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A P quer acabar com esse sorriso da Kolynos

Até o chefão mundial da Colgate entra na briga pela aprovação da compra da Kolynos pelo Cade. Mas se depender da concorrente...

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 10h26.

Última atualização em 10 de fevereiro de 2021 às 18h27.

O executivo americano William Shanahan, presidente mundial da Colgate-Palmolive, está habituado a enfrentar gente grande. Com 1,93 metro de altura, Shanahan foi capitão da equipe de basquete da Universidade da Califórnia, na década de 50. Depois, liderou o time do Esmael na conquista do bicampeonato profissional das Filipinas. No Brasil, onde viveu entre 1972 e 1976, vestiu a camisa do Paulistano. Fora das quadras, Shanahan acaba de se envolver diretamente naquela que já considera a maior disputa de sua vida, a aprovação pelo Cade da compra da Anakol, dona da marca Kolynos, a pasta dental mais vendida no Brasil, anunciada em janeiro de 1995.

Mais uma vez, tem pela frente gente grande. Seu adversário é a Procter & Gamble, maior fabricante de produtos de higiene e limpeza dos Estados Unidos. Em fevereiro do ano passado, a P&G entrou com uma representação naquele órgão contra o negócio. Segundo ela, a compra da Kolynos pela Colgate implicaria numa perigosa concentração do mercado brasileiro de dentifrícios. A partir de então, o tiroteio começou, mas sem a intensidade adquirida nos últimos dias.

Até agora, Shanahan acompanhava de perto a disputa, mas sem envolvimento direto. A ordem emanada do Q.G. da Colgate-Palmolive, em Nova York, era manter silêncio sobre o julgamento. Na primeira semana deste mês, Shanahan desembarcou no Brasil e liderou o ataque. Liberou seus principais executivos para falar sobre o assunto. Ao mesmo tempo, assumiu algumas tarefas. Como principal executivo da companhia no mundo, teve audiências com o ministro Nelson Jobim, da Justiça. Entre esses compromissos, recebeu EXAME para sua única entrevista concedida sobre o assunto.

Shanahan tem o perfil bem desenhado para esse papel. Seu corpanzil ocupa a segunda mais importante cadeira de uma companhia de 8 bilhões de dólares de faturamento. Acima dele, só o chairman, Reuben Mark. Além disso, dono de um porte atlético, bem conservado para seus 55 anos, Shanahan transmite uma imagem de segurança e seriedade. Seus argumentos são expostos num tom de voz pausado, mas firme, jamais acompanhado de gestos bruscos. Outro ponto a seu favor na conquista de aliados brasileiros: Shanahan é um dos raros chefões de uma grande empresa americana que se comunica num português fluente.


A atual investida da Colgate é uma nova etapa na estratégia cuidadosamente desenhada para manter a Kolynos sob seu controle. Iniciada no dia seguinte à assinatura do acordo com a American Home Products, antiga proprietária da Kolynos, essa estratégia tem como foco um intenso trabalho de convencimento de órgãos como a Secretaria de Defesa Econômica e o Cade. O objetivo, nesse caso, era rebater, um por um, os argumentos da Procter contra a concretização do negócio. "Jamais poderíamos deixar a Kolynos cair nas mãos da concorrência", diz ele. Mesmo que o Cade vete o negócio, essa decisão permanece. "Venderemos a Kolynos para qualquer um, menos para a Procter", diz ele.

FARPA - Essa determinação motivou a primeira farpa lançada pela Procter. "A vontade de afastar a concorrência fez com que a Colgate pagasse um preço absurdo", diz Yolanda de Cerqueira Leite, diretora jurídica da Procter. A Colgate desembolsou 1,04 bilhão de dólares pelas operações mundiais da Anakol. A subsidiária brasileira é, de longe, a mais importante. Seu valor foi estimado em cerca de 750 milhões de dólares. A Procter, que também esteve interessada no negócio, estranha que sua concorrente tenha pago o equivalente a 3,6 vezes as receitas anuais da Kolynos. "Encomendamos uma avaliação e o preço era muito menor", diz Yolanda, sem citar os números.

Para alguns especialistas, o faturamento não é um indicador preciso do valor de uma empresa. "O que o define é a lucratividade futura", diz Dan Lavacek, responsável pela área de fusões e aquisições da Coopers & Lybrand. Nesse cálculo, diversas variáveis são consideradas, das perspectivas do setor ao estado das fábricas. "Empresas pouco lucrativas podem custar até um terço do faturamento", diz Lavacek. Para ele, o preço pago pela Colgate "é alto, mas não absurdo". E há uma ressalva: alto para os padrões brasileiros. Nos Estados Unidos, onde os riscos são menores, negócios como esse são mais comuns.

A tecla predileta da Procter é outra, a concentração do mercado de cremes dentais nas mãos da Colgate. A empresa já era dona de 26% de participação. Com a aquisição da Kolynos, líder do mercado, com mais de 48%, sua fatia chegou perto dos 75%. Há dois grandes riscos, segundo Yolanda. Um: sem concorrentes por perto, a Colgate não teria interesse em melhorar seus produtos no Brasil. Dois: a política de preços do setor ficaria em suas mãos.


As acusações da P&G são mais um lance no atual debate sobre concentração de mercado, decorrente da onda de fusões e aquisições no país. O grupo gaúcho Gerdau, por exemplo, vem enfrentando a oposição do Cade para absorver a siderúrgica Pains. No ano passado, a Rhodia foi obrigada a vender uma parte das fábricas de fibras de poliéster e acrílico adquirida da Celbrás.

"Não adianta impedir uma empresa de dominar uma grande fatia do mercado", diz o economista Dionísio Carneiro, professor da PUC, do Rio de Janeiro. Segundo ele, há uma diferença entre concentração e abuso econômico. Este não é necessariamente filho daquela. Isso só acontece caso não exista uma legislação para evitar abusos. Seguramente, Shanahan faria coro a essas palavras. Para ele, o Brasil está em sintonia com o que ocorre no resto do mundo.

ALÍQUOTA ZERO - Em toda parte, segundo ele, o mercado de cremes dentais é concentrado e dividido entre três concorrentes, a Procter, a Colgate e o grupo anglo-holandês Unilever. No Brasil, o quadro não era diferente. A concentração, diz Shanahan, já existia. Sozinha, a Kolynos detinha quase 50% do setor. A venda da empresa em nada mudaria a situação. "Qualquer que fosse o comprador da Kolynos, a concentração permaneceria", diz Shanahan. "Até mesmo a Procter, cuja participação é zero, engoliria metade do mercado de uma só vez." Qual o problema? "Nenhum, se o mercado for aberto à concorrência estrangeira", afirma Carneiro. No Brasil, a alíquota de importação de cremes está em 4%. "Por que não baixá-la para zero?", diz Shanahan. "Eu aceito sem problemas. Até propus isso ao governo."

Não é um argumento que sensibilize os executivos da Procter. "Nossa experiência indica que a importação não traz bons resultados", diz Yolanda. Segundo estudos da Procter, o creme dental tem características próprias em cada país, principalmente no sabor. "O sucesso em uma região pode se transformar no fracasso em outra", diz ela. Se a abertura das fronteiras não basta, Shanahan faz outras ofertas. "Já nos comprometemos com o governo a manter os preços reais em níveis estáveis", afirma. No ano passado, os preços dos cremes fabricados pela Kolynos e Colgate subiram, em média, 7,5%. A inflação ficou em torno de 23%. Não quer dizer muita coisa. Afinal, durante 1995, o processo sobre a compra da Kolynos correu no Cade. Aumentos de preços abusivos nesse período revelariam uma sensibilidade semelhante a de um elefante.


Shanahan faz algumas propostas que, anos atrás, seriam consideradas heresias no mundo dos negócios. Exemplo: "O governo pode fazer um acompanhamento de preços", diz ele. "Trabalhei aqui na época do CIP, não será difícil." Entre 1972 e 1976, Shanahan comandou a filial brasileira da Colgate no Brasil. Foi um passo importante em sua ascensão no grupo. Depois de seu estágio brasileiro, Shanahan voltou para os Estados Unidos. Desde então, foi assumindo posições mais altas na hierarquia da Colgate, até chegar, em 1992, à presidência mundial.

FILHOS DE CINCINNATI - Trata-se de uma carreira bem-sucedida, principalmente para quem entrou na companhia para ficar poucos meses e levantar algum dinheiro. Shanahan queria, na verdade, seguir a carreira acadêmica, na área de geografia. Formou-se na matéria na Universidade da Califórnia. O mestrado foi feito no Japão. Depois ainda estudou nas Filipinas, onde também jogou basquete profissionalmente. De volta aos Estados Unidos, sem dinheiro, Shanahan aceitou um emprego de vendedor da Colgate. Nunca mais saiu - para desespero de seus conterrâneos. Shanahan nasceu em Cincinnati, no Estado de Ohio. Adivinhem o nome de uma grande empresa com sede lá. Isso. Ela mesmo, a Procter & Gamble.

Agora, os dois filhos de Cincinnati brigam pelo mercado brasileiro de cremes dentais. A Procter garante que não será possível participar do jogo se o negócio for confirmado. Uma fábrica própria também está descartada? "Essa concentração forma uma barreira intransponível para uma empresa que começa do zero", diz Yolanda. A Procter realizou estudos de viabilidade para a fabricação do Crest, seu campeão de vendas, no Brasil. Conclusão: desista. "Não haveria retorno capaz de justificar o investimento", diz Yolanda. "Enfrentar um adversário com 80% do mercado é inviável." Para Shanahan, esse argumento "é uma invenção".

"A Procter conseguiu isso no mercado de fraldas", diz Shanahan. Trata-se de uma referência à queda da liderança da Johnson & Johnson no mercado de fraldas descartáveis, um exemplo antológico dos benefícios da concorrência e da luta contra a concentração. Até o início da década de 90, a J&J dominava cerca de 70% do setor. Em poucos anos, foi ultrapassada pela Procter e até pela desconhecida Kenko. Nesse período, o preço da fralda caiu de cerca de 1 dólar para 35 centavos. "É só repetir a experiência", diz Shanahan, com certa ironia.

A polêmica deverá ocupar as páginas de jornais e algumas agendas de Brasília até a decisão do Cade. A Colgate, porém, não ficou de braços cruzados. Manteve as duas empresas totalmente independentes, uma regra do grupo quando adquire uma nova companhia. Além disso, não demitiu um funcionário sequer da Kolynos. Desde então, investiu 20 milhões de dólares na companhia e traçou um plano estratégico para ela. A Kolynos será uma base mundial para a exportação de cremes dentais. Para isso, trouxe para o Brasil o centro de pesquisa e desenvolvimento da empresa, antes sediado nos Estados Unidos. Nos próximos cinco anos, 25 novos produtos com a marca Kolynos chegarão às gôndolas dos supermercados. Todas essas iniciativas demonstram habilidade política da Colgate. Além de transformar a compra num fato consumado, procura atender a um item da legislação. Segundo ele, a concentração é admissível se trouxer benefícios ao consumidor. Com a palavra, o Cade.

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