A mais de 300 km de São Luís, na cidade de Codó, no Maranhão, Adelma Vitória Alvares divide seu dia entre ministrar aulas e estudar investimentos. Professora de inglês e português para alunos do sexto ao terceiro ano do colegial da rede pública da cidade, Adelma também é uma investidora assídua na bolsa de valores. Aos 63 anos, ela pretende completar sua aposentadoria com dividendos.
“Eu junto uma parte do meu salário, um aluguel de uma casa que tenho e todos meus dividendos e reaporto. Daqui um ano, eu quero me aposentar e viver com a aposentadoria mais os dividendos.” As ações que a professora tem na carteira são: Banco do Brasil (BBAS3), Santander (SANB3), Itaúsa (ITSA4), Taesa (TAEE11), Cemig (CMIG4), Caixa Seguridade (CXSE3), Klabin (KLBN4) e Porto Seguro (PSSA3).
Assim como ela, outros 451.554 investidores com 60+ investem atualmente na bolsa de valores - é o que mostra um levantamento exclusivo feito pela B3 a pedido da EXAME Invest. Em junho de 2013, esse número era de 130.023, o equivalente a um aumento de 247,28% em uma década.
Na pandemia, com as pessoas mais em casa e um maior tempo para aprendizado, a safra de entrada de pessoas 60+ foi a maior registrada durante uma década na bolsa de valores. No caso de Adelma, as escolas paradas também a ajudaram a entrar no mundo dos investimentos. “Tive mais tempo para os estudos.”
Das dívidas aos investimentos
Para quem escuta Adelma falar de ações, fundos imobiliários e opções, como put e call, não imagina a história que a levou a investir. Voltando alguns anos, em 2020, a professora devia mais de R$ 50 mil ao banco, fruto de pedidos de empréstimos consignados. Justamente por ser professora estatutária, ela tinha mais facilidade para conseguir os empréstimos e sempre que passava por algum imprevisto financeiro, usava e abusava da modalidade.
“No segundo semestre de 2020, eu vi que meu poder de compra estava totalmente comprometido. Fui ao banco e perguntei para minha gerente: ‘Quando eu fiz esses empréstimos, a taxa de juros era muito alta e agora ela baixou, mas eu continuo com a taxa alta, não tem como diminuir?’. Ela me disse que não, mas que eu tinha margem ainda e me perguntou se eu não queria aumentar um pouquinho. Eu saí de lá com mais R$ 10 mil de empréstimo. Fui lá para diminuir um débito e saí com ele maior. Foi total falta de educação financeira.”
A professora já tinha parcelas mensais de R$ 1.600 para quitar os empréstimos anteriores e, levada pela frase “só vai aumentar um pouquinho”, viu sua parcela saltar para R$ 1.900. Segundo Adelma, o sentimento de vergonha tomou posse dos seus pensamentos e, ao refletir nos dias seguintes, decidiu retornar ao banco e dizer que não queria mais o empréstimo.
“Mas a gerente disse que não dava, que eu só podia ter desistido no dia. O mundo caiu na minha cabeça, de ódio, de raiva, de vergonha de mim, da minha postura. Liguei para minha filha para desabafar e, apesar de ter me dado uma bronca, ela me orientou a seguir alguns canais de youtube para aprender a sair das dívidas e não entrar mais em novas.”
Economia prateada como impulsionadora da informação
Foi neste momento de estudos sobre educação financeira que a vida de Adelma deu uma virada de chave. Ela passou a acompanhar as aulas online sobre educação financeira e assistir vídeos de analistas, como do analista CNPI-T, Eduardo Mira, falando sobre o mercado financeiro de uma maneira geral. Aos poucos, ela foi aprendendo sobre seus direitos e possibilidades dentro desse universo de finanças e conheceu a opção de portabilidade da dívida para outro banco. Neste momento, mudou de instituição e a parcela de R$ 1.900 virou R$ 1.500.
“Quando o outro banco viu, a gerente me ligou. Eu falei ‘Não, não me interessa mais. Se você está podendo agora, por que não podia antes?’, ela me respondeu que o banco só libera para quem pede portabilidade, mas mesmo assim não quis. Uma semana depois, ela me liga com uma outra proposta, de R$ 1.360. Nesse momento, eu falei ‘Meu Deus, que mundo é esse?’, e vi que precisamos mesmo deixar de ser tão alienado”, conta.
O consumo de informação por Adelma por meio de redes sociais faz parte da chamada “economia prateada” ou “silver economy”, como explica Ana Paula Debiazi, CEO da Leonora Ventures, venture builder que atua com tecnologias inovadoras no setor de varejo, logística e educação. O conceito diz respeito justamente ao público com mais de 50 anos que está ativamente presente na internet, consumindo a todo momento. “Nós observamos essa educação financeira mais pungente depois que eles passaram a consumir a internet. Quando eu não tinha esse consumo, eu não tinha acesso à informação”, salienta.
A falta de informação, segundo a especialista, fazia justamente o público mais velho ir para a poupança, já que eram esses os investimentos recomendados pelos gerentes de bancos. “A partir do momento que eu começo a ter acesso à informação e essa informação está em todo lugar, eu descubro centenas de opções de investimentos.
No Brasil, a economia prateada já movimenta R$ 1,7 trilhão por ano, com um mercado que já abrange 54 milhões de consumidores no país. No estrangeiro, é ainda maior: o público 50+ nos Estados Unidos movimenta US$ 3,4 trilhões por ano. Para 2030, as estimativas apontam que esses números chegarão a R$ 3 trilhões.
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Menor fatia, mas maiores investimentos
O número de pessoas 60+ mais do que dobrou na bolsa de valores na última década, contudo, a fatia proporcional diminuiu. Em 2013, o peso desse público na B3 era de 22,75%. Dez anos depois, a fatia corresponde a 8,49%. Isso porque em 2013 havia 571.507 investidores na B3 para 130.023 pessoas 60+. Já em 2023, há 5.315.524 investidores na B3, para 451.554 pessoas 60+.
Para Felipe Paiva, diretor de Relacionamento com Clientes e Pessoas Físicas da B3, o motivo dessa diminuição na fatia não se trata de um menor interesse por pessoas 60+, mas sim de um maior interesse de jovens. “O crescimento de novos investidores ao longo desses últimos 10 anos vem da nova geração das pessoas. Os 60+ na bolsa crescem, mas a velocidade do crescimento da nova geração é muito maior.”
Apesar de serem a menor fatia na bolsa, eles são os que mais têm dinheiro investido - e a diferença é gritante. Nos dados disponibilizados à reportagem, os números mostram que só este público tem 46,09% do capital investido na bolsa, o equivalente a R$ 233,39 bilhões. Em comparação, o público com maior peso na bolsa atualmente, de 26 a 39 anos, apesar de serem 2.501.372 de pessoas, detém R$ 70,02 bilhões (13,83%).
“E não é só milionários que estão na bolsa com 60+. Existe no Brasil um mito que só investia em bolsa quem tinha muitos recursos financeiros. Mas isso mudou. Em 2018, segundo nossas pesquisas, o primeiro investimento era acima de R$ 6 mil, porque havia essa ideia de só investir quando tiver muito dinheiro. Hoje, o primeiro investimento é abaixo dos R$ 100. Nós conseguimos ao longo do tempo perceber que investimento é para todos”, destaca Paiva.
Debiazi também acrescenta a informação de que esse público é mais agressivo nos investimentos. “Tem um estudo do iHub que 61% deles estão dentro da classificação arrojada, ou seja, eles aceitam correr mais riscos para trazer retornos mais atraentes”, comenta.
No futuro, mais idosos na bolsa?
Não é que tudo são flores. O especialista da B3 ressalta que há ainda uma cultura da poupança que predomina o público mais velho. Segundo Paiva, hoje, no Brasil, há na poupança mais de R$ 1 trilhão investido. Em bolsa, há R$ 500 bilhões. Sendo assim, a poupança tem o dobro.
“No Brasil, essa geração 60+ foi formada por uma cultura da caderneta de poupança. Antigamente, os pais davam aos filhos uma caderneta azul que mostrava o saldo que você tinha na poupança. Nos Estados Unidos, essa mesma geração ganhava cartela de ações da Disney. A formação cultural, a educação financeira nas famílias brasileiras, foi feita pela caderneta de poupança. No estrangeiro, as crianças da década de 1960 já nasceram com o ideal de investimento em ações.”
Contudo, o aumento de investidores 60+ na bolsa de valores deve ser uma tendência forte nos próximos anos, principalmente impulsionada pela tese de um cenário macroeconômico mais otimista, que inclui a queda da taxa básica de juros da economia brasileira, a Selic - atualmente em 12,25%. Como explica Paiva, os investidores 60+ conhecem o mercado, já que viveram diversos ciclos econômicos. Por conta disso, esse público sabe quando precisa alternar os investimentos.
Debiazi concorda com a visão. Para a especialista, esse movimento tende a continuar. Mas não só ele, como investimentos de risco no geral. “No venture capital, tenho visto cada vez mais as pessoas 60+ nos procurarem para fazer investimentos em startups. No fundo da Leonora Ventures, entre 85% a 89% são pessoas 60+. Há também pessoas 60+ entrando no trade, muitos deles aposentados, que têm mais tempo para ficar no computador. Então temos visto toda a cadeia da economia olhar para esse público. Entendemos que eles não são mais senhores que ficam dentro de casa fazendo costura e assistindo novela.”
Para Adelma, essa realidade é mais forte do que nunca. “Se eu não morrer hoje, nem amanhã, a minha velhice é certa. Aos 63 anos, eu não me sinto velha e nem sou. Mas se eu morrer amanhã, as pessoas que eu mais amo na vida, que são meus filhos, vão usufruir daquilo que eu construí. E eu espero que eles usem e tentem também construir para minhas netas. Eu, inclusive, já pedi para mãe de cada um abrir uma conta em corretora”, finaliza a professora."
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Créditos
Rebecca Crepaldi
Repórter de finanças
Jornalista formada pela Unesp, mestranda em Jornalismo Científico na Unicamp e especializada em Jornalismo Econômico pela FGV. Tem mais de 5 anos de experiência em redação com passagens pelo G1 e Estadão.