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A poluição cobra uma fatura da China - bom para o Brasil

A contaminação do solo já compromete quase 20% da área agrícola da China. Os chineses vão depender cada vez mais de comida importada — especialmente do Brasil

Plantação de arroz na China: nuvem de poluição e terras contaminadas prejudicam a produção agrícola (China Photos/Getty Images)

Plantação de arroz na China: nuvem de poluição e terras contaminadas prejudicam a produção agrícola (China Photos/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 24 de junho de 2014 às 14h59.

São Paulo - Uma imensa e espessa nuvem de poluição paira sobre parte da China, impedindo que em 15% do território do país as pessoas enxerguem o céu. Ela está não apenas encobrindo metrópoles — que respondem por grande parte das emissões de carbono — mas também atingindo a zona rural.

Nos arredores de Pequim, a poluição do ar é tamanha que reduz a incidência de luz solar nas lavouras, fazendo com que as sementes se desenvolvam de forma mais lenta e as plantas tenham dificuldade para crescer.

Segundo uma pesquisa da Universidade Agrícola da China, sementes de pimenta e de tomate, que normalmente demoram 20 dias para brotar, precisaram de dois meses para se desenvolver, mesmo sob iluminação artificial, numa fazenda no distrito de Changping, na capital chinesa.

O problema não está apenas na atmosfera. Segundo um documento divulgado no fim do mês passado pelo governo chinês, 19% da área cultivável na China está contaminada, o que equivale a 26 milhões de hectares (ou a extensão do Reino Unido).

Do total dessa área, quase 83% têm presença de poluentes como cádmio, mercúrio e arsênio, subprodutos da atividade mineradora que alcançam o solo rural por meio de água também contaminada. Esses metais pesados podem ser absorvidos pelas plantas e prejudicar pessoas e animais.

O governo chinês afirma que uma parcela dessa área, de 3,3 milhões de hectares (equivalente ao território da Bélgica), já está completamente inutilizada para a agricultura. Estima-se ainda que cerca de 13 milhões de toneladas de grãos sejam colhidas em terras poluídas e acabem no prato dos chineses.

É a primeira vez que a China reconhece a gravidade do problema. Em 2010, os resultados de uma pesquisa nacional sobre contaminação de solo conduzida pelo governo foram mantidos em segredo. Isso porque a população chinesa vive uma crise de confiança em relação ao que se consome no país.

Desde 2008, quando se descobriu que parte do leite em pó produzido na China estava contaminada com melamina, uma substância tóxica utilizada na fabricação de plástico, as importações do produto cresceram mais de 600%. No ano passado, análises confirmaram que o arroz produzido na província de Hunan — celeiro do grão mais consumido no país — tem presença de cádmio.

Logo após a divulgação dos dados de contaminação das terras, o governo anunciou um plano nacional de recuperação do solo. Na área agrícola, a primeira fase do projeto para descontaminar a terra consumirá 5 bilhões de dólares até 2017. Uma estimativa da Universidade Renmim aponta que serão necessários 23 bilhões de dólares para dar conta da faxina. 

Enquanto a limpeza não terminar, o país terá de lidar com a principal consequência da terra temporariamente perdida: como alimentar a maior população do mundo. Em volume, a China é a maior consumidora de produtos agrícolas do planeta.

À medida que mais chineses migram do campo para as cidades e passam a receber salários mais altos, eles melhoram a alimentação — enquanto um trabalhador rural gasta o equivalente a 264 dólares por ano com comida, um chinês que ganha a vida no meio urbano despende 704 dólares em alimentos.

Graças aos subsídios, a produção de grãos na China avançou velozmente na última década — a colheita de milho, por exemplo, saltou de 121 milhões de toneladas, em 2002, para 208 milhões, em 2012. O país é autossuficiente na produção de trigo, arroz e milho e na criação de aves, mas isso está prestes a mudar.

Com a diminuição das áreas para a agricultura em razão da contaminação do solo, será preciso importar cada vez mais. Segundo as projeções do governo australiano — um dos grandes fornecedores dos chineses —, a China, que hoje exporta produtos como trigo e milho, em 2020 passará a importá-los.

Em 2012, o país comprou do exterior quase 157 bilhões de dólares em produtos agrícolas, um salto de mais de 600% em comparação ao total registrado uma década atrás, quando a China adquiriu do mundo 22 bilhões de dólares em produtos do campo.

“O que acontece com a agricultura chinesa impacta o mundo inteiro, pois pressiona a formação dos preços agrícolas”, diz Judith Shapiro, diretora do Programa de Recursos Naturais e Desenvolvimento Sustentável da American University, em Washington. 

O Brasil, segundo maior parceiro agrícola da China, atrás apenas dos Estados Unidos, deverá aumentar ainda mais as vendas. Hoje, metade da soja que entra na China vem do Brasil — foram 32 milhões de toneladas vendidas no ano passado. Se as estimativas se confirmarem, esse número deverá saltar para 47 milhões. A previsão, porém, é considerada conservadora.

“Nossa produção deverá aumentar mais do que a dos outros grandes produtores mundiais nos próximos anos”, diz José Carlos Hausknecht, sócio-diretor da MB Agro Consultoria. “Ou seja, teremos soja para oferecer a quem precisar.”

No mercado agrícola mundial, é comum que desgraças de um lado favoreçam os negócios em outro. Quando um furacão arrasa a plantação de laranja americana, os produtores brasileiros lucram. Os fazendeiros de nosso Centro-Oeste lamentam a contaminação das terras chinesas, mas agradecem pela preferência.

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