Revista Exame

Não é só máquina: atendimento humanizado é chave para reter clientes

Entenda quais as ferramentas usadas pelas empresas para gerenciar comunidades sem perder o foco no consumidor

Evino: e-commerce acaba de inaugurar, em São Paulo, a sua primeira loja física (Leandro Fonseca/Exame)

Evino: e-commerce acaba de inaugurar, em São Paulo, a sua primeira loja física (Leandro Fonseca/Exame)

Da Redação
Da Redação

Redação Exame

Publicado em 26 de abril de 2023 às 06h00.

Em 1937, o trágico incêndio que consumiu o dirigível Hindenburg durante as manobras de atracação em Nova Jersey, Estados Unidos, matando 35 dos 97 ocupantes, pôs um fim à breve era de voos desse tipo de aeronave. O Brasil vinha sendo destino de outro dirigível, o Graf Zeppelin, que havia realizado alguns voos partidos da Europa desde 1932. Com a suspensão dessas viagens, 6.000 cilindros de gás propano, utilizado como combustível, ficaram armazenados no Rio de Janeiro e no Recife.

O empresário Ernesto Igel, um austríaco naturalizado brasileiro, comprou todos os cilindros e começou a comercializá-los como gás para cozinha através da Empresa Brasileira de Gás a Domicílio (a futura Ultragaz). Num tempo em que a maior parte da população utilizava fogões a lenha, foi assim que teve início a história do gás liquefeito de petróleo (GLP, o popular “gás de cozinha”) como combustível no país. 

Quase um século depois, o Brasil produz, exporta e é um dos maiores consumidores de GLP do mundo. O combustível está presente em 91% dos domicílios do país e, de acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, as vendas vão crescer 1,4% em 2023. O mercado de GLP no Brasil é extremamente competitivo, dominado por quatro grandes empresas: Ultragaz, Liquigás, Nacional Gás e Supergasbras, que, juntas, detêm 83% de participação.

A competição é acirrada porque o mercado de GLP é aberto e livre no país; ou seja, o consumidor pode optar por comprar o botijão da marca que melhor atendê-lo. E, para enfrentar as concorrentes na busca por novos consumidores, a Supergasbras, dona de uma fatia de 20,5% do mercado, tomou em 2022 a decisão de criar a Diretoria de Experiência do Cliente. “Ficou claro que o caminho para vencer a concorrência, conquistar e fidelizar os consumidores no médio e no longo prazo, é colocar o cliente no centro das atenções”, diz Rodrigo Moreira, diretor responsável pela área.

Nessa diretoria, Moreira comanda, além da área de atendimento, um time focado na análise de dados e em informações coletadas por meio do CRM, que está integrado aos departamentos de marketing e pesquisa com consumidores. “O resultado dessas pesquisas nos ajuda a mapear os problemas para que nossos squads já trabalhem de maneira a providenciar ajustes nas demandas dos clientes e identificar futuras falhas que podem gerar reclamações”, explica Moreira. “Com uma base confiável de informações de nossos clientes em tempo real e reunidas no CRM, conseguimos atuar de maneira transparente e assertiva.” Depois que a diretoria foi criada, o índice de satisfação do cliente cresceu 110%. 

É inegável que o uso de CRM — sigla em inglês de customer relationship management ou, numa tradução livre, “gerenciamento de relacionamento com o cliente” — vem sendo cada vez mais estratégico pelas empresas, gerando eficiência e resultados. Afinal, esses softwares são capazes de unificar todos os pontos de contato com as comunidades em uma mesma plataforma, de e-mail marketing e redes sociais a contact centers e chatbots.

A oitava edição do relatório global State of Marketing, pesquisa realizada com 6.000 profissionais de marketing ao redor do mundo e divulgada pela Salesforce, líder mundial em soluções de CRM, é reveladora: para fidelizar os clientes, as prioridades das áreas de marketing são melhorar e modernizar o uso dessas soluções e de outras ferramentas e tecnologias disponíveis, e implementar estratégias criativas offline para reter os clientes. Na pesquisa, 80% dos profissionais de marketing dizem que suas organizações lideram iniciativas de experiência do consumidor no negócio.

“O CRM é uma tecnologia que traz eficiência operacional e que permite reduzir o tempo médio de atendimento para trazer a solução ao cliente já no primeiro contato”, diz Marcelo Fernandez, diretor de serviço ao cliente da Neoenergia, distribuidora que fornece energia elétrica a 16 milhões de consumidores em cinco estados e no Distrito Federal. 

Programa SER: apoiada pela Neoenergia, a iniciativa leva capacitação a comunidades (Programa SER/Divulgação)

Além dessa ferramenta, a Neoenergia utiliza outras soluções digitais para aprimorar o relacionamento com os clientes. A plataforma Data & Analytics, por exemplo, é uma infraestrutura para computação em nuvem que possibilita a colaboração entre profissionais com diferentes especialidades — como estatística, computação e negócios —, para analisar grandes quantidades de dados.

A partir dessas análises, a empresa identifica oportunidades e obtém insights valiosos para tomadas de decisão mais estratégicas e precisas. Por meio de pesquisas, a Neoenergia vem promovendo o que chama de “digitalização humanizada dos clientes”. Um exemplo é o assistente virtual no WhatsApp (chatbot), que permite fazer videochamadas entre os agentes de call center e clientes para garantir o atendimento em primeiro contato, sem a necessidade de envio de equipe de campo. Em três anos, foram mais de 40 milhões de atendimentos.

Contato humano no digital

Tanto na visão da Supergasbras quanto da Neoenergia, a aproximação com os consumidores considera também o investimento em ações sociais e de patrocínio à cultura, ao esporte e à cidadania. No caso da Supergasbras, são exemplos as campanhas SOS Chuvas na Bahia, em 2021, SOS Petrópolis (2022) e SOS São Sebastião (2023), para arrecadação de mantimentos e doação de dinheiro para ajudar as vítimas dos temporais que acometeram essas regiões. Durante a pandemia, a empresa doou botijões de gás em uma parceria com a Central Única de Favelas (Cufa). “Sabemos que o custo do botijão de gás faz a diferença na vida das pessoas”, diz Rodrigo Moreira, da Supergasbras. 

Com uma conjuntura semelhante — assim como já ocorre no setor de GLP, o mercado livre de energia será uma realidade a partir de 2026 —, a Neoenergia também aposta em ações que impactam diretamente o bolso dos clientes. Uma delas é o Programa SER, que leva a 14 comunidades localizadas na Paraíba e no Rio Grande do Norte — nas proximidades dos parques eólicos e das linhas de transmissão da companhia — projetos de capacitação e empreendedorismo para geração de renda.

Outra iniciativa é a campanha “Neonergia paga a sua conta”. Realizada pela página da marca no Instagram, ela sorteia créditos mensais de 500 reais, por um ano, para clientes que estejam com a conta de luz em dia. “Com o mercado livre, tudo muda: nós temos de colocar o cliente no centro de nossas estratégias conectando-os com as nossas plataformas digitais desde já, para proporcionar a ele a melhor experiência de marca”, afirma Lorenzo Perales, diretor de marketing da Neoenergia. 

Segundo o executivo, a escolha do Instagram como canal de promoção de campanhas se deu depois que a empresa fez um estudo que apontou que as redes sociais são uma ferramenta importantíssima de relacionamento com o cliente. “Se somos uma empresa líder no segmento de atuação, temos de nos posicionar como líderes nas redes sociais também”, diz Perales. Em 15 dias de campanha, segundo ele, a empresa passou de 60.000 para 300.000 seguidores no Instagram. “Hoje as marcas têm de entender que é preciso oferecer a mesma experiência em todos os canais. E tem de lembrar que no digital a parte humana é muito importante”, afirma Fernandez. Por isso, a empresa investe também no atendimento em lojas físicas, presentes nos lugares mais estratégicos nas praças onde atua. 

Sempre onde o cliente está

Por mais paradoxal que possa parecer, mesmo para uma empresa nativa digital os canais de venda e relacionamento offline passam a ganhar importância cada vez maior. A Evino, maior e-commerce de vinhos da América Latina, com mais de 30 milhões de garrafas vendidas em dez anos de atividade e pioneira ao lançar em 2015 um aplicativo de vinhos, acaba de inaugurar em São Paulo a sua primeira loja física, onde os clientes podem comprar vinhos e interagir com a marca por meio de experiências como degustações, testes de aromas e consulta ao sommelier na hora de escolher um rótulo.

Está prevista também a inauguração de outras 15 lojas ainda neste ano, o que não significa que o uso intensivo de dados deixe de estar no DNA da marca que, desde 2022, integra a holding Víssimo, controladora também da importadora e varejista de vinhos Grand Cru. “Seguimos investindo em tecnologia porque acreditamos que o uso de dados é uma ferramenta geradora de valor aos consumidores”, diz Eduardo Souza, diretor de negócios digitais do Víssimo Group. 

Ao pedir que o cliente forneça o e-mail para conseguir obter descontos na loja virtual, a Evino entende que está gerando valor ao consumidor e que ele começa a fazer parte de uma comunidade, já que o modelo de negócios prevê que ele receba ofertas novas o tempo todo. Pode ser uma campanha que dure poucas horas ou um produto que está sendo ofertado pela primeira vez.

“O e-mail é só a porta de entrada. A partir dos dados que o cliente nos fornece, como o vinho adquirido na primeira compra, vamos adequando nosso CRM para colocar as ofertas que são mais coerentes para ele o tempo inteiro”, diz Souza. A implantação em curso de um novo CRM mais robusto — capaz de multiplicar por dez a segmentação dos perfis de cliente — beneficia até mesmo o vendedor na loja física.

“A gente ainda consegue colocar na mão do vendedor o contato das pessoas que abandonaram o carrinho no site no dia anterior, e ele pode efetuar uma venda muito mais humanizada e empática”, diz o diretor de negócios digitais do Víssimo Group. “É um exemplo de novidades que traremos tanto para a Evino como para a Grand Cru, nos múltiplos canais de venda para uma experiência 360 graus.”

Inteligência artificial a serviço da eficiência

Segundo Souza, o Víssimo Group começa a estudar as oportunidades que a inteligência artificial (IA) pode oferecer, seja para gerar conteú­do customizado a partir do próprio CRM, seja para apoiar a inteligência de dados e melhorar as ofertas. “O uso do ChatGPT e da inteligência artificial deve focar o máximo possível aquilo que vai gerar valor para a empresa e para o cliente. No nosso caso, poderemos criar rótulos personalizados, por exemplo”, diz Souza. Segundo ele, a IA pode gerar ganho de eficiência e economia de custos na automação de algumas tarefas, mas, por outro lado, vai exigir a contratação de profissionais com novas competências. “Vamos precisar de pessoas que saibam fazer boas perguntas para o algoritmo. Quanto melhor for a pergunta, melhor será o resultado”, diz Souza. 

“O mundo está passando por uma das mudanças tecnológicas mais profundas com o surgimento de tecnologias em tempo real e IA generativa” Marc Benioff, CEO da Salesforce (Roy Rochlin/Getty Images)

Os provedores em IA e ChatGPT vêm acelerando os estudos com essas tecnologias. A Salesforce, por exemplo, anunciou a plataforma Einstein GPT, que está atualmente em um programa-piloto fechado. Segundo a empresa, o Einstein GPT é a “primeira tecnologia generativa de inteligência artificial” para CRM do mundo, que fornece conteúdo criado automaticamente para setores de vendas, serviços, marketing, comércio e TI, em altíssima escala.

O Einstein GPT poderá, por exemplo, gerar e-mails personalizados para que os vendedores enviem aos clientes, criar respostas específicas para os profissionais de atendimento responderem mais rapidamente às perguntas recebidas, elaborar conteúdos direcionados para os profissionais de marketing para aumentar as taxas de resposta da campanha, além de fornecer códigos para desenvolvedores. “O mundo está passando por uma das mudanças tecnológicas mais profundas com o surgimento de tecnologias em tempo real e IA generativa. Isso ocorre em um momento crucial, pois todas as empresas estão focadas em se conectar com seus clientes de maneiras mais inteligentes, automatizadas e personalizadas”, diz Marc Benioff,­ CEO da Salesforce. 

Na Neoenergia, o uso da inteligência artificial na atenção ao cliente já é uma realidade. Com a ajuda dessa tecnologia capaz de processar linguagem natural, a empresa aciona os clientes em pesquisas via telefone para entender melhor como eles se sentem em relação aos serviços prestados. “Obtemos feedback diário e entendemos com precisão o nível de satisfação deles, bem como o motivo por trás desses sentimentos”, conta Fernandez. Afinal, não importa a plataforma, e sim onde o cliente quer ser atendido e impactado. 

Acompanhe tudo sobre:exame-ceoAtendimento a clientesInteligência artificial

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda