Revista Exame

O que é o "efeito iguana" e por que ele pode derrubar uma empresa

Enquanto algumas companhias aceitam o risco e inovam, outras agem como répteis ameaçados, com visão de curto prazo, imediatistas e centradas na sobrevivência

Graziela Di Giorgi, consultora e autora do livro O Efeito Iguana: 
"Um líder com medo do erro influenciará a empresa a não sair da zona de conforto" (Douglas Luccena/Divulgação)

Graziela Di Giorgi, consultora e autora do livro O Efeito Iguana: "Um líder com medo do erro influenciará a empresa a não sair da zona de conforto" (Douglas Luccena/Divulgação)

Por que algumas companhias crescem enquanto outras, na melhor das hipóteses, sobrevivem? A resposta pode estar na cultura da inovação. Em linhas gerais, quando uma empresa se sente ameaçada, ela parte para estratégias imediatistas em busca de sobrevivência. O problema é que, ao fazer isso, a tática se torna previsível demais, inibindo qualquer processo criativo. É o que acontece com as chamadas “empresas iguanas”, uma analogia ao reino animal destacada no livro O Efeito Iguana, de Graziela Di Giorgi, cuja edição atualizada leva em conta o contexto da pandemia. Chief growth officer da consultoria Scopen, na Espanha, e professora de inovação no Istituto Europeo di Design, a especialista explica que essas companhias se contrapõem às empresas “humanas”, como são chamadas por ela aquelas com capacidade de inovar.

 Quer saber como a inovação pode ajudar o seu negócio? Faça o curso Inovação na prática

“Enquanto o cérebro de um réptil só possui a camada mais primitiva, responsável por reações instintivas e imediatistas, o humano tem três partes, o que garante mais repertório no processo de decisão”, diz Di Giorgi. “Analogia similar pode ser feita em relação ao comportamento de muitas empresas que focam a previsibilidade em vez da criatividade.” Na entrevista a seguir, a autora fala sobre como fugir do “efeito iguana”, gerar valor para os consumidores e, sobretudo, garantir vida longa.

O que é mais difícil superar na busca por inovação: um líder pouco interessado em correr riscos ou uma empresa que não vê valor em sair da zona de conforto?

A cultura da empresa é reflexo do líder. Um líder com medo do erro influenciará a empresa a não sair da zona de conforto. Neste caso, as pessoas não experimentam, não tentam, com medo de errar. A solução é um líder que tenha consciência da fragilidade para fortalecer a equipe com talento a partir de pessoas com habilidades complementares e distintas, celebrando a diversidade que traz diferentes pontos de vista e alimentando a divergência construtiva. Descentralizar as decisões para a equipe e oferecer autonomia para que as pessoas sejam elas mesmas são posturas fundamentais para criar um ambiente de inovação.

O que fazer quando a resistência parte do líder?

Para que a liderança se sensibilize e a cultura de fato mude, uma das dicas é partir de um projeto real, que coloque os executivos no lugar das pessoas que consomem seus serviços. Precisamos forçá-los a sair da frente do computador para vivenciar o que as pessoas sentem, identificando dores e necessidades.

Qual é a importância de formar multiplicadores na empresa?

Esse é o ponto de partida para que o ambiente inovador prospere. Quando as pessoas fazem parte do processo da mudança, colocamos a favor um viés que joga um papel importante no processo de decisão. É o que chamo de “efeito posse”. Damos mais valor àquelas ideias ou posses que são nossas. Outro ponto fundamental é mostrar de maneira concreta o que se pretende fazer. Há inúmeras ferramentas que podem ser usadas para prototipar melhor a ideia, simulando como ela seria na prática e diluindo a aversão à perda.

As empresas tradicionais têm mais dificuldade para inovar?

Enquanto as startups nascem para resolver problemas — depois de investigar necessidades reais —, muitas empresas tradicionais só consideram os consumidores no final. Portanto, desenvolver a consciência de que a venda deve ser entendida como consequência do valor percebido é fundamental — e passa por um líder disposto a patrocinar a mudança. Por outro lado, qualquer empresa está apta a inovar, uma vez que essa capacidade está no fato de questionar velhos hábitos, tolerar erros, promover a experimentação, e ter uma visão de longo prazo de aonde quer chegar. Agora, se a companhia ainda se dedica a resolver as pendências do dia a dia ignorando as tendências que a levarão ao futuro e confunde vendas com valor, arrisco dizer que é uma forte candidata a uma mentalidade “iguana”.

Que tipo de mentalidade bloqueia a inovação nas empresas?

A primeira delas, mãe de todos os vieses, é a aversão à perda, um dos sintomas das empresas “iguanas”. Como diria Daniel Kahneman [Nobel de Economia Comportamental], “odiamos perder duas vezes mais do que adoramos ganhar”. É essa assimetria que leva todos a evitar o que pode ir mal ou levar a prejuízo. Isso é reflexo de nosso instinto de sobrevivência, do modelo mental segundo o qual fomos programados para prosperar na selva. 

O medo de inovar aumentou com a pandemia?

Sim, mas mesmo em um cenário de crise como o atual é possível não focar só a perda. Uma das saídas é começar pequeno. O método usado pela Coca-Cola — de destinar 70% do investimento às ideias mais seguras, 20% àquelas que têm pouca chance de erro, e 10% para aquelas que podem, sim, dar errado — tem um efeito importante nas expectativas, pois faz com que o errado se torne previsto. Além disso, normalmente aprendemos mais quando erramos do que quando acertamos. Esse aprendizado, ao ser aplicado em uma próxima iniciativa, trará uma experiência acumulada importante para fazer diferente — e melhor. 

Escritório do Airbnb, nos Estados Unidos: um exemplo de empresa que foca a necessidade-alvo, e não o público-alvo (Phillip Faraone/Getty Images)

Como se blindar do “efeito iguana”?

O que torna as empresas inovadoras é a capacidade de desenvolver anticorpos em suas culturas que as blindem de alguma maneira dos sintomas da iguana. Não adianta fazer uma transformação digital, aplicar metodologias agile ou usar técnicas de design thinking, para citar algumas das que estão na moda, se a empresa continua se referindo às pessoas como público-alvo. É preciso adotar a intenção correta primeiro, saindo de público-alvo para necessidade-alvo. Um exemplo disso são companhias inovadoras, como Airbnb, Amazon e Netflix. Elas entenderam que focar as necessidades abre portas para que se tornem relevantes para um conjunto mais amplo de pessoas. Por isso elas estão tão presentes na vida de tantas pessoas, por mais diferentes que elas sejam, e conseguem se manter relativamente blindadas diante de crises.

Já há diferenças relevantes, do ponto de vista da cultura empresarial, entre as companhias brasileiras e de outros países?

No livro, faço uma análise comparativa entre 21 países a partir de duas variáveis importantes para inovar. Países de cultura latina, como Brasil, Itália, Espanha, se posicionam no mesmo quadrante, de alta submissão e alta aversão à incerteza, diferentemente de Suécia, Inglaterra e Estados Unidos, que têm baixa submissão e aversão à incerteza. Há componentes do contexto cultural e histórico que nos influenciam fortemente, desde a educação familiar, escolar ou corporativa. Entender as nuances que nos influenciam é importante para poder desenvolver anticorpos que nos blindem dessas influências.

Acompanhe tudo sobre:cultura-de-empresasEmpresasexame-ceoStartups

Mais de Revista Exame

Linho, leve e solto: confira itens essenciais para preparar a mala para o verão

Trump de volta: o que o mundo e o Brasil podem esperar do 2º mandato dele?

Ano novo, ciclo novo. Mesmo

Uma meta para 2025