Revista Exame

A maior disputa de Abilio

A pouco mais de um ano de ser obrigado a entregar o controle do Grupo Pão de Açúcar ao grupo francês Casino, o empresário Abilio Diniz enfurece os sócios ao tentar articular a compra da operação brasileira do Carrefour

O empresário Abilio Diniz: há pelo menos um ano ele vem tentando renegociar o acordo de acionistas com os franceses do casino  (Germano Lüders/EXAME.com)

O empresário Abilio Diniz: há pelo menos um ano ele vem tentando renegociar o acordo de acionistas com os franceses do casino (Germano Lüders/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 7 de julho de 2011 às 17h26.

Para a maioria das pessoas que viram a negociação de fora, pareceu que o empresário Abilio Diniz havia feito um grande negócio ao aceitar os 2 bilhões de reais oferecidos pelos franceses do Casino em troca do compartilhamento do controle do Pão de Açúcar. O dinheiro era muito bem-vindo.

Era maio de 2005 e o grupo varejista — na época com faturamento de 15,3 bilhões de reais — não vivia dias confortáveis. Sua dívida líquida havia sextuplicado entre 2001 e 2004, chegando a 930 milhões de reais — no mesmo período, a geração de caixa aumentara apenas 60%, segundo dados do balanço de 2005.

O cenário competitivo ficara mais difícil com a compra da rede nordestina Bompreço pela americana Walmart, que, assim, passava da sexta para a terceira posição no mercado brasileiro.

Abilio precisava agir — e rápido. Decidiu, então, ampliar a parceria que já mantinha com o Casino desde 1999, quando o grupo francês investiu 1,5 bilhão de reais para ficar com 22% do Pão de Açúcar.

A condição imposta pelo Casino — passar a controlar a recém-criada Wilkes, holding controladora do Pão de Açúcar, a partir de junho de 2012 — parecia um pequeno preço a pagar para garantir o crescimento da companhia. Até agora, a parceria vinha dando certo.

O Pão de Açúcar é hoje o líder indiscutível do varejo brasileiro e, desde que o acordo foi assinado, seu faturamento mais que dobrou, superando 36 bilhões de reais em 2010. Tudo parecia perfeito, exceto por um detalhe: o tempo passou — talvez, rápido demais.

Faltam apenas 12 meses para que Abilio, cumprindo o acordo de acionistas, seja obrigado a entregar o controle da empresa fundada há mais de seis décadas por seu pai, Valentim, para os franceses.

Pelos termos do acordo, a partir do dia 22 de junho de 2012 o Casino tem direito de comprar uma ação da Wilkes pelo valor simbólico de 1 real.


Assim, se tornaria o único controlador da varejista e passaria a apontar não apenas o presidente da holding como também o presidente do conselho de administração do próprio Pão de Açúcar.

Quebra de confiança

Com o prazo prestes a se esgotar, Abilio — hoje com 74 anos de idade — vem se armando como pode para permanecer à frente do grupo. Há quase um ano ele vem especulando com o sócio Casino sobre a possibilidade de alterar o acordo de acionistas — em vão. No início de abril, tentou outra estratégia.

Despachou para Paris o banqueiro Pércio de Souza, sócio da butique de investimento Estáter, para tentar convencer os franceses do Carrefour, maior concorrente do Casino na França, a fundir a operação brasileira com a do Pão de Açúcar. O presidente do Casino, Jean-Charles Naou­ri, só soube da manobra pela imprensa francesa, em meados de maio. Ficou furioso.

São Paulo - O que se seguiu foi uma troca de cartas de parte a parte que culminou na entrada do grupo francês com um pedido de arbitragem na Câmara Internacional de Comércio, em Paris, no dia 30 de maio. “A relação de confiança foi quebrada”, diz um executivo próximo ao Casino. Em clima de guerra, Abilio e o Casino armaram-se de um exército de banqueiros e advogados.

Do lado do grupo francês estão as filiais brasileiras do banco britânico Rothschild, do americano Goldman Sachs e do espanhol Santander, além dos escritórios de advocacia Andrade e Fichtner, especializado em litígios e disputas arbitrais, Trindade Sociedade de Advogados, do ex-presidente da CVM, Marcelo Trindade, e o americano Wa­chtell, Lipton.

Abilio, por sua vez, conta com as bancas Barbosa, Müssnich e Aragão; Wald Associados Advogados; Ferro, Castro Neves; Mattos Filho e o escritório francês Bredin Prat — além da própria Estáter. (O Carrefour, pivô da disputa, está sendo assessorado pelo banco francês Lazard e pelo escritório de advocacia Pinheiro Neto.)

Até agora, quem mais sofreu com a disputa foi o próprio Pão de Açúcar. Nos dois dias seguintes à entrada do pedido de arbitragem pelo Casino, as ações da empresa na bolsa caíram 5,7%.


Para tentar tranquilizar o mercado, Abilio enviou uma carta ao presidente da rede, Enéas Pestana, e aos principais diretores do grupo assegurando-lhes que “jamais consideraria qualquer coisa que prejudicasse a companhia”.

Embora os papéis se recuperassem na semana seguinte, analistas e investidores se preocupam com o futuro da governança do Pão de Açúcar e temem que a discórdia entre Abilio e Naouri adie alguns dos principais projetos do grupo, como a abertura de capital da Globex, holding que reúne as operações de Casas Bahia, Ponto Frio e Extra Eletro, e da Nova Pontocom, subsidiária de comércio eletrônico do grupo.

Em um relatório distribuído no dia 31 de maio, o banco UBS afirmou que “se a disputa não se resolver logo, a relação entre os dois pode se deteriorar ainda mais. E, uma vez no controle, não se sabe quais seriam os planos do Casino”.

Disputas societárias não são exatamente uma novidade na trajetória do empresário Abilio Diniz. Ao longo das últimas duas décadas, ele se envolveu em várias delas — o que inclui a própria família. Primogênito do fundador, Valentim dos Santos Diniz, ele ficou com a maior parte das ações distribuídas pelo pai em 1988 — 16% do total.

A cada um de seus dois irmãos, Alcides e Arnaldo, couberam 8%, e as três irmãs receberam 2% cada uma. Descontentes com a decisão do pai, os cinco irmãos de Abilio se uniram sob a liderança de Alcides para tentar tirá-lo do comando da empresa. A disputa só terminou quando Alcides decidiu vender sua parte no grupo para o pai.

Em seguida, Abilio comandou uma pesada reestruturação no Pão de Açúcar, então à beira do precipício. Demitiu 22 000 funcionários e fechou quase metade das 549 lojas. Paralelamente, criou com o pai a holding Consistência Participações para administrar os negócios da família (pelo acordo, Abilio ficaria com 51% da holding depois da morte de Valentim).

Foi a senha para mais uma série de desentendimentos familiares. Em 1991, o irmão Arnaldo entrou com um processo contra Abilio, acusando-o de não tê-lo consultado sobre a venda de imóveis para sanar dívidas da empresa. No ano seguinte, a irmã Sônia questionou judicialmente a validade da holding, considerada por ela um testamento antecipado.

Em janeiro de 1993, Floripes, mãe de Abilio, acusou o filho de coagir mentalmente o pai e revogou as procurações dadas pelo marido para a criação da holding. Foi somente em novembro daquele ano que a família chegou a um consenso.


Arnaldo recebeu 70 milhões de dólares e as irmãs Sônia e Vera ficaram com 50 milhões de dólares. Abilio assumiu a presidência do Grupo Pão de Açúcar no lugar de Valentim e tornou-se acionista majoritário da empresa, com 51% das ações.

Relações cortadas

O espantoso crescimento do Pão de Açúcar nos últimos anos se deve muito à estratégia de Abilio e a uma escalada de aquisições liderada por ele. Nem sempre foram negociações silenciosas. Durante anos, Abilio brigou com a família Sendas, dona da rede carioca Sendas, comprada em fevereiro de 2004.

No momento da compra, ficou determinado que o Pão de Açúcar compraria, até 2013, os 57,43% restantes das ações em poder de Arthur Sendas, a menos que o controle do grupo mudasse de mãos. Nesse caso, Sendas poderia exigir a antecipação da compra de sua participação.

Com a entrada do Casino no Pão de Açúcar em 2005, Sendas passou a exigir o pagamento de 700 milhões de reais por seus papéis. Abilio não concordou e, em outubro de 2006, o caso foi parar numa câmara de arbitragem do Rio de Janeiro. Arthur Sendas perdeu o caso e morreu dois anos mais tarde, em outubro de 2008.

Em fevereiro deste ano, o Pão de Açúcar concluiu as negociações para a aquisição das ações nas mãos de seus herdeiros. Pelo acordo, a família Sendas receberá 377 milhões de reais, pouco mais da metade do inicialmente pleiteado pelo patriarca.

“Ao final, Arthur e Abilio já nem se falavam mais. Não restou nada da relação de respeito que eles tinham um pelo outro”, diz um executivo que acompanhou o processo.

O maior dos embates, porém, estaria por vir. Em abril do ano passado, apenas quatro meses depois de ter aprovado a fusão da Casas Bahia, maior rede de eletroeletrônicos do país, com o Pão de Açúcar, Michel Klein, membro do clã controlador, ameaçou recorrer aos tribunais para desfazer o negócio.

A operação, realizada por meio de uma troca de ações, havia deixado Abilio com 51% da Globex, holding que controla Ponto Frio e Casas Bahia — os Klein ficaram com os 49% restantes. Embora tivessem inicialmente concordado — e assinado — o contrato, os Klein entenderam depois que saíram no prejuízo.

Após uma série de reu­niões, Abilio e Michel finalmente chegaram a um acordo no dia 1º de julho. O Pão de Açúcar colocaria 690 milhões de reais na Globex e a família Klein passaria a ter direito a um “veto de proteção”, permitindo que opinasse sobre as principais decisões do grupo.

“Abilio cedeu um pouco para ganhar muito”, diz um advogado que participou do processo. Até hoje, Abilio tem conseguido contornar as disputas com seus sócios. Acontecerá o mesmo com o Casino?

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