Fábrica da Bematech, no Paraná: em cinco anos, o mesmo quadro de funcionários mais que dobrou o número de equipamentos produzidos (Marcelo Almeida/Exame)
Aline Scherer
Publicado em 18 de março de 2017 às 05h55.
Última atualização em 18 de março de 2017 às 14h17.
São Paulo — Como qualquer indústria, a Bematech, fabricante de equipamentos de automação pertencente ao grupo Totvs, sentiu os efeitos da crise. Em 2016, o faturamento foi de 277 milhões de reais, 10% menos em relação ao ano anterior. O lucro encolheu ainda mais — 35%. Mesmo assim a Bematech não deixou de investir num item considerado estratégico: o treinamento dos funcionários de chão de fábrica. Ao contrário: ela reforçou esse investimento, que aumentou 7% no ano passado, mesmo diante das adversidades.
A decisão foi tomada há cinco anos: treinar, anualmente, todos os funcionários de nível operacional em temas como manufatura enxuta, melhoria contínua e caça ao desperdício. Para isso, a companhia investiu desde então 270 000 reais. Deu resultado. Em 2011, os 200 operários da fábrica da companhia, em Curitiba, no Paraná, produziam 205 máquinas por ano. Hoje, o mesmo número de funcionários produz bem mais do que o dobro no mesmo período.
Com isso, os pedidos dos clientes passaram a ser entregues em 30 dias, em vez de 90. “A maior abrangência dos treinamentos melhorou o clima e os índices de retenção dos funcionários”, afirma Christian Silva, de 41 anos, gerente executivo de operações da empresa. No ano passado, para incentivar a participação dos operários e frisar a importância da concentração e do foco nas rotinas de trabalho, Silva caminhou sobre uma corda de 9 metros de extensão pendurada a 80 centímetros do chão no meio da fábrica.
A Bematech não é a única empresa no país que deu fôlego a seu programa de treinamento para as massas. Em razão da crise, que forçou as companhias a reduzir drasticamente seus quadros nos últimos anos, muitas delas viram como uma saída inevitável para manter o desempenho a melhora da capacitação dos profissionais da base que resistiram às demissões. Em 2016, as empresas do país aumentaram 5% a quantidade de funcionários de nível operacional que participaram de treinamentos corporativos.
É uma informação que ganha relevância diante de outra: para diretores, gerentes e supervisores, não houve crescimento. É o que revelou uma pesquisa sobre o tema feita anualmente pela Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento com 502 empresas de vários setores e portes. A razão é clara. É nesse nível que o conhecimento aplicado traz ganhos mais imediatos. O caso da própria Bematech ilustra bem essa realidade.
Antes de reforçar o treinamento na fábrica, a companhia desembolsou 500 000 reais para ensinar o mesmo conteúdo, durante 12 meses, a cerca de 20 gerentes e supervisores. Um ano depois, 75% desses profissionais tinham deixado a empresa, sem que seus projetos de melhoria tivessem gerado resultados significativos. “Os dados mostram que muitos empregados participaram de uma capacitação profissional pela primeira vez”, diz Fernando Cardoso, responsável pela pesquisa. O levantamento também mostrou que o número de horas de treinamento ao ano para todos os empregados foi influenciado por essa preocupação maior com os níveis operacionais, e cresceu 33%. Com isso, foram 22 horas anuais por funcionário, em média.
Apesar do aumento, a carga de horas de treinamento ainda é baixa se comparada à de países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, um funcionário recebe, em média, 32 horas de capacitação por ano. No Brasil, é sabido que as empresas sofrem com a baixa qualificação dos profissionais. Mas, por lá, a situação não é muito diferente. Um estudo da consultoria McKinsey, divulgado em fevereiro, revelou que quase 60% dos empregadores americanos reclamam da falta de preparo dos candidatos, sobretudo para os cargos de níveis mais baixos.
Em 2015, um estudo na mesma linha, conduzido por outra consultoria, a americana ManPowerGroup, concluiu que 61% das empresas brasileiras também se ressentem da falta de profissionais qualificados para preencher vagas disponíveis. Como os funcionários não chegam prontos às companhias, resta a elas a opção de treiná-los.
No Brasil, com a dispersão geográfica, muitas empresas têm apostado fortemente no uso de smartphones e tablets para ensinar novos conteúdos aos funcionários. Foi o que fez a concessionária de energia Enel em suas operações nos estados do Ceará e do Rio de Janeiro, onde treinou 5 000 eletricistas em 250 municípios. Eles já usavam celular fornecido pela companhia para o trabalho em campo. Em 2015, o conteúdo de apostilas foi convertido em vídeos curtos, cheios de animações e infográficos para ser vistos no aparelho.
Para incutir nesses funcionários princípios de segurança e conceitos básicos sobre eletricidade, a Enel precisou mostrar a utilidade prática do tema ministrado. Isso porque os adultos costumam ser céticos em relação aos benefícios de aprender novos conteúdos, sobretudo no trabalho. É evidenciado nos vídeos, por exemplo, que o descaso com o uso de equipamentos como luvas e capacete pode provocar de uma queimadura à morte súbita.
“Geralmente, os funcionários sabem fazer o trabalho, mas é crucial mostrar as razões pelas quais ele deve ser feito dessa ou daquela maneira”, diz Gladys Mariotto, presidente da Já Entendi, startup que ajudou a Enel a reformular os treinamentos para os eletricistas. Com a mudança, a taxa de absorsão do conteúdo entre os funcionários cresceu. Além da flexibilidade de acesso, o que atrai as empresas no uso dos formatos e dos dispositivos digitais de treinamento é a possibilidade de monitorar cada passo dado pelos alunos e, dessa forma, promover melhorias.
A fabricante de cosméticos Natura descobriu que os vídeos dedicados a treinar suas revendedoras, antes com duração de até 30 minutos, não devem exceder 10 minutos. Afinal, elas costumam ficar, em média, não mais do que 12 minutos online cada vez que acessam o portal da companhia.
Ainda que o uso de recursos digitais tenha se tornado imperativo, o método tradicional com professor em sala de aula continua valendo. Mas cada vez mais a missão de ensinar tem sido dada a profissionais da companhia, em vez de consultores externos. No banco Santander, até 2015, 75% dos instrutores vinham de fora. Hoje são apenas 20%. A empresa treinou 150 funcionários para atuar como multiplicadores dos treinamentos presenciais, hoje equivalentes a 10% do total de cursos oferecidos aos empregados.
O restante está online desde outubro, o que permitiu que a oferta de cursos para cargos operacionais aumentasse dez vezes. Ao fazer que bons empregados virassem professores, o Santander diminuiu 41% dos recursos investidos em treinamento no último ano, mesmo tendo aumentado a oferta de cursos. Mas há outra razão além da financeira. “Eles servem de exemplo”, diz Vanessa Lobato, vice-presidente de RH do Santander. Ou seja, a prata da casa tem mais credibilidade do que gente de fora. E, sim, custa menos. Eis duas palavras que soam como música em tempos de crise.