Shinzo Abe: suas reformas econômicas serão capazes de evitar uma nova recessão? (Kazuhiro Nogi/AFP)
Da Redação
Publicado em 12 de março de 2020 às 05h30.
Última atualização em 12 de março de 2020 às 05h30.
A mensagem de harmonia contida nos ideogramas que formam o nome da nova era do Japão, Reiwa, iniciada em maio de 2019 com a coroação do novo imperador Naruhito, destoa da inquietação e da ansiedade com que o país convive hoje. A terceira maior economia do mundo é exemplo de um país que foi do entusiasmo ao mal-estar em poucos meses. Se até o ano passado o Japão vinha conseguindo, mesmo aos trancos e barrancos, sair de uma armadilha de estagnação, deflação e queda nos salários, hoje ele se encontra novamente à beira da recessão. E a desaceleração ocorre justamente num momento em que a crise gerada pela epidemia do novo coronavírus ameaça até cancelar a Olimpíada, em Tóquio, e provocar forte desaceleração mundial.
Não era para ter sido assim. Com a realização da Olimpíada, a expectativa era que o ano de 2020 fosse um momento para celebrar o sucesso da política econômica do primeiro-ministro Shinzo Abe, que, desde que chegou ao poder, em dezembro de 2012, vinha promovendo mudanças radicais no país. Nesses pouco mais de sete anos, Abe colocou em prática um plano para que o país recuperasse o dinamismo e sua economia voltasse a crescer. O Japão passou praticamente 20 anos estagnado e foi apenas em 2015 que o produto interno bruto do país superou o nível de 1997 — o recorde anterior.
De lá para cá, a economia tem crescido, mesmo que num ritmo lento, e houve avanços importantes. O desemprego, que já era baixo, caiu pela metade: passou de 5,1%, em 2010, para 2,4%, em 2019. E a participação das mulheres no mercado de trabalho — um dos indicadores que colocam o Japão atrás de outros países ricos — também progrediu. Hoje as mulheres representam 43,7% dos trabalhadores do país, próximo à média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A melhoria é resultado do plano econômico batizado de Abenomics, que se baseia em três pilares (ou “flechas”, como se diz no Japão): flexibilização monetária ousada, estímulo fiscal e implementação de reformas estruturais para reavivar o investimento privado. O primeiro componente, a flexibilização monetária, inclui medidas para injetar capital no sistema financeiro.
Desde 2012, o Banco do Japão comprou uma coleção de títulos públicos e privados e reduziu as taxas de juro — inclusive em níveis negativos — para disponibilizar crédito, estimulando os investimentos privados e o consumo. No lado fiscal, o governo elevou os investimentos públicos e aumentou impostos para diminuir o alto déficit. Assim, o Japão reduziu seu rombo fiscal de 8,3% do PIB, em 2011, para 3,8%, no ano passado. É uma queda significativa para um país que tem a maior dívida pública do planeta, de 238% do PIB.
Agora, se o governo teve sucesso em reduzir o déficit e em gerar empregos, outros indicadores ficaram bem atrás das metas do plano econômico. O objetivo de alcançar uma inflação de 2% ao ano nunca foi alcançado. E a economia cresceu num ritmo menor do que o esperado. “O governo errou em definir uma meta de 2% para a inflação”, afirma Carlos Akira Furuya, analista da seguradora Nomura Securities, de Tóquio. “Depois de tanto tempo, o empresariado começa a ficar inquieto e passa a questionar por que o governo atingiu somente um terço dessa meta.” Em janeiro, o índice de preços ao consumidor subiu 0,7% em 12 meses.
Para piorar, Shinzo Abe agora se vê às voltas com um novo risco de recessão. Na tentativa de continuar reduzindo o déficit público, o governo aumentou o imposto sobre o consumo de 8% para 10% no mês de outubro. A medida já tinha sido adiada duas vezes por causa do temor de uma possível queda no consumo e na atividade econômica. Em 2014, quando o governo Abe elevou o mesmo imposto de 5% para 8%, o produto interno bruto chegou a despencar 2% num único trimestre.
Desta vez, Abe lançou um pacote de medidas no valor de 120 bilhões de dólares para amenizar os danos, mas não adiantou. O Japão registrou uma queda de 1,8% do produto interno bruto nos últimos três meses do ano passado. A coincidência da passagem do supertufão Hagibis — que causou inundações, destruiu casas e deixou mais de 100 mortos no país em outubro — com a redução do comércio mundial por causa da disputa entre a China e os Estados Unidos tornou a situação ainda mais árdua.
Com a ameaça atual de uma desaceleração mundial causada pelo coronavírus, a economia japonesa entra numa fase delicada. O que acontece com a China reflete diretamente na economia japonesa. Em 15 anos, a parcela chinesa nas exportações do Japão cresceu de 12% para 20% do total. As empresas nipônicas exportam bens de capital e bens intermediários para suas fábricas construídas na China, e o produto final depois é importado para o Japão. Com o coronavírus, parte dessa operação ficou travada por falta de matéria-prima.
A possibilidade de adiamento da Olimpíada de Tóquio também gera incerteza em relação ao desempenho da economia japonesa em 2020. O primeiro-ministro Shinzo Abe queria fazer da Olimpíada uma alavanca, e o otimismo levou alguns economistas a chamar os Jogos de “a quarta flecha” da política econômica. De acordo com o mais recente balanço do comitê organizador, os Jogos Olímpicos e Paralímpicos devem ter um custo total de 12,6 bilhões de dólares. O Banco Central do Japão estima que o PIB tenha crescido de 0,4% a 0,6% anualmente no período dos preparativos com obras de infraestrutura.
E a expectativa do governo era receber 40 milhões de visitantes neste ano. Segundo uma projeção da seguradora SMBC Nikko Securities, se a Olimpíada ocorrer, o evento vai injetar 6,4 bilhões de dólares na economia por causa do aumento do consumo. Caso seja cancelada, o prejuízo poderá alcançar 75 bilhões de dólares. Motoshige Itoh, professor de economia na Universidade Gakushuin, em Tóquio, diz que o impacto psicológico da suspensão ou do adiamento dos Jogos será significativo. “É uma história terrível.
A Olimpíada poderia ter uma influência grande na recuperação econômica japonesa”, afirma Motoshige. Teiji Sakurai, executivo que foi presidente em São Paulo da Japan External Trade Organization, uma associação de comércio exterior japonesa, concorda. “O Japão perderia investimento, taxas de admissão, direitos de TV e a chance de mostrar ao mundo a imagem do país de hoje e a do futuro”, diz.
A tensão em torno da Olimpíada fez piorar a avaliação do governo entre a população japonesa. O primeiro-ministro já vinha sendo alvo de críticas por ter evitado aparições públicas durante quase todo o mês de fevereiro enquanto o número de casos disparava na China e na vizinha Coreia do Sul. Seu primeiro pronunciamento foi apenas no dia 29 de fevereiro. Uma pesquisa de opinião publicada pelo jornal Sankei Shimbun no fim de fevereiro mostra que a aprovação do governo caiu para 36% da população. É a primeira vez desde julho de 2018 que a taxa de aprovação é menor do que a de desaprovação (46%).
No plano econômico, os críticos culpam o governo por não ter conseguido promover a “terceira flecha” de seu programa econômico, a das reformas estruturais. Abe adotou medidas para facilitar a contratação de funcionários, reduzir as longas jornadas de trabalho e assegurar direitos para trabalhadores temporários. Essa última medida está prevista para entrar em vigor em abril.
De toda a população economicamente ativa, cerca de 40% (22 milhões) são trabalhadores não efetivos que passarão a ter salários iguais aos dos colegas contratados. O objetivo do governo é aumentar a renda disponível da população e, consequentemente, o consumo das famílias, que representa cerca de 60% do PIB. Entretanto, apesar de o desemprego ter diminuído, o rendimento dos japoneses continua estagnado, o que é mais uma barreira para o crescimento.
Outro problema é a escassez de mão de obra causada pelo envelhecimento e pelo encolhimento da população. Nos últimos 20 anos, o número de habitantes em idade ativa teve uma redução de 10 milhões de pessoas. Para minimizar os efeitos, uma das estratégias do governo Abe tem sido flexibilizar as regras para a entrada de imigrantes. Desde 2012, o Japão mais do que dobrou o número de trabalhadores estrangeiros: passou de 680.000 para mais de 1,6 milhão. Cerca de 345.000 trabalhadores asiáticos entraram no país no último ano.
O movimento beneficia gente como o brasileiro Walter Saito, que migrou para o Japão nos anos 1990 para trabalhar como operário. Hoje ele é dono de uma empresa de recrutamento de mão de obra estrangeira e investiu no cultivo de legumes e hortaliças, especialmente cebolinha. Com uma colheita de 7 toneladas por dia, ele se tornou o maior fornecedor do produto no Japão, abastecendo 1.200 supermercados e 500 bares e restaurantes.
Atualmente, Saito emprega mais de 250 pessoas de várias nacionalidades, aquecendo a economia da pequena Kamisato, cidade de 30.000 habitantes a 100 quilômetros de Tóquio. “A economia japonesa é muito incerta, não dá para fazer previsão. Quando tudo parece dar errado, o país surpreende”, diz o empresário. Incentivar mais histórias como a do brasileiro é um dos objetivos de Shinzo Abe. Mas, como os últimos resultados econômicos têm mostrado, ele ainda precisará de novas flechas para fazer com que a Terra do Sol Nascente consiga voltar a ser a das oportunidades.