Ana Luísa e Geraldo Resende, netos do fundador: última mudança no rótulo da manteiga foi em 1936 (Germano Lüders/Exame)
Karin Salomão
Publicado em 11 de outubro de 2018 às 05h48.
Última atualização em 15 de outubro de 2018 às 13h43.
História é coisa levada a sério na Laticínios Aviação, empresa familiar de 98 anos, instalada em São Sebastião do Paraíso, cidade mineira de 70.000 habitantes a 400 quilômetros de Belo Horizonte. A primeira e única vez que a companhia mudou o logo de seu produto mais icônico, a manteiga em lata, foi em 1936, para incluir o avião modelo Junker 52, que havia acabado de realizar um voo entre São Paulo e Rio de Janeiro. O Junker está no rótulo até hoje. Mais tarde, a Aviação, que ganhou esse nome pela paixão de seu fundador, Antonio Gonçalves, atualizou a lata para uma embalagem sem solda e lançou produtos com outros aviões no design, mas nunca mais modificou o logo da manteiga.
O cuidado com as embalagens ilustra o estilo de gestão da dona da Aviação, a Gonçalves Salles S/A Indústria e Comércio. A empresa está nas mãos da família que a fundou em 1920, em São Paulo. Geraldo Alvarenga Resende Filho, presidente, é neto do fundador. Seus filhos e sobrinhos, a quarta geração da família, fazem parte da diretoria. A companhia, criada como um atacadista de alimentos em São Paulo, passou a produzir manteiga dois anos após sua criação, quando comprou uma fábrica em Passos, Minas Gerais, já desativada. Atualmente, é a líder no mercado de manteigas no Brasil.
A Aviação ignorou todos os modismos do mercado durante décadas, até que ela mesma virou moda. De uns anos para cá, consumidores passaram a valorizar produtos feitos de forma tradicional e com ingredientes de verdade, por pequenas e médias empresas. É o mesmo fenômeno que impulsiona marcas como a fabricante de cosméticos Granado, de 1870.
A Aviação investe pouco em marketing e deixa a qualidade de seu produto falar por si. Foi assim que conquistou espaço em um dos restaurantes mais badalados do Brasil, o Dalva e Dito, do estrelado chef Alex Atala, que serve a manteiga Aviação em uma embalagem exclusiva — foi um pedido do próprio chef à companhia. A diversificação começou na década de 70, quando a Aviação decidiu ir além da manteiga. De lá para cá, lançou requeijão, ricota, queijos, doce de leite. São 15 produtos com 35 variações. Mas a manteiga ainda corresponde a 55% da receita da empresa.
A ordem, agora, é aproveitar o vento a favor e avançar nesses e em novos nichos. Em 2015, a empresa lançou uma linha de cafés, aproveitando uma experiência secular da família paterna do fundador. Tanto o presidente quanto sua irmã, Ana Luísa Resende Pimenta, e seus filhos tinham fazendas de café, mas o grão era exportado para multinacionais, como a italiana Illy. “O lançamento da marca de café Aviação foi natural. Não se pode dizer que estamos arriscando num mercado que conhecemos há 130 anos”, afirma Geraldo Filho, o presidente.
Novos desafios
A Laticínios Aviação é tradicional, mas não está parada. Nos últimos dez anos, cresceu em média 17% ao ano. O faturamento, de 152 milhões de reais em 2013, chegou a 286 milhões no ano passado e a expectativa para 2018 é de 360 milhões de reais. Grande parte do crescimento vem de lançamentos como café e achocolatado. Com o aumento da produção, há planos para abrir uma nova fábrica — a empresa comprou, há três anos, um terreno de 180.000 metros quadrados próximo à cidade de sua fábrica atual.
Em paralelo, a família Gonçalves investe em gestão, com balanço auditado pela consultoria PwC. Os novos membros da família, se quiserem participar da diretoria, precisam ter MBA e experiência em outras empresas, por exemplo. “Dizemos sempre que consaguinidade não é sinal de competência”, afirma Ana Luísa Resende Pimenta, da terceira geração, diretora da Aviação e também neta do fundador.
A expansão para novos segmentos, como mostram os números, foi uma escolha acertada — pelo menos até aqui. O problema pode vir daqui para a frente. O segmento de produtos lácteos é extremamente pulverizado, com muitas marcas familiares e regionais. De acordo com a empresa de pesquisas Euromonitor, os cinco maiores fabricantes na categoria de lácteos dominam apenas 39% do mercado brasileiro, em comparação com 63% de domínio dos líderes na Argentina.
A fabricação depende de matérias-primas frescas e os produtos precisam ser transportados em caminhões refrigerados. “A logística é o principal obstáculo para empresas regionais alcançarem novos mercados”, diz Juliano Mendes, diretor da catarinense Pomerode, fabricante de queijos especiais. O creme de leite, usado na fabricação da manteiga Aviação, chega de diversas regiões, mas o leite usado nos queijos precisa vir de um raio de 70 quilômetros da fábrica. Hoje, a maior parte da receita da Aviação vem do Sul e do Sudeste, mas a empresa investe para chegar a outras regiões, como o Nordeste, o que lhe trará uma nova leva de complicações logísticas.
O plano é manter o crescimento estável, sem dívidas ou investidores de fora. Foi esse modelo de gestão que trouxe a Aviação até aqui, antes de o apego ao passado ser visto como trunfo. Agora, a empresa conta com a vantagem de ter sua história reconhecida pelo consumidor, e de poder cobrar, em média, 10% mais do que os principais concorrentes em produtos como manteiga e café. Mas o crescimento recente trouxe uma nova leva de desafios. “Está na hora de a Aviação decidir se quer jogar o jogo das grandes ou se manter como uma empresa familiar pequena”, diz Maximiliano Bavaresco, sócio da consultoria Sonne, especializada em planejamento. Seja qual for a escolha, o Junker 52, há 82 anos nas embalagens, fica.