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“Não gosto dos ricos”, declara François Hollande

O novo presidente da França é o intérprete de um velho sentimento nacional: a ideia de que a riqueza é um pecado. O resultado é que já há 2,5 milhões de franceses vivendo no exterior — e o êxodo só cresce

François Hollande: recusa em aceitar que a 
riqueza possa ser produto de trabalho, mérito ou sucesso  (Thomas Coex/AFP)

François Hollande: recusa em aceitar que a riqueza possa ser produto de trabalho, mérito ou sucesso (Thomas Coex/AFP)

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Da Redação

Publicado em 21 de junho de 2012 às 10h47.

São Paulo - Direita e esquerda, palavras que os franceses utilizam para simplificar a vida, reduzindo as discussões e disputas políticas na França a apenas dois lados, vêm se sucedendo no governo há mais de 50 anos e, ao longo desse tempo todo, há um assunto que não sai do ar: os ricos, ou quem é descrito como tal. O que fazer com eles?

A direita, embora fale na importância de preservar a liberdade econômica, tem vergonha de ficar abertamente a seu favor; a esquerda, como se pode esperar, tem certeza de que equivalem às dez pragas do Egito. Quanto aos próprios ricos, a impressão que se tem, após décadas de intensos debates, é que nada disso chegou a causar alterações profundas em suas vidas, suas fortunas e seu número. E agora?

Na semana passada, assumiu a Presidência da França o candidato socialista, François Hollande, vencedor das últimas eleições — e o estandarte mais levantado em sua campanha foi a promessa de dar uma dura, desta vez para valer, em tudo o que possa ser definido como “rico”.  

Entre o que os políticos franceses dizem e o que realmente acontece depois na vida cotidiana, há uma vasta diferença. Mas é bem possível que Hollande se esforce, mais do que todos os presidentes e primeiros-ministros que vieram antes dele, na tentativa de levar realmente à fase de execução a cruzada que pregou durante a campanha eleitoral.

A França e os franceses, como se sabe, têm uma relação difícil com o dinheiro. Todo mundo, obviamente, é um severo defensor da propriedade privada quando se trata do próprio patrimônio. Mas não há simpatia em relação ao patrimônio dos outros, sobretudo quando ele é percebido como “excessivo”, nem pela ideia geral de que ganhar dinheiro pode ser uma atividade positiva — por criar riqueza, incentivar o crescimento da economia, gerar empregos e assim por diante.

Pensa-se com frequência que não é “justo” que uns tenham muito mais que outros, embora ninguém defina com exatidão quanto seria, na ponta do lápis, esse “muito mais”; não é comum, também, o hábito de analisar por que um indivíduo, afinal, consegue ficar rico. Não seria porque trabalhou mais, é mais inteligente ou teve mais disposição para assumir riscos?


Nada disso parece interessar às crenças, já formadas há muito tempo, sobre o tema da riqueza. Numa das definições mais comuns sobre a França, afirma-se que dos três princípios supremos do lema nacional — liberté, égalité, fraternité — os franceses gostam mesmo é do segundo.

Hollande parece o homem certo, no momento, para interpretar esse tipo de sentimento nacional. “Não gosto de gente rica”, já disse ele. Filho de um médico de interior, nunca saiu das fronteiras da classe média, e sua última declaração de renda informa que ganhou 78 000 euros, brutos, no ano de 2011, ou 6 500 mensais.

É o equivalente, em reais, a uns 16 000 por mês — um fenômeno de modéstia, realmente, quando se pensa no que acontece no Brasil, sobretudo para um homem de quase 58 anos de idade e que passou praticamente a vida inteira na política.

Hollande, a partir de agora, terá a oportunidade de ver se consegue, como prometeu na campanha, socar 75% de imposto de renda em quem ganha mais de 1 milhão de euros por ano; também quer aumentar para 45% o imposto sobre rendimentos superiores a 150 000 euros anuais.

Não são as cifras, na verdade, que impressionam — os tais 75%, por exemplo, não atingiriam mais que 20 000 famílias, muito pouco para um país com 65 milhões de habitantes. O que chama a atenção é a hostilidade que o novo governo demonstra em relação à liberdade econômica, ao assumir como postura de Estado os sentimentos que consideram riqueza não como sinal de sucesso, mérito ou trabalho, mas como um simples pecado.

Por causa desse ambiente, 2,5 milhões de franceses vivem no exterior, 400 000 só na Inglaterra, num êxodo que aumenta ano a ano — já são mais que os 2,3 milhões de brasileiros que residiam no estrangeiro ao final de 2011. Bom sinal não é.

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