Futuro incerto

hero_O próximo capítulo da Netflix: como será o 2023 da gigante do streaming?

In this photo illustration the Netflix App seen displayed on (Getty Images/Thiago Prudêncio/SOPA Images/LightRocket)

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O próximo capítulo da Netflix: como será o 2023 da gigante do streaming?

O que está por trás da decisão da líder do streaming de aceitar anúncios na plataforma?

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O próximo capítulo da Netflix: como será o 2023 da gigante do streaming?

O que está por trás da decisão da líder do streaming de aceitar anúncios na plataforma?

In this photo illustration the Netflix App seen displayed on (Getty Images/Thiago Prudêncio/SOPA Images/LightRocket)

Por Lucas Shaw

Publicado em 18/01/2023, às 07:00.

Última atualização em 09/08/2023, às 16:52.

Futuro incerto

Por volta do meio-dia de quarta-feira, dia 16 de março de 2022, centenas de funcionários da Netflix se reuniram no segundo andar do hotel Anaheim Hilton esperando boas notícias.

A empresa havia prosperado durante a pandemia. Em 2020, adicionou 36,6 milhões de assinantes — um recorde —, e seu investimento agressivo em conteúdo original se pagou em 2021 com a série francesa de crime "Lupin" e o thriller sul-coreano "Round 6", dois dos programas de maior popularidade na história da empresa.

A Netflix também havia deixado marcas nas maiores premiações de Hollywood, ganhando dois dos três principais troféus do Emmy e recebendo 27 indicações ao Oscar, acima de qualquer outra empresa. Já há alguns anos na guerra do strea­ming, a Netflix dava sinais não só de sobreviver como de emergir mais forte.

O codiretor executivo, Ted Sarandos, responsável por tornar a Netflix uma potência, subiu ao palco para abrir a reunião anual de revisão de negócios da empresa após um breve vídeo recapitulando diversos sucessos. Porém, ao chamar ao palco Spencer Wang, vice-presidente encarregado de finanças, relações com investidores e desenvolvimento corporativo, o clima na sala começou a ficar pesado, segundo duas pessoas presentes mas sem autorização para falar sobre a reunião.

O crescimento da Net­flix vinha vacilando, pondo a empresa em ritmo de perda de assinantes pela primeira vez desde 2011. Quando outros executivos se juntaram a Wang no palco para listar maneiras de reverter a queda, muitos funcionários começaram a entender a encrenca da Netflix.

O notável sucesso da empresa ao longo de uma história de 25 anos tinha instigado na equipe a crença de invencibilidade eterna. Quando era um pequeno serviço de DVDs pelo correio de Los Gatos, na Califórnia, a empresa previu o futuro em mais de uma ocasião, ultrapassando players muito maiores para refazer Hollywood à sua imagem.

Cena da série sul-coreana Round 6, de 2021: maior sucesso em 25 anos de Netflix (Netflix/Divulgação)

Concorrência acirrada

Até onde alguém conseguia lembrar, essa era a primeira vez que a liderança da Netflix dizia que a concorrência tinha afetado negativamente o negócio de streaming de forma ampla.

Um mês depois, os executivos compartilharam notícias ainda piores com os investidores durante uma revisão trimestral dos resultados: a empresa perderia cerca de 2 milhões de assinantes no segundo trimestre, dez vezes o volume perdido no primeiro. Sarandos e o co-CEO, Reed Hastings, culparam vários fatores diferentes — competição maior, adoção mais lenta de TVs conectadas e uma saída da Rússia após a invasão da Ucrânia —, ao mesmo tempo que tentaram garantir aos investidores que a dor de cabeça seria de curto prazo.

Não funcionou; eles surtaram. No dia seguinte, as ações da Netflix despencaram 35%, eliminando mais de 50 bilhões de dólares em valor de mercado. Suas ações continuaram a cair nas semanas seguintes, recuperando-se ligeiramente depois que a Netflix informou ter perdido apenas 1 milhão de clientes, e não 2 milhões, no segundo trimestre de 2022. 

Com 221 milhões de assinantes e uma grande liderança em relação à concorrência em quase todos os grandes mercados, a Netflix ainda é o serviço de streaming mais popular do mundo. E, apesar do ceticismo redescoberto de Wall Street, o streaming continua crescendo. Mas o boom inicial da empresa acabou, assim como a valorização polpuda que veio com ele.

Durante anos, Wall Street tratou a Netflix mais como uma star­t­­up de tecnologia com mania de grandeza do que como um gigante da mídia do calibre de Walt Disney ou Paramount. Os investidores aplaudiram quando Hastings e Sarandos pegaram dinheiro emprestado para superar os gastos da concorrência, gastando mais dinheiro do que ganhavam.

A Netflix no mercado de investimentos

Agora, os investidores veem uma empresa madura que enfrenta aumento da concorrência com alternativas mais baratas. Eles começaram a questionar se o streaming é mesmo um bom negócio. A ­Netflix precisou demitir centenas de funcionários e pôr para alugar espaços de escritório de que não precisava mais. A empresa também prometeu desacelerar os gastos com programação — embora não tenha falado em diminuí-los —, além de ter engavetado dezenas de projetos de filmes e séries.

Segundo mais de duas dúzias de funcionários atuais e ex-empregados que falaram com a Bloomberg Businessweek,­ o preço em queda das ações da Netflix vem prejudicando o moral de uma empresa que muitas vezes se classifica como um dos empregadores mais desejáveis do mundo.

Hastings escreveu um livro inteiro sobre a cultura da empresa como guia para as outras. Ele perseguiu as melhores pessoas e dobrou ou triplicou seus salários. Ele deu a todos os executivos liberdade para tomar decisões e gastar dinheiro como achassem melhor. Ele também compartilhou quantidades inéditas de dados internos, dando aos funcionários acesso aos salários de seus colegas e ao desempenho financeiro da empresa.

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Mudanças na tomada de decisão

Mas, à medida que foi crescendo, a Netflix instituiu uma hierarquia mais tradicional e um processo centralizado de tomadas de decisão. Executivos veteranos dispostos a desafiar a liderança foram saindo, e, como é o caso em outras empresas de tecnologia, a Netflix vem contratando mais funcionários juniores em seu grupo de engenharia para criar níveis mais baixos de empregados e controlar custos.

Toda essa antiortodoxia esclarecida tem se mostrado difícil de executar em grande escala. Quando a Net­flix demitiu pessoas no começo deste ano, os executivos não divulgaram o tradicional comunicado explicando a decisão, como vinham fazendo havia anos. Os cortes tampouco incluíram as lideranças seniores.

Sarandos e Hastings argumentam que Wall Street está reagindo com exagero e que a queda de assinantes é temporária. Eles são, afinal, o serviço de streaming mais popular num mundo que ainda está migrando da TV linear para a internet. Hoje o serviço representa cerca de 8% de toda a audiência de TV nos Estados Unidos, maior volume atingido por qualquer rede, e tem mais clientes no exterior do que Disney+, HBO Max, Paramount+ e Peacock juntos.

O moral, embora abalado, vem se estabilizando à medida que a empresa fixa seus olhos no próximo grande objetivo. Hastings e Sarandos ainda dizem que a empresa pode mais do que dobrar o número de assinantes atuais, chegando a 500 milhões, se não a 1 bilhão. (Os co-CEOs se recusaram a dar entrevista para esta reportagem.)

"Ainda achamos e acreditamos que temos muito espaço para crescer."Spencer Neumann, CFO da Netflix.

Neumann diz que a Netflix está identificando as causas por trás de seus entraves recentes e trabalhando em duas novas iniciativas para enfrentar o problema. A empresa está implementando um plano com anúncios por 6,99 dólares por mês, apelando àqueles que consideram a Netflix muito cara — o serviço foi de 7,99 dólares para 15,49 dólares por mês em apenas nove anos —, e vai começar a cobrar de seus assinantes que compartilham a senha.

Publicidades e anúncios na plataforma

A empresa havia tempos dizia que nunca tentaria essas iniciativas porque elas não são amigáveis aos clientes. “A ­Netflix cometeu erros no passado por arrogância”, diz Mark Mahaney, chefe da equipe de pesquisa em internet da Evercore ISI. “Não ter um serviço de publicidade até 2023 é um sinal dessa arrogância. Aumentar os preços ao longo dos anos também é um sinal dessa arrogância.”

Hastings nunca quis vender anúncios. Ele primeiro construiu a Netflix como uma alternativa à (rede americana de locadoras) Blockbuster que fosse amigável ao consumidor. A Netflix oferecia uma seleção mais ampla de DVDs e não cobrava taxas por atrasos na devolução. Hastings adotou abordagem semelhante com o streaming.

A TV a cabo tinha se tornado um produto complicado, que a maioria dos consumidores detestava. Havia muitos canais, e era algo caro demais. A rede de TV média de então exibia até 15 minutos de anúncios a cada hora. A Netflix tinha uma proposta simples: assista a qualquer coisa que você possa querer ver sob demanda por uma fração do preço do cabo.

“Está tudo na Netflix. Sem anúncios. Um preço baixo”, a empresa ainda diz em algumas promoções.

À medida que a Netflix crescia, analistas, colegas e jornalistas de Wall Street infernizavam Hastings quanto aos anúncios. Quase todos os grandes negócios de mídia da história moderna fizeram dinheiro vendendo sua base de clientes para anunciantes. As redes vinham exibindo comerciais desde a década de 1940, e alguns dos próprios funcionários de Hastings achavam que a Netflix também deveria fazer o mesmo. Mas Hastings sempre disse não.

Ele dizia que os clientes preferiam a Netflix à TV a cabo porque o serviço não tinha anúncios. Ele também tinha pouco interesse em coletar dados pessoais além da preferência do assinante por thrillers ou novelas. Acima de tudo, ele não queria competir com o Google e com o Facebook, empresa de cuja diretoria já fez parte.

“No longo prazo, não há dinheiro fácil lá”, disse Hastings a um analista do setor em janeiro de 2020. 

Uma larga disputa pelo consumidor

No final de 2019 e início de 2020, empresas de mídia rivais começaram a lançar seus próprios serviços de streaming, como Disney+, HBO Max e Paramount+. A maioria deles custou menos do que a Netflix e também oferecia dezenas de programas originais, amparada por um vasto acervo de filmes e programas de TV acumulados ao longo do século passado. Mas Hastings com frequência rejeitava a ameaça representada pela competição.

A Netflix vinha operando havia muito tempo como algo próximo de um serviço. As pessoas podiam provar e cancelar outros serviços, mas a Net­flix era insubstituível. A taxa de cancelamentos de clientes por muito tempo ficou em torno de 2% — metade da taxa do setor, segundo a empresa de análise de streaming Antenna. A Net­flix aproveitou a fidelização de clientes para aumentar os preços a cada 18 meses ou mais.

Mas a taxa de rotatividade começou a subir em 2021 e deu um salto em 2022. A Netflix se tornou mais cara do que a maioria de seus concorrentes de streaming, ao mesmo tempo que a inflação forçou os consumidores a cortar gastos.

Agora, mais de 20% das pessoas que assinam a Netflix nos Estados Unidos cancelam depois de um mês, o que segue a linha da média da indústria, de acordo com a Antenna. Para piorar as coisas, muitas vezes quem cancela troca a Netflix por um serviço rival.

Enquanto isso, menos pes­­so­as estavam assinando o serviço. A Netflix vinha adicionando uma média de 27 milhões de clientes por ano desde 2016 e registrou seu melhor ano de todos os tempos em 2020. Mas isso foi por causa de um aumento de inscrições durante o primeiro semestre do ano; o negócio desacelerou no segundo semestre e seguiu sem grandes destaques em 2021. 

No início, a Netflix viu a desaceleração do crescimento como um subproduto da pandemia. No fim de 2021, os números não podiam mais ser ignorados, e os executivos precisavam achar uma resposta. Em março, Neumann, o CFO, plantou um balão de ensaio numa conferência de investidores. A Netflix não era fundamentalista quanto a não ter anúncios, afirmou ele, acrescentando: “Nunca diga nunca”.

Um mês depois, à medida que as ações despencavam, Hastings oficializou a mudança. Ele disse que a Netflix faria experimentos com anúncios no próximo ano ou dali a dois anos. O comentário surpreendeu a maioria dos funcionários, especialmente os veteranos que viam a falta de publicidade como ponto central da missão da empresa.

Uma vez que Hastings decidiu seguir por esse caminho, contudo, a ­Netflix não perdeu tempo. Depois de não vender anúncios por 25 anos, a empresa agora construiria um negócio de publicidade em sete meses.

Escritório da Netflix em Los Gatos, nos Estados Unidos: a cultura de uma das empresas mais admiradas do mundo está em xeque (Fitz Carlile/Divulgação).

Mudança de cultura empresarial

A tarefa de descobrir como deve ser a publicidade na Net­flix sobrou para o diretor de operações, Greg Peters. Como Hastings firmou um prazo bastante agressivo, Peters decidiu terceirizar a tecnologia de publicidade e as vendas.

A maioria dos executivos do setor presumiu que Google e Comcast fossem os primeiros colocados na escolha porque são os líderes do mercado em publicidade em vídeo online. Mas a Netflix surpreendeu ao escolher a Microsoft, quase sem negócios em streaming de vídeo. Mas a Netflix viu isso como um bônus. Eles poderiam construir a operação de publicidade em vídeo juntos.

Apesar do avanço súbito, a Netflix está tentando manter os anúncios do jeito mais discreto possível. Ninguém que paga pelo serviço hoje vai precisar assistir a comerciais, a menos que escolha rebaixar seu plano. A versão suportada por anúncios custa menos da metade do plano atual.

O nível mais barato exibirá comerciais por apenas cerca de quatro minutos a cada hora, menos do que a TV tradicional, mas comparável aos serviços concorrentes de streaming. Os dados coletados dos espectadores serão limitados à localização e às preferências de programação, além do número de vezes que a pessoa pode ver o mesmo anúncio.

Ao limitar o número de anúncios, a Netflix também espera aumentar o preço que os anunciantes pagam por eles. A empresa está pedindo mais de 60 dólares a cada 1.000 espectadores, o dobro da taxa de mercado. Executivos e analistas do setor estimam que a empresa gerará pelo menos 2 bilhões de dólares em vendas de anúncios e planos de assinatura com publicidade no primeiro ano.

Até 2027, os anúncios provavelmente contribuirão com pelo menos 3 bilhões de dólares para as vendas, segundo a empresa de pesquisa Ampere Analysis. 

O fim do compartilhamento de senhas?

A Netflix por anos considerou a prática uma publicidade de fato, tudo parte da tomada global da cultura pop pela empresa. O tal do “Netflix and chill” (expressão americana com conotação de, entre outras coisas, ir à casa de alguém para ter relações sexuais) e coisas do tipo.

Hoje, mais de 100 milhões usam contas compartilhadas e, por causa do alto volume, a Netflix começou a explorar contramedidas. “Gostaríamos de ter começado [a combater isso] mais cedo”, diz Neumann. “Sabemos que temos uma porcentagem bastante consistente de nossa clientela que empresta a senha há anos.”

A Netflix está testando duas maneiras de atacar o problema na América Latina, onde o compartilhamento de senha é especialmente predominante. Pede-se às pessoas no Chile, na Costa Rica e no Peru que paguem cerca de 2 dólares para adicionar até dois usuários à sua conta.

Em outros cinco países da América Latina, a Netflix está pedindo aos clientes que paguem 2 ou 3 dólares para usar sua conta numa casa extra. A empresa ainda não decidiu sobre a melhor abordagem, mas pretende ter algo valendo no próximo ano.

Uma empresa lucrativa

É importante notar que a Netflix nunca esteve tão sólida. A empresa é lucrativa e não precisa mais de dinheiro emprestado. Em qualquer semana, ela representa cerca de oito dos dez programas de TV mais populares dos Estados Unidos e a maioria dos filmes de strea­ming mais populares. Muitos de seus desafios atuais são um reflexo de sua grandeza.

A participação do streaming no tempo total da TV atingiu uma nova alta neste verão e representa hoje cerca de 35% do total de visualizações de TV nos Estados Unidos. Isso significa que 65% da visualização ainda está bloqueada na TV linear e aos poucos vai mudar para a internet. O principal desafio da Netflix é capturar o máximo possível dessa audiência. 

É por isso que, enquanto procura maneiras de limitar os custos, a Netflix continua a produzir mais programação original do que qualquer outra empresa na história de Hollywood. A plataforma lança de 700 a 800 títulos por ano, produzindo coletivamente um número maior de filmes, animações, comédias stand-up, documentários, realities e TVs roteirizadas do que qualquer emissora.

Manter a qualidade com essas produções é quase impossível, mas Hastings e sua equipe dizem que a quantidade é a chave para aumentar o número de assinantes.

Quando tentam resolver dúvidas e inspirar confiança em seus funcionários, Hastings e Sarandos são rápidos em lembrá-los de 2011. Esse foi o ano em que Hastings decidiu separar o serviço de streaming do serviço de envio de DVDs pelo correio da empresa e renomeá-lo Qwikster. O instinto dele estava correto. O serviço de streaming era o futuro. Só que dividi-lo equivalia a uma alta de preço de 60% para os clientes atuais, que abandonaram o serviço em massa.

A Netflix perdeu 800.000 clientes em um único trimestre, ou cerca de 3% do total. No entanto, Hastings foi rápido em perceber seu erro e se livrou do nome Qwikster. A Netflix continuou a perder assinantes de DVD, mas seu serviço de streaming cresceu mais forte do que nunca.

A lição é: “Somos a Netflix, corremos riscos e vamos dar um jeito nisso”.

À medida que os problemas na Netflix se intensificaram, Hastings reassegurou aos funcionários que não estava saindo. A empresa vem refazendo Hollywood à sua imagem. Agora ela mesma precisa refazer a própria imagem.  

Tradução de Fabrício Calado Moreira

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