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Das redes para os rótulos

Novas linhas de produtos usufruem da conexão com seguidores; criadoras de conteúdo se profissionalizam e colocam chapéu de CEO

A indústria da beleza: o Brasil é o segundo no ranking dos países que mais lançam produtos anualmente (Leandro Fonseca/Exame)

A indústria da beleza: o Brasil é o segundo no ranking dos países que mais lançam produtos anualmente (Leandro Fonseca/Exame)

Giovanna Wolf
Giovanna Wolf

Colaboradora

Publicado em 15 de agosto de 2024 às 06h00.

A empresa de cosméticos L'Oréal foi criada em 1909, na França. Já a linha de produtos da influenciadora brasileira Bruna Tavares nasceu há menos de 15 anos, em território nacional. Guardadas as diferenças, ambas estão hoje na lista de produtos mais vendidos do mar­ketplace online Beleza na Web. Não é coincidência ou efeito de promoção relâmpago: cada vez mais, marcas criadas por influenciadoras ganham espaço no país, impulsionadas pela força de marcas pessoais e comunidades digitais.

Na indústria da beleza, o Brasil é o quarto maior mercado consumidor do mundo e o segundo no ranking de países que mais lançam produtos anualmente, de acordo com o relatório mais recente da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec). Ao mesmo tempo, dados da Nielsen mostram que há mais de 10 milhões de influenciadores no país — o que configura a segunda posição global, atrás apenas dos Estados Unidos. Era de esperar que um mercado aproveitasse as potencialidades do outro.

Mais do que estratégico, porém, esse caminho tem sido quase automático. A recifense Camila Coutinho, uma das primeiras blogueiras de moda do Brasil, caiu no varejo de paraquedas. “A história começou com um plágio. Um belo dia estava no Instagram e uma leitora me mostrou uma empresa de produtos para cabelo chamada Garota Estúpida, que estava voando no mercado, fazendo parcerias até com celebridades”, conta a influenciadora, que começou sua carreira na internet com o blog Garotas Estúpidas. Após tomar as medidas jurídicas cabíveis, ela criou coragem para criar sua própria marca, a GE Beauty, que vende itens para cabelos, como xampu, leave-in e hidratante, com o conceito de criar rituais de beleza no banho.

“A marca nasce tendo a minha persona como base, a partir do que eu acredito em beleza, mas com o objetivo de ser maior que a Camila. A meta é que as pessoas consumam GE Beauty sem saber quem é Camila”, afirma a blogueira, que agora é CEO. “Porém, não dá para desperdiçar um público e uma comunidade de mais de 3 milhões de pessoas.”

Camila Coutinho, CEO da GE Beauty: intenção é de que marca própria se torne maior do que ela (GE Beauty/Divulgação)

Influência

Há algum tempo a indústria da beleza aproveita marcas pessoais e seus potenciais de identificação com o consumidor — nas prateleiras de esmaltes para unhas, por exemplo, há rótulos que levam nomes como ­Anitta e Ana Hickmann.

Renata Alcalde, professora de crea­tor economy na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), explica que, no universo das redes sociais, essa relação atingiu outro patamar: “Criadores de conteúdo são hoje profissionais que fazem parte do ciclo de produção, de consumo e de distribuição da informação. As influenciadoras compartilham sobre sua vida pessoal e interagem com seus seguidores, que estão superatentos às suas opiniões e sugestões — elas não aparecem nas plataformas digitais apenas para vender produtos e serviços. Isso cria uma poderosa conexão com o público, uma vez que os usuários das ­redes sociais buscam cada vez mais conteúdos genuínos.”

Ou seja, o pulo do gato é a proximidade com a audiência. “Minha marca é a materialização de coisas que eu falei e mostrei na internet ao longo dos últimos 20 anos”, afirma a jornalista e influenciadora Victoria Ceridono, que criou em 2022 a linha de maquiagem Vic Beauté, apostando em itens fáceis de aplicar e que realcem a beleza natural.

Com mais de meio milhão de seguidores no Instagram, a influencer teve sua primeira experiência no mundo dos cosméticos como colaboradora da fabricante estrangeira Mac. “Lancei um batom vermelho com eles e esgotou em uma semana. Fiquei fascinada com o feedback e pensei que talvez devesse lançar minha própria marca”, conta Ceridono, que além do e-commerce tem dois pontos de venda físicos em São Paulo — um quiosque no ­Shopping Iguatemi e outro, mais recente, no Shopping Higienópolis.

“O meu histórico e autoridade como influenciadora de moda fizeram diferença inclusive na hora de levantar investimento para a marca”, reconhece Ceridono. “As pessoas que me acompanham nas redes sociais me conhecem e acreditam na minha visão de produto.”

Para Camila Coutinho, sua relação com os consumidores está longe de ser um SAC comum. “Minha comunidade é um tesouro. É como uma amizade: quanto mais você convive, mais ganha confiança. Eu respeito muito minha audiência e troco sobre muitas coisas com elas, até dicas de livros”, diz a blogueira. “É um público carinhoso, que defende a marca e dá sugestões construtivas. E, quando aparece um consumidor diferente no tom, ficamos felizes, porque furamos a bolha.”

Escala

Apesar de não revelar números, Tassia Soares, diretora comercial do Beleza na Web, assegura que as marcas criadas por influenciadoras estão sendo muito buscadas e comentadas dentro da plataforma: “Elas vendem um estilo de vida, valores e aspirações, e seus produtos são vistos como uma forma de alcançar ou se aproximar desse ideal. Buscamos sempre surfar nessas essências e desenhar campanhas cada vez mais aderentes a esses perfis”, afirma.

Com a oportunidade diante dos olhos, as criadoras de conteúdo estão alimentando novas ambições. Neste mês, Bianca Andrade relançou sua linha de maquiagem Boca Rosa de forma independente, colocando fim a uma parceria de seis anos com a marca de cosméticos francesa Payot — o investimento inicial para a guinada foi de 30 milhões de reais, do próprio bolso da influencer.

“Minha cartela de cores tinha apenas nove tons — agora, haverá 50. Quis unir a minha força nas redes sociais e minha paixão por maquiagem para criar uma marca que colocasse a consumidora brasileira como protagonista e levasse em conta a vida da mulher real, com a praticidade que o dia a dia pede”, diz Andrade, que soma 20 milhões de seguidores no Instagram. Com o novo formato de empresa, ela pretende faturar 300 milhões de reais em 2025 — na parceria com a Payot, a média de faturamento era de 160 milhões de reais.

Andrade não acredita, porém, que os resultados virão de mão beijada só por causa de seu alcance na internet. “Fizemos uma grande pesquisa para o lançamento da nova marca e entendemos que a brasileira compra maquiagem pela qualidade do produto e pelo preço. Minha comunicação de Boca Rosa traz um senso de comunidade para minha cliente, mas não é o fator determinante da compra. Se o produto fosse ruim, não venderia.”

Expertise

Criar uma maquiagem ou um produto para cabelo não é a mesma coisa que postar nas redes sociais — e as influenciadoras sabem disso. Naturalmente, as novas CEOs vivem uma transformação pessoal. Ceridono, da Vic ­Beauté, brinca que já está no quarto MBA. “Primeiro foi o processo de criar o projeto, colocar no papel, fazer o pitch e ir atrás de investidores. Depois, teve a negociação. Aí veio a parte de criação — apesar de eu já conhecer produtos, nunca tinha desenvolvido um. Por fim, houve o trabalho de lançamento”, conta. “Encaro todas as etapas com o coração aberto.”

Camila Coutinho segue na mesma linha: “Estou me formando como CEO vivendo a empresa no dia a dia e aprendendo muito com as pessoas que eu contrato. O trabalho de influencer e blogueira exige pouco investimento, e tem uma margem boa. Quando você entra para o varejo, é outro bicho, envolve muito mais responsabilidade”, pontua.

Dentro desse compromisso, há também o desafio de transformar um universo cercado por pressão estética. “Quero que as consumidoras entendam a maquiagem como amiga, não inimiga. É uma aliada para aumentar autoestima e confiança”, defende Andrade. “Enxergo as grandes marcas de cosméticos como concorrentes, não as outras influenciadoras. Estamos revolucionando o mercado juntas.”

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