômodas sobre sua estabilidade, a economia global e a já tensa situação geopolítica da Ásia.
Desde que assumiu, o presidente consolidou o poder de um modo que seu antecessor, Hu Jintao, jamais conseguiu. Hoje, ele controla todos os principais organismos e comitês que dominam a economia e a política externa. Nesse processo, acabou, em certa medida, neutralizando a atuação do premiê Li Keqiang, que normalmente teria a responsabilidade pelo dia a dia da economia.
Xi usou uma campanha anticorrupção sem precedentes para consolidar sua autoridade e neutralizar rivais em potencial. Até agora, o ápice foi a detenção, em dezembro, de Zhou Yongkang, ex-chefe da área de segurança em toda a China.
Há três décadas nenhum ex-membro do todo-poderoso comitê permanente do Partido Comunista era preso e expulso do partido. É por ações como essa que virou lugar-comum dizer que Xi é o líder mais poderoso desde Deng Xiaoping, que comandou a China de 1978 a 1992.
Xi foi fortalecendo sua autoridade ao mesmo tempo que a economia mostrava vulnerabilidades. É verdade que o crescimento ainda continua alto para os padrões internacionais, mas está a caminho de registrar o nível mais baixo desde 1990.
O mercado imobiliário, que foi um dos principais motores do crescimento, está desacelerando fortemente e dando sinais de que os próximos dois anos poderão ser muito piores.
Para alguns observadores, a economia chinesa está retornando à gravidade depois de três décadas sem precedentes. Os pessimistas dividem-se em dois campos: os que temem uma crise induzida pelo estouro de uma bolha e os que temem uma estagnação mais lenta no crescimento.
A possibilidade de um derretimento financeiro baseia-se no fato de que a economia teve seis anos de investimento excessivo. Quando a crise financeira global realmente começou a atingir a China, em fins de 2008, o governo rapidamente anunciou um plano de estímulo de quase 600 bilhões de dólares.
Enquanto nos Estados Unidos a crise causou uma paralisação do sistema financeiro, na China os novos empréstimos jorraram com toda a força. Para muitos críticos, a conta dessa farra está começando a chegar. Há evidências de excesso de investimento — de siderúrgicas que ficaram paradas a incontáveis conjuntos de apartamentos que permanecem vazios.
A dívida chinesa, medida em relação ao PIB, girava em torno de 150% antes da crise. Em 2014, estava em 225%. Com o sistema bancário sobrecarregado por dívidas, o mercado imobiliário começou a dar sinais alarmantes. Nos primeiros nove meses de 2014, o total de metros quadrados vendidos caiu 9%. Os preços dos imóveis diminuíram nos cinco últimos meses.
Um dos alertas mais gritantes veio de dois pesquisadores do próprio governo. Xu Ce, da Comissão Nacional de Reforma e Desenvolvimento, a agência de planejamento estatal, e Wang Yuan, da Academia de Pesquisas Macroeconômicas, divulgaram um relatório em novembro alegando que quase metade do investimento que ocorreu na economia entre 2009 e 2013 foi “ineficiente” — a impressionante soma de 6,8 trilhões de dólares.
Os pessimistas poderão até acertar suas previsões, mas as causas que apontam não estão necessariamente certas. Apesar de ser inevitável um aumento de calotes nos empréstimos, há muitas razões para acreditar que isso não provocará uma crise mais ampla. Os bancos chineses só estarão em perigo se sofrerem uma corrida bancária.
Enquanto os chineses confiarem que o Estado oferecerá apoio incondicional aos bancos — e o governo dispõe de amplas reservas para isso —, o impacto de um crescimento de calotes poderá ser controlado. Mesmo com uma grande quantidade de apartamentos vazios, o mercado habitacional na China está numa situação muito diferente da enfrentada pelos Estados Unidos antes de sua crise.
De 10 milhões a 15 milhões de chineses devem se mudar do campo para a cidade a cada ano, criando uma enorme demanda por imóveis. Some-se a isso a grande proporção da população urbana que ainda vive em antigos prédios públicos e que adoraria se mudar para um apartamento moderno.
Pode haver uma bolha nos apartamentos de luxo, nos quais muitos incorporadores concentraram suas atenções. Mas a demanda por imóveis deve continuar forte durante anos. “A despeito das manchetes negativas, não há sinais de uma catástrofe iminente”, diz Andy Rothman, economista especializado em China, do grupo de investimento Matthews, em São Francisco.
Para onde olhar?
O argumento pessimista mais persuasivo é que a acumulação de dívida vai estrangular lentamente o crescimento. Com a economia já saturada de projetos ruins, novos esforços de estímulo não conseguirão gerar retornos significativos.
Mesmo autoridades do governo chinês reconhecem que o modelo de crescimento existente se esgotou. Parece ter sido por isso que o presidente Xi anunciou, no fim de 2013, uma série de reformas para mudar o eixo da economia.
Como exemplo, da tão falada transição de um modelo de crescimento baseado no investimento para um alicerçado no consumo doméstico; de companhias e bancos do setor público para o setor privado; da indústria pesada para os serviços.
Essa agenda de reformas é mesmo a chave para manter o crescimento em níveis altos. “Se a China aprovar reformas fiscais e financeiras, reduzir o papel das companhias estatais e racionalizar o investimento, ela ainda poderá experimentar um crescimento em torno de 7,5% por muitos anos”, diz Yukong Huang, economista do centro de estudos Carnegie Endowment, em Washington.
A liderança anterior, de Hu Jintao, tentou implementar muitas das mesmas ideias, mas foi bloqueada pelos interesses de grandes companhias, bancos estatais e governos locais. É com base nesse histórico que se insere agora a campanha anticorrupção de Xi, que já derrubou mais de 50 figurões e enviou uma mensagem poderosa à elite partidária.
Um dos problemas para os investidores é que será difícil avaliar o progresso das reformas. Não há nenhuma medida estrondosa, mas há uma série de 50 ou 60 propostas que levarão anos para entrar em vigor. As áreas-chave devem ser duas: o setor bancário e as finanças dos governos locais.
O governo planeja encorajar mais empréstimos privados e aumentar os retornos para depositantes. Ao mesmo tempo, quer que a arrecadação dos governos locais venha menos da venda de terras a incorporadores e mais de impostos prediais.
Se essas medidas puderem ser implementadas, os incentivos na economia se deslocarão do setor estatal e da especulação imobiliária para os negócios privados e o consumo.
Com a economia chinesa numa situação precária, vale fazer algumas perguntas: como isso influencia a política doméstica? A diplomacia na região? E o crescimento global? Para o Banco de Compensações Internacionais, espécie de banco central dos bancos centrais, “as vulnerabilidades na China, ao contrário do senso comum, poderão ter efeitos significativos no exterior”.
Grandes países produtores de commodities, como o Brasil, serão afetados mesmo que as reformas sejam bem-sucedidas, porque o investimento vai desacelerar. Mas um impacto mais amplo sobre o crescimento global seria atenuado se a estrutura da economia mudasse.
Mesmo a um ritmo de crescimento mais lento, uma economia chinesa que tivesse superávits em conta corrente muito menores e dependesse mais do consumo doméstico proporcionaria um impulso maior à economia global no médio prazo.
Costumava-se dizer que a China precisa crescer 8% ao ano para oferecer empregos a todos os novos ingressantes no mercado de trabalho. Mas, num país que agora tem uma grande classe média urbana, a verdadeira chave para a estabilidade política será manter taxas de crescimento de renda relativamente altas.
O Partido Comunista poderá facilmente sobreviver a um crescimento mais lento e a um investimento mais fraco se a classe média continuar a prosperar. Se o crescimento cair para o nível entre 3% e 4% por vários anos, porém, o partido entrará num território desconhecido, no qual sua reputação de comando competente da economia começará a ser questionada. Em tais circunstâncias, poderiam prosperar tensões com países vizinhos.
Desde que assumiu o cargo, Xi tentou fazer duas coisas em relação ao papel da China no mundo. Postulou pretensões marítimas com maior vigor — mais especialmente contra o Japão — e ajudou a estabelecer uma série de instituições, como o Banco dos Brics, que poderiam se tornar uma alternativa às organizações internacionais baseadas em Washington.
Mas, como mostra o recente acordo sobre mudança climática que assinou com o presidente americano, Barack Obama, Xi não quer destruir as sólidas relações com os Estados Unidos, que têm sido o centro da estratégia chinesa por quatro décadas. Se a economia enfraquecer, esse cálculo poderá começar a mudar.
Um líder chinês enfrentando crescimento econômico modesto e uma classe média impaciente poderá ficar seriamente tentado a jogar uma cartada nacionalista. Para desviar a atenção de problemas domésticos, Xi poderia agir com mais rispidez no front internacional. Isso poderia significar alguma forma de confronto — militar ou não — com o Japão e, talvez, também com os Estados Unidos.
Os investidores deveriam ficar atentos à geopolítica na Ásia tanto quanto ficam aos preços dos imóveis. Uma ruptura séria nas relações entre os Estados Unidos e a China seria mais arriscada para a economia global do que uma bolha imobiliária. Muito mais.