Revista Exame

ESG está longe de "finanças benevolentes" e mais próximo de gerar retorno para empresas

Para a financista americana Marisa Drew, presidente da área de investimento de impacto do banco Credit Suisse, o capital aplicado em empreendimentos sociais é necessário para a sociedade

Marisa Drew, presidente da área de investimento de impacto do banco Credit Suisse (Divulgação/Divulgação)

Marisa Drew, presidente da área de investimento de impacto do banco Credit Suisse (Divulgação/Divulgação)

RC

Rodrigo Caetano

Publicado em 11 de março de 2021 às 05h36.

Os profissionais do mundo das finanças de hoje receberam, provavelmente, uma formação tradicional — gestão, contabilidade etc. Foi assim com a financista americana Marisa Drew, presidente do departamento de investimento de impacto do banco ­Credit Suisse. Integrante do conselho de liderança feminina da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, Drew entende que esse jeito de ensinar está errado. Falta incluir, na prática administrativa, um componente crucial: a sociedade. 

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Drew fez uma carreira brilhante no mercado financeiro tradicional. Antes de se juntar ao banco suíço, em 2003, trabalhou no Merrill Lynch por 11 anos. Foi reconhecida como uma das mulheres mais poderosas do mercado financeiro pela BBC e pela Fortune, e integra a lista “100 Mulheres mais Influentes nas Finanças”, do Financial News.

Mas, agora, ela busca dar outro sentido para a palavra “retorno” — um que não permita o uso conjunto da expressão “a qualquer custo”. 

Essa construção passa por reconhecer a falsa dicotomia entre gerar impacto positivo e obter retorno financeiro. As duas coisas não apenas andam juntas como o impacto positivo é um sinal de que o negócio, ou investimento, está no caminho certo. E mais: é imperativo que as empresas entendam a lógica, ou as desigualdades sociais vão “implodir” a sociedade. Do escritório em Londres, Drew falou com a EXAME por vi­deoconferência. 

Num evento do Banco Mundial, em 2019, a senhora disse que a onda ESG que se formava na época não era “só pela grana”. Para um banco do porte do Credit Suisse, o que motiva essa mudança? 

Preciso fazer um esforço para me lembrar disso, foi há tanto tempo. No mundo do ESG, um ano equivale a uma década em tempo normal. Provavelmente, eu estava falando sobre a falsa dicotomia entre dinheiro e impacto positivo. Não precisamos abrir mão de retorno para mobilizar capital em favor do bem. Não estamos falando de “finanças benevolentes”.

No mundo financeiro tradicional, havia uma separação entre filantropia e desenvolvimento social, de um lado, e ganhar dinheiro, de outro. Essa teoria se mostrou errada. Buscar gerar impacto positivo com seu capital não apenas oferece oportunidades de grandes retornos como permite uma avaliação melhor dos riscos. Esse é o grande “despertar” das finanças sustentáveis. 

Estamos entrando na chamada “década da ação”, para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. O que isso representa para o mundo financeiro?

É interessante você trazer o tema dos ODS. Inicialmente, eles não foram definidos como metas financeiras. Mas, para implementá-los, os cientistas tiveram de quantificar o esforço necessário. O que descobriram foi que todos os recursos governamentais e filantrópicos do mundo não seriam suficientes.

O setor com fins lucrativos deveria participar. É minha crença que, se o seu capital resolve um problema, ele é necessário. Portanto, gerar impacto positivo é sempre um bom negócio. Não vamos resolver todos os problemas em uma década. Porém, a partir do momento em que houve uma conscientização sobre o papel do setor privado no desenvolvimento dos ODS, a mobilização de capital foi muito rápida. No ano passado, o volume de recursos destinados a ativos sustentáveis dobrou.

A Bloomberg estimou que esse mercado chegará a 52 trilhões de dólares nos próximos anos. 

Os ativos sustentáveis vão dominar o mercado? 

Hoje temos um terço de ativos sustentáveis e dois terços de tradicionais. Mas essa não é uma resposta simples. Quando a maior gestora do mundo, com 9 trilhões de dólares em ativos, passa um recado de que pode desinvestir de setores que não reformularem seus modelos de negócios, como fez a americana BlackRock, ela inicia um processo de mudança, que pode ser mais rápido do que se imagina. Então, por que investir em setores que podem ter seus modelos de negócios inviabilizados, se há outros que já estão se reformulando? 

A pandemia acelerou ou retardou esse processo? 

A pandemia, de diversas formas, fez as pessoas pararem para refletir sobre o que não estava funcionando. Essa reflexão é importante. Talvez alguns modelos de negócios estejam desatualizados. Dos planos para recuperar a economia, estão surgindo muitos modelos sustentáveis. E quando o capital privado e os governos alinham suas metas as mudanças acontecem. 

Essas mudanças na forma como o capital é aplicado tornam necessária uma mudança na forma de pensar as finanças? Como as escolas de negócios devem lidar com isso? 

Estudei e fiz carreira em um ambiente financeiro muito tradicional. Eu voltei à escola de negócios em que estudei e falei que era preciso repensar a maneira de ensinar finanças. Não só pela falsa dicotomia entre benefício social e retorno, mas porque é uma maneira de reduzir riscos. Fazer perguntas sobre o impacto do negócio torna a análise mais eficiente — e você mais esperto. 

As gerações mais jovens são mais propensas a aceitar essa nova maneira de pensar as finanças? 

Sim, totalmente. Nós somos o banco de algumas das pessoas mais ricas do mundo, e vemos que os jovens herdeiros dessas fortunas são muito preocupados com os impactos de seus investimentos. A verdade é que as novas gerações não gostam do mundo que estão herdando.

As mudanças climáticas são uma ameaça grande para elas, então, quando tiverem o controle dos recursos, o que é uma questão de tempo, vão direcioná-los para onde houver uma solução para esses problemas. Esses jovens já estão fazendo isso como consumidores. No ano passado, fizemos o IPO de uma empresa que vende roupas de segunda mão.

Nunca pensei que teríamos na bolsa uma companhia de produtos usados. Mas há uma inclinação da juventude a ser menos consumista. Quem não prestar atenção nessas demandas vai perder mercado.  

Logo após a crise de 2008, surgiu o movimento Ocupe Wall Street. Neste ano, por meio de uma rede social, ativistas geraram perdas bilionárias a algumas gestoras ao valorizar as ações da varejista de jogos Game Stop. Os jovens ativistas estão ficando mais sofisticados?

É uma boa pergunta. Ainda não parei para pensar nessa associação de maneira mais profunda. Talvez alguns desses episódios não deveriam ser tão surpreendentes. A ideia de usar o coletivo, participar de um grupo, para fazer algo acontecer é bastante atraente, especialmente se você usa a tecnologia. Não é diferente do que estão fazendo os ativistas climáticos.

Mas também pode ser apenas para ganho pes­soal. Sempre há investidores dispostos a ocupar esses espaços não regulados. O problema é quando pessoas com conhecimentos básicos no mercado financeiro resolvem entrar na onda e acabam se afogando. É assim que as bolhas se formam.

Não é diferente com bitcoin ou com outras bolhas que vimos no passado. O pequeno investidor é quem fica com o prejuízo. 

As bolsas bateram recordes de alta durante a pandemia. Estamos vivendo uma bolha?

Não sou uma analista de ações, então talvez não seja a melhor pessoa para responder a essa pergunta. Mas eu acredito que há um lado psicológico nas oscilações do mercado. Quando há uma queda, as pessoas buscam por qualquer motivo para a negatividade, e as bolsas despencam.

De uma hora para outra, sem nenhum motivo, voltam a subir. Pode ser que os investidores tenham se cansado de tanta negatividade na pandemia e decidido buscar um motivo para ser positivos. 

O presidente Joe Biden vai impulsionar a agenda das finanças sustentáveis?

Ele se elegeu com essa promessa e já está agindo nesse sentido. Ele se elegeu com um discurso de criação de empregos via investimentos na economia verde, em detrimento dos subsídios aos combustíveis fósseis. Pelo que tenho notícia, ele também está revertendo sistematicamente políticas e regulações estabelecidas por Donald Trump que vão contra a agenda ambiental.

Quando ficou claro que os democratas poderiam vencer as eleições, nós lançamos a “cesta Biden”, com ações que poderiam se beneficiar de suas políticas. Esses papéis, basicamente de empresas de energia limpa, valorizaram, de fato. O presidente tem sido muito transparente em suas ações.

A força do capital privado é capaz de resolver a desigualdade social que ainda persiste no mundo capitalista? Qual será o papel dos governos nessa nova configuração econômica?

Não será só com capital privado, ou só com capital público, que vamos resolver o problema. Muitos empreendedores estão criando modelos de negócios que buscam desenvolver o “S” do ESG. Vi soluções interessantes, no Brasil, de casas populares, por exemplo.

Os investidores estão buscando oportunidades em companhias que atuam na base da pirâmide. Em vez de tentar mudar todo um modelo de negócios para se encaixar em determinado estrato social, é melhor começar por um problema específico e, a partir dessa solução, fazer uma espécie de engenharia reversa.

De repente, a companhia vai sendo transformada. Mas sabemos que os governos têm várias lacunas a preencher, especialmente no pós-pandemia. O setor privado precisa estar aberto a parcerias. Algumas soluções simples, como regulações para permitir o surgimento de novos modelos de negócios no setor de saúde, por exemplo, podem ser muito efetivas. 

A questão é que a pandemia acentuou as desigualdades. E, com a transição para a nova economia, é possível que mais pessoas sejam deixadas de fora por falta de capacitação. Como resolver isso?

Começa com o básico. As pessoas precisam de três coisas para ser capazes de se desenvolver: moradia, comida e serviços de saúde. Mas acredito que o maior desafio esteja na educação. Mesmo nos países desenvolvidos, os mais pobres recebem uma educação de pior qualidade. Com tecnologia, isso pode melhorar.

Antes da pandemia, menos de 3% do ensino no mundo era digital. Passamos para mais de 90%. A educação digital permite maior personalização. Nem todo mundo aprende da maneira tradicional. Também devemos gastar tempo e dinheiro em capacitações para empregos que vão existir no futuro. É um tema complicado, no entanto; são muitas intervenções necessárias.

Agora, de uma forma ou de outra, se não resolvermos [a desigualdade], a sociedade vai implodir. De certa forma, será um despertar forçado, porque não é sustentável do jeito que está.  


(Publicidade/Exame)


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