Mercado imobiliário

Startups mostram que nunca foi tão fácil comprar, vender ou alugar imóveis

A integração de serviços financeiros com imobiliários abre uma nova fronteira no mercado: comprar, vender e alugar nunca foi tão prático. E será cada vez mais se depender de startups como Loft e QuintoAndar 

Florian Hagenbuch (à esquerda) e Mate Pencz, sócios-fundadores da Loft: startup a caminho de liderar a originação de crédito imobiliário no país (Leandro Fonseca/Exame)

Florian Hagenbuch (à esquerda) e Mate Pencz, sócios-fundadores da Loft: startup a caminho de liderar a originação de crédito imobiliário no país (Leandro Fonseca/Exame)

MS

Marcelo Sakate

Publicado em 19 de agosto de 2021 às 05h07.

Última atualização em 20 de agosto de 2021 às 11h11.

Nunca foi tão fácil comprar, vender ou alugar um imóvel no país. A mudança de casa tem como combustível estrutural o crédito habitacional com os juros mais baixos da história do país, que amplia o universo de pessoas que conseguem financiar a compra. Mas é resultado também de uma transformação digital que ganhou impulso com a pandemia.

Desde a pesquisa do imóvel desejado com as características mais específicas possíveis em sites especializados até a visita virtual, a assinatura do contrato e o registro em cartório, as etapas se tornaram acessíveis com poucos cliques. O mercado imobiliário chegou definitivamente à era digital.

O país já conta com 839 startups ativas dedicadas ao setor de imóveis, segundo levantamento da Terracotta Ventures, uma empresa de venture capital que investe no segmento. São as proptechs ou construtechs, com atuação concentrada em três áreas: as propriedades já em uso, a jornada para a aquisição do imóvel e o ambiente de obras.

É um crescimento acelerado que reflete o tamanho do mercado e seu potencial: o número de startups no setor aumentou 235% em quatro anos, quando o levantamento foi realizado pela primeira vez. Um dos principais objetivos é fazer o brasileiro trocar mais vezes de casa, destravando barreiras que hoje impedem que isso aconteça com recorrência, como o acesso a financiamento imobiliário, o custo de transação e a complexidade para realizar a compra e a venda.

“O brasileiro já está pronto para essa mudança de mercado. Ele já está sem paciência para as dores transacionais e a falta de transparência”, diz Mate Pencz, sócio-fundador da Loft, criada em 2018 ao lado de Florian Hagenbuch.

A Loft é um dos dois unicórnios do país que atuam no setor, ao lado do QuintoAndar, fundado cinco anos antes, em 2013, por Gabriel Braga e André Penha: são as startups avaliadas em 1 bilhão de dólares ou mais. No caso da Loft, para ser mais exato, 2,9 bilhões de dólares (cerca de 15 bilhões de reais), depois de uma rodada que captou 525 milhões de dólares em maio.

(Arte/Exame)

As duas maiores startups do setor no Brasil cresceram a tal ponto que estão entre as cinco maiores de toda a economia na América Latina. O ­QuintoAndar, dedicado inicialmente ao mercado de aluguel e hoje uma plataforma que atua com compra e venda de imóveis e oferece serviços para a moradia, recebeu uma rodada de 300 milhões de dólares em maio, com extensão de 120 milhões de dólares neste mês, e foi avaliado em 5,1 bilhões de dólares.

Loft e QuintoAndar guardam semelhanças em seus modelos de negócios e, principalmente, no propósito. Ambos nasceram com focos específicos que agora cederam lugar a uma estratégia de atuação mais ampla, inclusive sob o ponto de vista geográfico. Com o ganho de escala, acabam naturalmente expandindo a oferta.

Depois de se estabelecer em São Paulo e no Rio de Janeiro com seu modelo de compra, reforma e venda de imóveis, a Loft está ampliando o número de bairros nas duas cidades. Começou a operar em testes em Belo Horizonte e vai entrar em municípios da região metropolitana da capital paulista, como Guarulhos, Osasco e as cidades do ABC nos próximos meses. A base com cerca de 25.000 imóveis deve mais do que dobrar.

“Vamos aproveitar a capilaridade que imobiliárias e corretores possuem para integrá-los na cadeia para prestar um atendimento humanizado com uso de tecnologia”, diz Pencz. É a aposta em um modelo em que o conhecimento do corretor do bairro ou da cidade de médio porte é considerado um ativo fundamental para que a operação seja concretizada e proporcione satisfação para as partes.

Há três meses a Loft lançou um programa de incentivo a 100 corretores com melhor desempenho, com benefícios que vão de ajuda de custo de até 5.100 reais mensais a plano de saúde. “Queremos criar um sistema transacional integrado para ajudar as pessoas a encontrar não só o lar ideal como também o seguro residencial e o financiamento mais adequado”, afirma o sócio da Loft.

A startup também decidiu adotar uma ação agressiva e vai oferecer cashback (devolução parcial) equivalente a 3% do valor de venda de imóveis que sejam cadastrados por seus proprietários na plataforma. Os recursos que deixam de entrar são compensados pela venda de outros produtos para o cliente, como seguros relacionados à residência.

Gabriel Braga (à esq.) e André Penha, do QuintoAndar: o plano é desenvolver novas soluções de crédito para destravar o mercado (Germano Lüders/Exame)

Como parte dessa estratégia, a Loft anunciou no início de julho a aquisição da CredPago, fintech especializada em oferecer garantias para quem quer alugar um apartamento ou casa. Com a operação, ampliou sua capacidade de oferecer produtos financeiros e sua rede de distribuição, uma vez que a startup tem mais de 16.000 imobiliárias como clientes em mais de 500 cidades.

A Loft passou a contar com o BTG Pactual (do mesmo grupo que controla a EXAME), que tinha 49% da CredPago, como acionista minoritário com 5% de seu capital. O plano é aproveitar a expertise do banco para estruturar novos produtos e provê-los com liquidez.

Outra aquisição encaminhada — que será anunciada nos próximos dias — será a de um “player relevante” na originação de crédito, ou seja, na ponta que viabiliza o pedido de empréstimo do cliente com as instituições financeiras.

O plano é se tornar o líder desse mercado antes do fim do ano, seja por meio da aquisição, seja por crescimento orgânico. “O alcance do crédito imobiliário é muito baixo no país, em torno de 10% do PIB. Em outros países, chega a 50%. Com essa aquisição, aumentamos nossa taxa de conversão de compra de imóveis na plataforma, o que significa que mais pessoas conseguem trocar de casa”, afirma Hagenbuch.

O QuintoAndar, por sua vez, acaba de adquirir a Atta Franchising, de crédito imobiliário, em uma operação que também prevê o uso da capilaridade da startup para a distribuição de seus produtos, com uso de tecnologia e inteligência artificial. O objetivo é oferecer taxas mais baixas de acordo com cada perfil de cliente em uma ponta, e permitir a bancos e outras instituições, além de imobiliárias e incorporadoras, que ampliem a demanda por crédito.

No mercado de aluguel, a startup fundada em 2013 por Braga e Penha tem mais de 50 bilhões de reais em ativos sob gestão, em mais de 120.000 contratos ativos, com uma estratégia que também passa pela atração de imobiliárias do mundo físico para sua plataforma. É o atalho para ir além das grandes capitais e ampliar o alcance dos serviços. Práticas que se tornaram comuns no mercado foram introduzidas e ganharam escala com a startup, como a produção de fotos com qualidade dos imóveis e o agendamento das visitas com o corretor pela internet.

A principal inovação foi dispensar os inquilinos da necessidade de apresentação de fiador, uma prática que perdurou por décadas no mercado de aluguel e que excluía milhares de brasileiros dessa condição de moradia. Para tanto, o QuintoAndar acertou parceria com uma seguradora que fez a modelagem dos riscos de inadimplência e passou a bancar todos os contratos.

Um dos principais investimentos da startup se dá no aperfeiçoamento de máquinas de decisão de crédito e análise de risco com base em um volume crescente de dados. “Queremos inovar na finalização dos negócios, no crédito imobiliário e no aumento da certeza da transação para as partes”, disse Braga por ocasião da última rodada de aporte na companhia.

A inovação em compra e venda, segundo ele, passa necessariamente por novas soluções financeiras. “Há muitas pessoas que querem comprar, possuem renda, mas não têm dinheiro para a entrada. Pensamos: ‘O que poderíamos apresentar de solução para destravar o processo?’.”

Andries Oudshoorn (à esquerda) e Marcos Leite, da OLX: plataforma quer conectar todos os parceiros | Foto: Leandro Fonseca/EXAME

Andries Oudshoorn (à esquerda) e Marcos Leite, da OLX: plataforma quer conectar todos os parceiros | Foto: Leandro Fonseca/EXAME (Leandro Fonseca/Exame)

No fim, o objetivo é que a experiência fique mais próxima da existente hoje nos principais players de e-commerce, como Mercado Livre, Magazine Luiza ou Amazon: com transparência nos preços, praticidade e segurança para quem decide fazer uma compra.

O aumento da transparência é uma das prioridades das startups. Tanto Loft quanto QuintoAndar desenvolveram modelos de precificação do valor da compra e do aluguel levando em conta uma base crescente de dados com informações de transações.

No caso da Loft, a ferramenta de precificação considera mais de 250.000 imóveis de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte que registraram alguma transação nos últimos dez anos. Em ambos os casos, o racional comprovado de maneira empírica é que os imóveis anunciados nas respectivas plataformas com valores mais realistas são negociados mais rapidamente, o que economiza tempo e dinheiro para todas as partes.

Na jornada digital do setor, será possível saber de antemão não só o valor justo de um imóvel por meio de modelos de precificação mas também o potencial de valorização levando em conta as características do entorno. É o que propõe a Dataland, start­up que montou uma plataforma que analisa mais de 400 camadas de dados — de transporte público e segurança a atividades comerciais e restrições socioambientais — para estimar os valores mais apropriados.

A diferença é que, enquanto Loft e QuintoAndar realizam o serviço no mercado secundário e de aluguel, respectivamente, a startup faz a análise desde o terreno até o imóvel lançado e concluído. “Queremos transformar a ocupação urbana a partir da análise inteligente de dados”, diz Cristina Penna, sócia-fundadora da Dataland.

(Arte/Exame)

A integração da vertical de serviços financeiros com a do mercado imobiliário representa uma das novas ondas da indústria de startups. “É um setor com muita demanda por crédito para a compra, mas, ao mesmo tempo, há muitas ineficiências e burocracias. Grande parte da população não tem acesso às linhas de crédito e de outros produtos pelos modelos de análise tradicionais”, afirma Bruno Loreto, sócio da Terracotta.

O timing para a transformação digital não poderia ser mais apropriado. A queda dos juros, a abertura da população para serviços digitais e o avanço da tecnologia criaram um ambiente favorável.

“É a primeira vez que há a combinação do mercado imobiliário aquecido com o de tecnologia em alta. Isso significa que as empresas estão capitalizadas e há um ambiente de negócios propício para a inovação”, diz.

Cristina Penna, sócia-fundadora da Dataland: uso de ciência de dados para orientar a ocupação urbana (Leandro Fonseca/Exame)

Facilitar o acesso ao crédito é também uma das prioridades da OLX Brasil, gigante de tecnologia que comprou há um ano o Grupo ZAP. É o maior ecossistema do mercado imobiliário do país, com cerca de 30 milhões de usuários cadastrados, 50.000 imobiliárias e 16 milhões de anúncios de imóveis somados em três plataformas — ZAP Imóveis, Viva Real e OLX Imóveis.

O grupo começou a transformar o alcance dos anúncios em soluções para os milhões de clientes que acessam o portal em busca de um imóvel. A estratégia é usar inteligência de dados para oferecer de maneira mais assertiva o financiamento bancário para clientes potenciais, com ferramentas que calculam o valor da entrada e das parcelas.

“Não queremos ser a empresa que concede o crédito. Somos a plataforma que conecta os compradores a todos os parceiros, sejam bancos, sejam fintechs, usando inteligência de dados para fazer isso da melhor forma”, explica Marcos Leite, diretor-geral do ZAP+, a marca que engloba as três plataformas.

Outra frente é a de oferta de garantia para aluguel. O executivo acredita que a capilaridade e a ampla base de dados do ZAP+ vão representar uma vantagem competitiva. “Estimamos que em 24 meses o produto será duas vezes maior do que o de qualquer outro player do mercado”, prevê.

Para fomentar esse ecossistema, o ZAP+ organiza em outubro um evento voltado para corretores, imobiliárias e profissionais de incorporadoras e construtoras, o Conecta Imobi. "Temos a missão de acelerar o processo de digitalização do segmento, estimular discussões transformadoras e democratizar o conhecimento”, diz Leite.

As startups também lançam novas frentes de negócios. Um exemplo é a Yuca, cuja proposta é reformar imóveis antigos e transformá-los em moradias compartilhadas com aluguel de quartos: são os colivings.

“Até dez anos atrás, os bairros centrais nas grandes cidades concentravam uma oferta de apartamentos grandes, que acabaram ficando vazios em razão do encarecimento dos imóveis e da mudança do perfil das famílias”, explica Rafael Steinbruch, um dos sócios-fundadores da startup.

O serviço inclui o aluguel, o mobiliário e a divisão das contas da casa em uma cobrança única ao mês. No início do ano, a Yuca passou a oferecer apartamentos individuais com a mesma solução de reforma e mobília, mas em áreas menos centrais.

O mercado de aluguel também ganha em variedade com startups que buscam ampliar a flexibilidade de tempo para os clientes, como a Xtay. Dedicada a alugueis de curta temporada (embora também ofereça períodos mais extensos), a proptech aposta na automação dos imóveis como diferencial e trouxe uma empresa especializada em IoT (Internet das Coisas) como sócia e fornecedora dessa estrutura.

Loreto avalia que a evolução do mercado vai abrir espaço para startups que atendam necessidades cada vez mais específicas. No fim, o beneficiado será o consumidor, que terá acesso a mais opções, de acordo com seu momento de vida.  


A transformação digital da jornada de quem busca um imóvel

Comprar, vender ou alugar um imóvel se tornou uma experiência mais rápida e menos burocrática graças a novas práticas trazidas por startups e agora adotadas por imobiliárias e incorporadoras

(Leonardo Yorka/Exame)

(Leonardo Yorka/Exame)

 

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