Fila de eleitores na Índia: o desemprego está no centro da disputa eleitoral | Nitin Kanotra/Hindustan Times/Getty Images /
Da Redação
Publicado em 25 de abril de 2019 às 05h26.
Última atualização em 24 de julho de 2019 às 17h20.
Nenhuma outra eleição no mundo exige um esforço tão monstruoso quanto a da Índia. Num país com 900 milhões de eleitores, uma área que tem duas vezes o estado do Amazonas e uma geografia tão diversa quanto a de um continente inteiro, só a logística para registrar todos os votos é um trabalho descomunal que leva 37 dias. Em algumas regiões das montanhas do Himalaia, por exemplo, as equipes só chegam de helicóptero e têm de percorrer um terreno acidentado durante dias, dormindo em acampamentos e usando cilindros de oxigênio para ajudar a respiração nas grandes altitudes.
Já num vilarejo das ilhas de Andamã e Nicobar — que ficam a 1.400 quilômetros da costa leste indiana — uma equipe precisou atravessar pântanos repletos de crocodilos para recolher os votos de apenas nove eleitores. Em Arunachal Pradesh, estado do nordeste da Índia, outra urna viajou cerca de 500 quilômetros para registrar o voto de um morador solitário. Por causa das dificuldades, a eleição parlamentar é realizada em sete etapas. Quando os resultados forem divulgados, no dia 23 de maio, a Índia saberá qual partido e qual primeiro-ministro deverão liderar o país durante os próximos cinco anos.
O anúncio dos resultados promete ser um show à parte. O Partido do Povo Indiano (Bharatiya Janata ou BJP), do primeiro-ministro Narendra Modi, e o Partido do Congresso, maior grupo de oposição, estão fazendo uma campanha exaustiva tanto nas ruas quanto nas redes sociais. De um lado está um governante popular que tenta se manter no poder por meio de um discurso nacionalista e centrado no hinduísmo, religião seguida por 80% da população. Do outro lado encontra-se um partido oposicionista social-democrata que governou a Índia durante boa parte do período entre 1950 e 2000 e que agora tenta retomar o governo. Seu principal apelo é a crítica a promessas não cumpridas do atual primeiro-ministro.
Modi chegou ao poder em 2014 prometendo criar empregos, acelerar o crescimento da Índia e trazer de volta os “bons tempos” econômicos. A economia indiana vive um momento muito positivo, mas isso ainda não se refletiu na vida de milhões de indianos. A meta de criar 10 milhões de empregos por ano, por exemplo, não se concretizou. Pelo contrário. Em janeiro, um relatório de uma agência do governo, publicado pelo jornal financeiro Business Standard, mostrava que a taxa de desemprego havia chegado a 6,1%, o maior nível em 45 anos.
Pesquisas de institutos independentes confirmam o aumento do desemprego. O que se vê é uma economia que, desde 2008, vem crescendo acima de 5% ao ano, mas não tem conseguido gerar postos de trabalho suficientes para a enorme população que aumenta a cada ano. Por causa da falta de oportunidades, da baixa qualificação da mão de obra e da desigualdade social — problemas que o Brasil, infelizmente, conhece bem —, nove em cada dez trabalhadores se ocupam na informalidade.
A desigualdade gritante entre homens e mulheres no mercado de trabalho é outro problema para a economia. A Índia tem 470 milhões de mulheres de 15 a 64 anos, mas apenas 27% delas participam de fato do mercado — no Brasil, a taxa é o dobro. E os números vêm piorando. Por causa da baixa participação, as mulheres indianas contribuem com apenas um sexto da atividade econômica do país, metade da média global. Entre os países do G20, grupo do qual a Índia faz parte, apenas a Arábia Saudita se sai pior.
O Fundo Monetário Internacional avalia que, se a Índia tivesse mais mulheres no mercado de trabalho, o país seria 27% mais rico. Muitas mulheres, mesmo com ensino superior, estão deixando o emprego para administrar a casa e cuidar dos filhos. Por essa e outras razões, a Índia ocupa a 108a colocação entre 149 países no índice de desigualdade de gênero do Fórum Econômico Mundial (o Brasil está na 95a posição).
A segunda promessa não cumprida de Modi foi a meta de dobrar a renda dos pequenos agricultores até 2020. A única coisa que aumentou de fato foi o número de protestos. O mais recente ocorreu em novembro, quando 100 000 agricultores marcharam na capital, Délhi, contra a demora do governo em reduzir suas dívidas. Embora oito governos estaduais tenham anunciado um alívio da dívida próximo de 27 bilhões de dólares, milhões de agricultores não receberam o dinheiro. Quase metade da população vive da agricultura e tem um peso eleitoral significativo. Qualquer protesto de agricultores torna-se uma questão política grave.
Os esforços do governo Modi para manter a inflação sob controle acabaram derrubando os preços de produtos agrícolas, prejudicando um setor que contribui com 17% da economia indiana, nível quase três vezes maior do que o do Brasil (6%). Modi prometeu que o governo compraria as colheitas a preço tabelado e faria ele mesmo a venda dos produtos a comerciantes e fábricas, assumindo o prejuízo. Mas a iniciativa não vingou. O governo não tem centros de distribuição com espaço de armazenamento suficiente. E os servidores públicos desses locais não têm experiência em encontrar compradores para os produtos. Os agricultores ficam dias na fila dos centros para conseguir vender seus produtos por um preço um pouco mais alto.
Mas quem está em melhores condições prefere vendê-los diretamente no mercado privado. “Temos empréstimos para pagar. Não podemos esperar semanas para receber o pagamento”, diz Abhijeet Dhanawade, agricultor de 35 anos de Ahmednagar, cidade de 400.000 habitantes a 250 quilômetros de Mumbai.
Além dos problemas dos agricultores, a classe média indiana está menos contente com o governo por causa dos sinais recentes de desaceleração. No quarto trimestre de 2018, a economia cresceu a uma taxa anual de 6,6%, o ritmo mais lento dos últimos cinco trimestres e distante dos 9,3% alcançados no início de 2016. As vendas de motocicletas, carros e outros bens duráveis estão mais fracas. E, desde janeiro, a produção industrial vem crescendo num ritmo abaixo de 2% ao ano, pouco para o padrão local. Por esses motivos, o Escritório Central de Estatísticas da Índia diminuiu a previsão de expansão do PIB neste ano de 7,2% para 7% — índice ainda de causar inveja mundo afora, mas que preocupa os indianos. O Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial também reduziram as estimativas.
Por outro lado, Modi tem seus trunfos. Um deles é a introdução de uma nova lei de falências que colocou mais controle sobre os proprietários de empresas em dificuldades financeiras. Antes, as velhas regras da Índia permitiam aos proprietários prolongar os processos judiciais e continuar na administração das companhias. Outro sucesso foi a implementação nacional de um imposto único sobre bens e serviços em 2017, substituindo uma série de impostos estaduais. Embora o novo imposto tenha gerado soluços na economia logo que foi lançado, hoje ele é visto como uma medida bem-sucedida. Por fim, mais uma iniciativa de grande êxito do governo Modi foi o projeto Aadhaar, um sistema de identificação biométrica que inscreveu mais de 1,3 bilhão de pessoas no país, permitindo ao governo depositar o dinheiro de programas sociais diretamente numa conta do beneficiário.
O sucesso dessas medidas, no entanto, não se traduziu em apoio eleitoral. O partido BJP levou um susto em dezembro quando perdeu as eleições em três grandes estados, com uma população somada de 182 milhões de pessoas. Não é uma surpresa que agora, na campanha eleitoral, Modi tenha abandonado a antiga promessa de eliminar a corrupção e modernizar a economia em favor de uma retórica nacionalista-religiosa de direita. A radicalização está se espalhando na sociedade. Nos últimos anos cresceu o número de ataques a minorias, geralmente muçulmanos, a pretexto de impedir o massacre de vacas, animal considerado sagrado pela religião hindu. De acordo com o IndiaSpend, site de jornalismo de dados, 97% dos assassinatos relacionados à intolerância religiosa desde 2010 foram registrados depois que o BJP chegou ao poder em 2014. Os casos de linchamento multiplicaram-se.
A educação tem sido um dos alvos favoritos da ala nacionalista do partido BJP. Recentemente, o governo alterou os livros de história das escolas e retirou as menções aos antigos reinos muçulmanos que dominaram partes da Índia entre os séculos 13 e 18, como o Império Mogol. Os nomes muçulmanos de algumas cidades indianas foram alterados para sua versão hindu. E no estado de Uttar Pradesh, o mais populoso da Índia, o governo liderado pelo BJP excluiu o Taj Mahal do guia oficial de turismo por causa de sua origem islâmica. Detalhe: o monumento é um dos mais conhecidos do mundo e recebe 8 milhões de visitantes por ano.
Modi também tem feito campanha para que a população vote em homenagem aos 40 paramilitares que foram mortos num ataque suicida no início deste ano na Caxemira. Logo depois, a Índia enviou caças que, supostamente, mataram centenas de terroristas do outro lado da fronteira, no Paquistão — uma alegação não confirmada. O Paquistão, por outro lado, afirma que a Força Aérea indiana destruiu alguns pinheiros e disse que planejava apresentar uma queixa contra a Índia por “ecoterrorismo”.
Não importa. A memória do público é curta. Modi continua popular entre as massas. Pesquisas de opinião sugerem que ele continuará no poder, embora com menos assentos no Parlamento para seu partido. Mas uma reviravolta não está descartada. Em meio a desafios econômicos tão complexos, a Índia precisa cuidar para não se deixar levar pelo radicalismo.