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Agro na Argentina vive bom momento, mas teme virada do clima no 2º semestre

Bom volume de chuvas e chegada de Milei ao poder animaram o setor no país nos últimos meses

Javier Milei: presidente da Argentina tomou posse em dezembro com apoio do setor agrícola (Diego Lima/AFP/Getty Images)

Javier Milei: presidente da Argentina tomou posse em dezembro com apoio do setor agrícola (Diego Lima/AFP/Getty Images)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 18 de junho de 2024 às 06h00.

A posse de Javier Milei como presidente da Argentina animou o setor agrícola do país em um ano difícil. Na safra 2022/2023, o país sofreu uma forte seca, que derrubou sua produção em um terço. Houve melhora nos últimos meses, com a ajuda do clima, mas há dúvidas sobre o que vem pela frente, incluindo o risco de falta de chuvas e quando Milei realizará as grandes mudanças que prometeu.

Milei foi eleito com o discurso de cortar com motosserra a grande quantidade de regras que atingem o setor agro, como cotas de exportação de produtos e altos impostos sobre a exportação, chamados de retenciones. Há também dificuldade para importar insumos, pois o acesso a dólares é controlado pelo governo e há várias cotações diferentes. Uma delas, voltada para os produtores agrícolas, foi apelidada de “dólar soja” e traz uma conta complexa: para cada dólar, parte é trocada pela cotação oficial e parte por outras taxas.

Mais do que lidar com as complexidades, havia a preocupação com a mudança constante de regras que marcou os últimos governos. O novo presidente prometeu uma mudança radical, o que trouxe ânimo ao setor. “O produtor rural precisa de alguma confiança para investir, não necessariamente que a condição econômica se materialize para destravar o investimento. A perspectiva de que as coisas vão melhorar é suficiente. Dado que temos lá um governo com viés político muito claro, e um viés muito alinhado com a classe que produz, essa classe se sentiu encorajada a investir”, diz Lucas Moino, sócio da consultoria Boston Consulting Group (BCG) e especialista no setor agro.

Além da troca de governo, a Argentina teve uma boa temporada de chuvas no fim de 2023 e começo de 2024, por causa do fenômeno El Niño. Com isso, o PIB do setor agro argentino teve avanço de 6% no último trimestre de 2023, dado oficial mais recente disponível, segundo o Indec, órgão federal de estatísticas. Foi um refresco para um ano em que a produção agropecuária teve retração de 20,2% no acumulado de 2023. Empolgados com a melhora, os produtores decidiram aumentar a área cultivada. A safra de soja 2023/2024 teve aumento de 3,7% na área plantada, ou 590.000 hectares, em relação ao período anterior. A safra de trigo, que está sendo semeada agora, terá 4% mais área do que no ano passado.

No entanto, a Argentina continua em situação econômica instável. Do lado positivo, a inflação vem recuando: baixou de 25,5% ao mês em dezembro para 8,8% em abril, e o governo registrou seu primeiro superávit fiscal desde 2008. Ao mesmo tempo, houve perda de poder de compra da população, e a perspectiva é de que neste ano a economia argentina encolha 2,8%, projeta o FMI. “A estrada à frente para a Argentina segue desafiadora, e para avançar os ganhos iniciais é preciso evoluir as políticas, como melhorar a qualidade da consolidação fiscal para garantir sua durabilidade e justiça e proteger os mais vulneráveis”, disse Julie Kozack, diretora de comunicação do FMI, em entrevista coletiva no começo de junho. Ela também afirma que o governo precisa aprovar reformas mais amplas no Congresso para atrair investimentos, tema em que o governo tem enfrentado dificuldade.

Milei depende dos impostos do agro para ajudar a cumprir seu plano de buscar um superávit fiscal forte. O setor também traz grande quantidade de dólares ao país, e liberar os controles rapidamente pode gerar problemas cambiais. O governo tem pedido paciência aos produtores. No começo de junho, o presidente foi à AgroActiva, uma das principais feiras do agro argentino. Em um discurso, atacou os deputados que não aprovam suas propostas, voltou a prometer que vai retirar os controles cambiais e baixar os impostos “quando a economia começar a se recuperar”, sem citar uma data. Na fala, não fez nenhuma promessa direta relacionada ao setor agro. A vice-presidente, Victoria Villarruel, também foi à feira, disse que o fim das retenciones está perto e prometeu ações nos próximos meses. Ela afirmou esperar que “possamos ver as medidas de que o campo necessita para produzir mais e melhor, com a prioridade de colocar o prato de comida na mesa dos argentinos”.

Outro risco para o agro é que o fenômeno La Niña se repita no segundo semestre de 2024. Segundo a Organização Meteorológica Internacional (WMO), há 60% de risco de que a condição ocorra entre julho e setembro, e 70% de que aconteça entre agosto e novembro. O La Niña se caracteriza por um esfriamento das águas do Oceano Pacífico em sua parte equatorial e gera perío­dos de seca em várias partes do mundo, incluindo a Argentina, o que pode causar complicações para as plantações locais e mais problemas econômicos. Como o clima vai se comportar no segundo semestre é uma questão que une Milei e os agricultores do país neste momento.

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