Revista Exame

Eleição nos Estados Unidos vira batalha de bilionários

Com o fim da maior parte das limitações a doações políticas, os super-ricos americanos estão abrindo o bolso como nunca para influenciar a disputa na eleição legislativa de novembro. Isso faz bem ou mal à democracia?


	Michael Bloomberg: os bilionários nos Estados Unidos estão cada vez mais empenhados em defender causas políticas
 (Andrew Burton/Getty Images)

Michael Bloomberg: os bilionários nos Estados Unidos estão cada vez mais empenhados em defender causas políticas (Andrew Burton/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 23 de outubro de 2014 às 15h05.

São Paulo - A eleição de deputados e senadores marcada para novembro nos Estados Unidos tem tudo para entrar para a história. Depois de uma série de decisões da Suprema Corte, a última delas em abril, os limites para as doações políticas foram relaxados.

Todos os americanos continuam iguais perante a lei, mas quem tem muito dinheiro poderá exercer um poder de influência muito maior sobre a classe política. A Suprema Corte dos Estados Unidos derrubou o limite de 123 000 dólares para cidadãos que queiram doar a partidos — agora não há nenhuma restrição nesse caso.

A decisão manteve o teto de 2 600 dólares para contribuições feitas diretamente a um candidato específico, mas tornou possível doar a um número ilimitado de políticos. As mudanças devem ter um impacto imediato: segundo a organização não governamental Center for Responsive Politics, esta deve ser a eleição legislativa mais cara de todos os tempos.

Essa última alteração nas regras foi a segunda decisão em quatro anos que flexibilizou as condições de financiamento de campanha. Em 2010, a mais alta corte da Justiça americana acabou com as restrições ao valor das contribuições de empresas, indivíduos e sindicatos a comitês políticos independentes.

Chamados de superpacs, esses comitês organizam encontros com eleitores, pagam anúncios na mídia e tentam convencer mais gente a doar a candidatos ou partidos apoiados. Como parte dos recursos chega aos comitês anonimamente, a imprensa americana batizou esse dinheiro com o sugestivo nome de dark money. 

Até agosto, os superpacs receberam 50 milhões de dólares em doações anônimas, o maior nível desde a mudança da lei. Nesse ritmo, o Center for Responsive Politics calcula que somente o total do dark money possa chegar a 1 bilhão de dólares até novembro. A título de comparação, esse dinheiro sem declaração de origem somou 311 milhões nas eleições presidenciais de 2012.

“Estamos vivendo a batalha dos bilionários”, diz Darrell West, diretor do instituto de estudos de governo no Brookings Institution, centro de estudos de Washington, e autor do recém-lançado Billionaires: Reflections on the Upper Crust (“Bilionários: reflexões sobre a elite”, numa tradução livre).

Para ele, as eleições deste ano estão atraindo mais a atenção dos bilionários porque a corrida pelo controle do Senado está acirrada. Os republicanos não estão medindo esforços para tentar reconquistar a maioria, enquanto os democratas juntam dinheiro para manter o controle.

“Se os republicanos vencerem, será difícil para o presidente Barack Obama fazer qualquer coisa nos dois últimos anos de mandato”, diz West. 

No Partido Republicano, as grandes estrelas entre os bilionários são os irmãos Charles e David Koch, magnatas do setor de petróleo. Juntos, eles devem injetar 290 milhões de dólares para influenciar a eleição.

Entre janeiro de 2013 e agosto deste ano, já patrocinaram quase 44 000 anúncios publicitários para criticar, entre outras coisas, a reforma de saúde do presidente Obama. Os anúncios têm sido veiculados principalmente nos estados que decidirão se o Senado voltará a ser controlado pelos republicanos. 

No lado democrata, um dos destaques é o bilionário Tom Steyer, fundador do fundo de hedge Farallon Capital Management. No começo do ano, ele prometeu publicamente que investirá 100 milhões de dólares para alertar a população sobre os perigos do aquecimento global — parte do dinheiro irá para candidatos do Partido Democrata.

Entre os independentes, ninguém é páreo para Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York e dono do conglomerado de comunicação que leva seu sobrenome. Bloomberg já gastou quase 6 milhões de dólares somente para defender a reforma nas leis de imigração. Mesmo com essa pluralidade, os candidatos republicanos estão, até agora, levemente em vantagem nas arrecadações.

Somados, todos os candidatos a deputado já levantaram 755 milhões de dólares para a eleição de novembro. Desse total, 431 milhões estão com os republicanos. A campanha para o Senado obteve até agora 415 milhões de dólares em doações, das quais 51% foram para as mãos do Partido Republicano.

Ao longo de sua história, a democracia americana tem passado por períodos de endurecimento das regras de financiamento eleitoral e outros de afrouxamento. Até o escândalo de Watergate, que acabou forçando a renúncia do presidente republicano Richard Nixon nos anos 70, havia poucas limitações.

Depois que uma investigação provou que grupos privados fizeram doações secretas aos republicanos na eleição de 1972, as leis começaram a ficar restritivas. Nos últimos quatro anos, os ministros do Supremo, em nome do direito de expressão, abriram um novo período de relaxamento.

O peso dos dólares

Com tanto dinheiro em jogo, muita gente começa a achar que as recentes mudanças representam uma ameaça à democracia. “Gastar milhões para comprar políticos e centros de pesquisa é extremamente corrosivo para a sociedade americana”, diz o economista Dani Rodrik, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados, com sede em Princeton. Para os críticos, o poder de influência dos super-ricos sem limitações é prejudicial ao restante da população.

Segundo uma pesquisa feita pelo cientista político Lee Drutman, professor da Universidade Johns Hop­kins, com os 1 000 maiores doadores na eleição de 2012, 40% indicaram que tiveram algum tipo de contato — por e-mail, telefone ou pessoalmente — com pelo menos um senador nos seis meses anteriores. Entre os cidadãos comuns, esse percentual é de 20% em um intervalo de quatro anos. 

Em janeiro, ganhou repercussão o caso de um senador que foi convencido pelo bilionário William Ackman, presidente do fundo de investimento Pershing Square Capital Management, a mandar uma carta para a SEC, órgão que regula o mercado de capitais, pedindo investigações sobre a empresa de produtos de alimentos Herbalife, então sob suspeita de fazer um esquema similar ao de pirâmides financeiras.

Após o envio da carta, as ações da empresa caíram 10%. Descobriu-se depois que o fundo de Ackman tinha feito aplicações para ganhar com o episódio. Pressionado, Ackman decidiu doar o dinheiro que venha a abocanhar. 

Toda a discussão sobre a influência dos bilionários no processo eleitoral tem como pano de fundo uma longa tradição de participação da elite americana em causas públicas. Desde a fundação das Treze Colônias, americanos ricos acham que ajudar a sociedade com recursos do próprio bolso é melhor do que pagar mais impostos e deixar que o Estado decida como distribuir o dinheiro.

“Essa característica sempre ficou muito clara no financiamento das universidades”, diz Roberto Romano, professor de filosofia na Universidade de Campinas. O poder da filantropia por lá pode ser medido pelo número e pelo orçamento de suas fundações. Ao todo, são quase 70 com mais de 1 bilhão de dólares.

Somente a de Bill Gates conta com 40 bilhões de dólares. No mundo, há poucos exemplos semelhantes. No ano passado, Gates e o investidor Warren Buffett organizaram um jantar para 50 super-ricos na China, o segundo país com mais bilionários, atrás apenas dos Estados Unidos.

O objetivo era encorajá-los a doar metade da fortuna a fundações, mas, ao fim do jantar, nenhum dos presentes disse ter se convencido. Em termos de filantropia, os americanos são mesmo o exemplo a ser seguido. Já quando o assunto é quanto o financiamento de campanhas representa uma ameaça à democracia, a controvérsia é bem maior. Mas esse, claro, é um assunto que não renderia um jantar na China.

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